Folha de S. Paulo
É besteira continuar trocando tiros nos
morros; o criminoso pode estar no escritório ao nosso lado
No que se tornou uma das passagens mais importantes de "O Poderoso Chefão", a família Corleone decide que um de seus garotos precisa levar uma vida correta, longe do crime, formar-se em direito e se tornar um advogado para, se for o caso, defendê-los na Justiça. É o que os americanos chamam de "go legit", entrar na linha, legitimar-se. Os criminosos descobriam que, quanto mais se infiltrassem formalmente na sociedade, menos precisariam de usar a metralhadora. Enxergaram longe.
Não sei o grau de enraizamento do crime
organizado na sociedade dos EUA, mas, no Brasil, as facções criminosas já
lucram mais com certas atividades comerciais —compulsórias para os usuários— do
que com o tráfico. Entre essas atividades, contam-se o comércio paralelo de
gás, energia elétrica, transportes, combustíveis, lubrificantes, cigarros e
bebidas, extração e produção de ouro, construção de imóveis em terrenos
ocupados, golpes pelo celular e, num resquício das velhas práticas, roubo de
cargas e furto de celulares. Atrevem-se até a operar atividades legais, como
postos de gasolina e usinas de etanol.
Essas informações estão num relatório do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Segundo ele, o crime já é também o
principal empregador da região amazônica —controla o território, a população e
uma das principais atividades da região, a pesca. Uma rápida espiada num mapa
permite constatar o quanto do Brasil está em suas mãos. E a defesa legal desse
complexo não se limita aos vendedores de sentenças nos tribunais. Estende-se a
vereadores e deputados.
Todos os governos brasileiros —repito,
todos—, da redemocratização para cá (foi quando o crime começou a se organizar)
são culpados por isto. Ocupados com suas políticas de desenvolvimento, nacional
ou próprio, fizeram vista grossa a um processo que crescia bem sob seus
narizes.
É besteira continuar trocando tiros nos
morros. O criminoso pode estar no escritório vizinho ao nosso.
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