O Estado de S. Paulo
Ou bem o governo assume a rota da responsabilidade fiscal e faz o que precisa ser feito ou vai amargar um último ano daqueles
A economia e os ciclos políticos andam de
mãos dadas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está amargando um período de
queda de popularidade justamente quando os mercados cobram a execução de um
programa de controle do déficit público. O governo precisa aceitar: o
crescimento econômico não voltará, em 2026, na ausência de juros mais baixos,
dependentes de uma política fiscal sólida. Para isso, o coreto político tem de
estar organizado.
O PIB, neste momento, está nas mãos do Banco Central. Aproveitando a trégua do PT, o Comitê de Política Monetária (Copom) vem elevando os juros, num jogo já combinado com seu antecessor. O tal do guidance – e sempre há uma palavra em inglês para dizer o óbvio – é isto: segurem-se, pois os juros vão subir mais um tanto.
E digo que a política monetária tem esse peso
porque, ao contrário do que se fala a respeito de um possível quadro de
dominância fiscal (situação em que a política de juros perde eficácia no
controle dos preços), a Selic já está reduzindo a temperatura. O desemprego
começou a subir desde dezembro, movimento repetido em janeiro. Projetase PIB
abaixo de 2% para o ano corrente.
Então, como venho falando desde 2023, o ciclo
político parece ter exercido efeitos distintos, desta vez, em relação à
costumeira lógica de promover ajustes ao início para soltar um pouco a mão no
final. O primeiro biênio marcou-se por crescimento econômico relativamente
alto, inflação moderada e desemprego baixíssimo. O aperto de cintos, no lado
fiscal, começou apenas no segundo semestre de 2024. É verdade também que, ao
longo de todo o ano, o extraordinário desempenho das receitas públicas
colaborou.
A expansão fiscal entre janeiro de 2023 e
meados de 2024 elevou o PIB. Só em precatórios, promoveu-se uma pressão grande
sobre a demanda agregada. Isso sem contar o aumento do salário mínimo e dos
gastos obrigatórios, em geral, dado o retorno das políticas de vinculação da
Saúde e da Educação às receitas públicas. A festa das emendas parlamentares
coroou o processo.
Vamo-nos entender bem. O crescimento
econômico deve ter se aproximado de 7%, no acumulado entre 2023 e 2024, já
descontada a inflação. Vale dizer, o dado oficial do PIB de 2024 será conhecido
até o fim desta semana. O desemprego chegou à mínima histórica de 6,1% no
trimestre encerrado em novembro de 2024.
Mas, e agora? Que fazer diante da óbvia
desaceleração da atividade econômica, em razão do aumento da Selic para
controle da inflação? De um lado, o dólar alto ainda explica em boa medida as
pressões inflacionárias. De outro, há choques de oferta, inclusive ligados a
questões climáticas, que turbinaram os preços de muitos alimentos. Contra esta
última questão, não custa lembrar, a Selic não opera.
O receituário que se apresenta ao presidente
Lula não é nada populista, como talvez pudesse desejar. A hora, neste meio de
mandato e já avançando na parte final – sempre mais curta em razão da sombra
futura das eleições gerais –, é de evitar excessos, de reforçar a agenda fiscal
de Haddad e de segurar o Congresso e os ministros tipicamente gastadores.
Somente por meio desse caminho será possível
chegar ao último trimestre de 2025 com alguma chance de o Banco Central iniciar
a redução dos juros. Esta, por sua vez, levaria certo tempo para melhorar a
atividade econômica; talvez, só em meados de 2026.
Dito de outra maneira, o tempo está acabando.
Ou bem o governo assume a rota da responsabilidade fiscal e faz o que precisa
ser feito, contingenciando volume relevante de gastos (a meu ver, R$ 30,9
bilhões) no Orçamento em tramitação no Congresso, ou vai amargar um último ano
daqueles.
A inflação de alimentos é o vetor da queda de
popularidade. Ela será amenizada com o tempo. O processo seria, no entanto,
mais célere, se a taxa de câmbio voltasse a um patamar condizente com as boas
condições do balanço das contas externas. Para isso, é preciso dissipar o
risco. Ele segue pairando no ar e cresce na esteira de certas novidades.
A escolha da deputada Gleisi Hoffmann para
chefiar a pasta da articulação política soou preocupante até para figuras do
governo ou próximas a ele. Ninguém negará a lealdade patente associada a
Hoffmann em relação a Lula. Contudo, sua chegada à Esplanada precisará reforçar
as agendas econômicas corretas e as diretrizes da Fazenda.
Uma guinada a uma política econômica mais
intervencionista, que desrespeitasse os preceitos da responsabilidade fiscal,
do controle do gasto público e da busca pela recuperação das condições de
sustentabilidade da dívida, seria um tiro de misericórdia. E não só nas
possibilidades de reeleição do presidente. O País viveria dois longos anos de
instabilidade e mau desempenho econômico.
O desafio de Lula é criar agendas positivas,
a partir dos orçamentos disponíveis para bons projetos, segurar as bombas
fiscais, manter o Congresso sob sua música e evitar conflitos internos no seu
ministério.
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