segunda-feira, 3 de março de 2025

O segundo tempo do jogo de Lula - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Ou bem o governo assume a rota da responsabilidade fiscal e faz o que precisa ser feito ou vai amargar um último ano daqueles

A economia e os ciclos políticos andam de mãos dadas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está amargando um período de queda de popularidade justamente quando os mercados cobram a execução de um programa de controle do déficit público. O governo precisa aceitar: o crescimento econômico não voltará, em 2026, na ausência de juros mais baixos, dependentes de uma política fiscal sólida. Para isso, o coreto político tem de estar organizado.

O PIB, neste momento, está nas mãos do Banco Central. Aproveitando a trégua do PT, o Comitê de Política Monetária (Copom) vem elevando os juros, num jogo já combinado com seu antecessor. O tal do guidance – e sempre há uma palavra em inglês para dizer o óbvio – é isto: segurem-se, pois os juros vão subir mais um tanto.

E digo que a política monetária tem esse peso porque, ao contrário do que se fala a respeito de um possível quadro de dominância fiscal (situação em que a política de juros perde eficácia no controle dos preços), a Selic já está reduzindo a temperatura. O desemprego começou a subir desde dezembro, movimento repetido em janeiro. Projetase PIB abaixo de 2% para o ano corrente.

Então, como venho falando desde 2023, o ciclo político parece ter exercido efeitos distintos, desta vez, em relação à costumeira lógica de promover ajustes ao início para soltar um pouco a mão no final. O primeiro biênio marcou-se por crescimento econômico relativamente alto, inflação moderada e desemprego baixíssimo. O aperto de cintos, no lado fiscal, começou apenas no segundo semestre de 2024. É verdade também que, ao longo de todo o ano, o extraordinário desempenho das receitas públicas colaborou.

A expansão fiscal entre janeiro de 2023 e meados de 2024 elevou o PIB. Só em precatórios, promoveu-se uma pressão grande sobre a demanda agregada. Isso sem contar o aumento do salário mínimo e dos gastos obrigatórios, em geral, dado o retorno das políticas de vinculação da Saúde e da Educação às receitas públicas. A festa das emendas parlamentares coroou o processo.

Vamo-nos entender bem. O crescimento econômico deve ter se aproximado de 7%, no acumulado entre 2023 e 2024, já descontada a inflação. Vale dizer, o dado oficial do PIB de 2024 será conhecido até o fim desta semana. O desemprego chegou à mínima histórica de 6,1% no trimestre encerrado em novembro de 2024.

Mas, e agora? Que fazer diante da óbvia desaceleração da atividade econômica, em razão do aumento da Selic para controle da inflação? De um lado, o dólar alto ainda explica em boa medida as pressões inflacionárias. De outro, há choques de oferta, inclusive ligados a questões climáticas, que turbinaram os preços de muitos alimentos. Contra esta última questão, não custa lembrar, a Selic não opera.

O receituário que se apresenta ao presidente Lula não é nada populista, como talvez pudesse desejar. A hora, neste meio de mandato e já avançando na parte final – sempre mais curta em razão da sombra futura das eleições gerais –, é de evitar excessos, de reforçar a agenda fiscal de Haddad e de segurar o Congresso e os ministros tipicamente gastadores.

Somente por meio desse caminho será possível chegar ao último trimestre de 2025 com alguma chance de o Banco Central iniciar a redução dos juros. Esta, por sua vez, levaria certo tempo para melhorar a atividade econômica; talvez, só em meados de 2026.

Dito de outra maneira, o tempo está acabando. Ou bem o governo assume a rota da responsabilidade fiscal e faz o que precisa ser feito, contingenciando volume relevante de gastos (a meu ver, R$ 30,9 bilhões) no Orçamento em tramitação no Congresso, ou vai amargar um último ano daqueles.

A inflação de alimentos é o vetor da queda de popularidade. Ela será amenizada com o tempo. O processo seria, no entanto, mais célere, se a taxa de câmbio voltasse a um patamar condizente com as boas condições do balanço das contas externas. Para isso, é preciso dissipar o risco. Ele segue pairando no ar e cresce na esteira de certas novidades.

A escolha da deputada Gleisi Hoffmann para chefiar a pasta da articulação política soou preocupante até para figuras do governo ou próximas a ele. Ninguém negará a lealdade patente associada a Hoffmann em relação a Lula. Contudo, sua chegada à Esplanada precisará reforçar as agendas econômicas corretas e as diretrizes da Fazenda.

Uma guinada a uma política econômica mais intervencionista, que desrespeitasse os preceitos da responsabilidade fiscal, do controle do gasto público e da busca pela recuperação das condições de sustentabilidade da dívida, seria um tiro de misericórdia. E não só nas possibilidades de reeleição do presidente. O País viveria dois longos anos de instabilidade e mau desempenho econômico.

O desafio de Lula é criar agendas positivas, a partir dos orçamentos disponíveis para bons projetos, segurar as bombas fiscais, manter o Congresso sob sua música e evitar conflitos internos no seu ministério.

 

Nenhum comentário: