O Globo
Apesar de tantas mudanças, das análises
sociais da folia, da comercialização e tudo o mais, a chama ainda está acesa
Apesar de ter quase meio século, a teoria do
querido Roberto
DaMatta ainda é uma insuperável explicação do carnaval brasileiro. É
uma análise mostrando a quebra da hierarquia social que funciona magicamente
até Quarta-Feira de Cinzas.
As teses de Darwin sobre a evolução das
espécies, sobre a sobrevivência dos mais aptos por meio das dificuldades diante
dos obstáculos também é inquestionável. No entanto há espaço para avaliar não
apenas o carnaval, como também a teoria de Darwin sob outro ângulo: o impulso
para namorar, acasalar, a escolha sexual. Uma das figuras que desafiam a visão
clássica de Darwin é o pavão. Com suas longas caudas radiais de azul
iridescente, aqueles olhos em círculos de bronze, ele não pode ser considerado
apenas sob a ótica da sobrevivência.
Sua estrutura é incômoda para buscar alimentos e absolutamente ineficaz para escapar de predadores. No entanto o pavão maravilhoso sobrevive assim pois essa é sua maneira de agradar à pavoa, de acasalar. Tanto o pavão quanto a música — ou mesmo a arte, vistos sob o prisma da pura sobrevivência material — são perda de energia. Mas os pássaros cantam nos bosques e na floresta também para seduzir suas fêmeas.
Alguns autores — como Geoffrey Miller no
livro “The Mating Mind” — acham que a escolha sexual moldou a evolução da mente
humana. Como se ela tivesse se formado com o mesmo software da cauda do pavão,
contando piadas, compondo sonatas, usando dezenas de ornamentos sexuais para
impressionar os potenciais parceiros. Do ponto de vista estritamente
darwiniano, tudo isso seria inútil.
Acho que o carnaval também faz parte dessa
evolução humana, a partir das escolhas sexuais. Não vou muito além das memórias
de juventude. Houve um tempo que tínhamos o hábito de jogar confete. Era tática
de sedução. Tanto que, apesar de ter desaparecido, sobrevive na linguagem
popular como um ato destinado a agradar: jogar confete significa também
elogiar.
O mais importante foi a aparição do
lança-perfume. Embora tenham na História funções religiosas e de purificação,
os perfumes foram capturados por uma indústria gigantesca, cujo objetivo é
vender sedução. Temos substâncias químicas em nossos corpos, os feromônios, que
influenciam o comportamento do outro, sobretudo na atração sexual. A indústria
é tão sofisticada que inclui os feromônios sintéticos em algumas fragrâncias,
precisamente com o objetivo de seduzir o parceiro.
O lança-perfume era uma extensão do nosso
braço e se dirigia precisamente à sedução. O uso se perdeu um pouco, quando
começaram a usá-lo como droga. Mas ainda sobrevive em sua pureza original na
canção de Rita Lee: Lança,
menina, lança todo esse perfume/ Desbaratina, não dá para ficar imune/ Ao teu
amor que tem cheiro de coisa maluca.
A inversão de regras e hierarquias continua
sendo uma realidade do carnaval. Aglomerações como blocos e desfiles de escolas
de samba talvez tenham transformado um pouco esse impulso para o namoro e a
sedução. Outro dia, li nos jornais, num camarote em fase de decoração no
Sambódromo do Rio, para indignação dos repórteres e possivelmente dos
visitantes, havia um casal fazendo amor.
O que dizer disso?Apesar de tantas mudanças,
das análises sociais do carnaval, da comercialização e tudo o mais, a chama
ainda está acesa.
Lua de São Jorge, Lua deslumbrante/ Azul
verdejante/ Cauda de pavão. Como na canção de Caetano, a beleza do encontro da
luz com a cauda de pavão estará sempre nos lembrando que a batalha é bem maior
que só pela sobrevivência.
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