segunda-feira, 28 de abril de 2025

Bem-vindo à era do dólar fraco - Humberto Saccomandi

Valor Econômico

Nas negociações bilaterais sobre tarifas, o governo Trump parece estar buscando ativamente desvalorizar o dólar, para favorecer a competitividade e a produção locais

Apesar de dizer que adora tarifas comerciais, o presidente dos EUA vem insinuando que as tarifas são um meio para forçar os países a negociar com os EUA. Essa negociação inclui vários tipos de facilitações e privilégios para os EUA. Mas, paralelamente a isso, o governo americano parece estar embarcando ativamente num outro modo de reduzir o enorme déficit comercial do país: promover um dólar fraco.

As negociações em troca de redução de uma parte das tarifas aplicadas e/ou ameaçadas pelo governo Trump envolvem uma variedade de temas. E são sempre (a não ser no caso da União Europeia) negociações bilaterais, nas quais os EUA têm maior capacidade de pressão e retaliação.

Há, claro, o interesse americano de reduzir as tarifas aplicadas pelos parceiros aos seus produtos. É o que vários países estão oferecendo. A UE, por exemplo, aventou a possibilidade de zerar as tarifas comerciais dos dois lados. Mas não se trata apenas de reduzir tarifas. O Vietnã propôs reduzir a zero suas tarifas para produtos americanos, em troca da retirada dos 46% anunciados por Trump, mas o governo americano recusou. Quer mais.

Há também a questão do acesso a mercado, tanto para bens como para serviços americanos. Isso é muito importante, por exemplo, nas negociações com o Japão, que dificulta a entrada de produtos agrícolas americanos, como o arroz, e com a Índia, que além de impor tarifas elevadas a muitos produtos, também restringe a atuação de empresas estrangeiras em vários setores de serviços.

Os EUA querem também a retirada de obstáculos não tarifários a produtos americanos, como a regulação sanitária europeia, que proíbe a importação de frango tratado com cloro, como fazem os produtores americanos.

Outro ponto das negociações em andamento com vários países é a proteção à atuação das Big Techs americanas. Washington quer evitar a taxação local dessas empresas, prevista num acordo que está sendo negociado há anos na OCDE. Quer também a retirada de restrições às operações das Big Techs, como as que originaram as multas aplicadas neste mês pela UE à Apple e à Meta, que totalizam 700 milhões de euros.

Os EUA estão buscando ainda assegurar privilégios comerciais nessas negociações, como a concessão exclusiva para explorar terras-raras na Ucrânia.

Mas há um outro fator relevante nas transações comerciais e que também está sendo alvo de negociações. O governo Trump parece estar buscando ativamente desvalorizar o dólar, para favorecer a competitividade e a produção locais.

Não seria a primeira vez que o país desvalorizaria o dólar para ganhar competitividade. Em 1985, os EUA exerceram forte pressão sobre seus quatro principais parceiros comerciais à época (Japão, Alemanha Ocidental, Reino Unido e França) para que valorizassem suas moedas em relação ao dólar, com o objetivo de reduzir o déficit comercial americano, no que ficou conhecido como Acordo do Plaza (nome do hotel onde as delegações se reuniam).

O resultado foi que, entre 1985 e 1988, o dólar caiu cerca de 40% em relação ao marco alemão (não existia o euro à época) e ao iene japonês. Embora essa desvalorização tenha reduzido o déficit americano com esses países nos anos seguintes, o déficit comercial total dos EUA seguiu aumentando, ainda que num ritmo menor.

Trump já afirmou várias vezes que o dólar está sobrevalorizado, que isso prejudica as exportações e as empresas americanas e que ele quer um dólar mais fraco. A desvalorização da moeda americana poderia ajudar a reduzir o déficit comercial sem a necessidade de tarifas comerciais elevadas, que dificultam e distorcem o comércio global.

A mídia americana vem falando de um Acordo de Mar-a-Lago, o resort da Flórida onde Trump tem sua casa. Mas parece que as negociações desta vez tendem a ser bilaterais, ao contrário do Acordo do Plaza, que foi multilateral. O Japão já admitiu que o câmbio deve ser um dos principais temas das negociações com os EUA, apesar de Tóquio seguir dizendo que tem pouca margem para valorizar o iene.

Desde o início deste ano o dólar vem se desvalorizando em relação às moedas dos principais parceiros comerciais americanos (veja gráfico abaixo). Euro e iene foram as que mais se valorizaram, ganhando quase 10% (a moeda europeia está na sua maior cotação em três anos). O real ganhou 8,67%, um pouco mais que o peso mexicano.

Já o yuan chinês permaneceu quase estável, o que reflete tanto a crise econômica vivida pelo país como possivelmente a disposição do governo chinês de não deixar sua moeda se valorizar demais. Pequim deve temer que aconteça com a China algo parecido com o que ocorreu após o Acordo do Plaza com Japão, que mergulhou num período longo de estagnação econômica e deflação.

Mas essa desvalorização do dólar poderá trazer uma série de efeitos colaterais. Assim como as tarifas, um dólar mais fraco eleva o preço dos produtos importados nos EUA, reduzindo o consumo e onerando a produção americana que depende de insumo comprados fora. Ou seja, o país ficaria relativamente mais pobre.

Além disso, pode ser difícil conter as oscilações dos mercados de câmbio. Em 1987, os mesmos países do Acordo do Plaza (mais o Canadá e a Itália) se reuniram novamente para tentar conter a forte desvalorização do dólar e a instabilidade que isso gerou nos mercados mundiais.

Uma nova desvalorização forte também ameaçaria a dominância do dólar como moeda de reserva global. Em 1985 não havia opções à moeda americana. Hoje há o euro, além de um crescente uso no comércio do yuan chinês. A perspectiva de queda do dólar ameaça ainda reduzir o interesse de investidores estrangeiros por dívida americana, o que pode elevar os juros internos nos EUA.

Nesse contexto, a decisão do Fed de manter a sua taxa de juros referencial pode estar evitando uma desvalorização ainda maior da moeda americana. O diferencial de juros entre os EUA e as demais grandes economias está aumentando, e isso tende a atrair capital para os EUA, o que em teoria fortalece o dólar.

De todo modo, o governo Trump vem deixando claro que a tendência nos próximos anos é de desvalorização do dólar, o que terá enorme repercussão em todo o mundo.

 

Nenhum comentário: