Valor Econômico
Nas negociações bilaterais sobre tarifas, o
governo Trump parece estar buscando ativamente desvalorizar o dólar, para
favorecer a competitividade e a produção locais
Apesar de dizer que adora tarifas comerciais,
o presidente dos EUA vem insinuando que as tarifas são um meio para forçar os
países a negociar com os EUA. Essa negociação inclui vários tipos de
facilitações e privilégios para os EUA. Mas, paralelamente a isso, o governo
americano parece estar embarcando ativamente num outro modo de reduzir o enorme
déficit comercial do país: promover um dólar fraco.
As negociações em troca de redução de uma parte das tarifas aplicadas e/ou ameaçadas pelo governo Trump envolvem uma variedade de temas. E são sempre (a não ser no caso da União Europeia) negociações bilaterais, nas quais os EUA têm maior capacidade de pressão e retaliação.
Há, claro, o interesse americano de reduzir
as tarifas aplicadas pelos parceiros aos seus produtos. É o que vários países
estão oferecendo. A UE, por exemplo, aventou a possibilidade de zerar as
tarifas comerciais dos dois lados. Mas não se trata apenas de reduzir tarifas.
O Vietnã propôs reduzir a zero suas tarifas para produtos americanos, em troca
da retirada dos 46% anunciados por Trump, mas o governo americano recusou. Quer
mais.
Há também a questão do acesso a mercado,
tanto para bens como para serviços americanos. Isso é muito importante, por
exemplo, nas negociações com o Japão, que dificulta a entrada de produtos
agrícolas americanos, como o arroz, e com a Índia, que além de impor tarifas
elevadas a muitos produtos, também restringe a atuação de empresas estrangeiras
em vários setores de serviços.
Os EUA querem também a retirada de obstáculos
não tarifários a produtos americanos, como a regulação sanitária europeia, que
proíbe a importação de frango tratado com cloro, como fazem os produtores
americanos.
Outro ponto das negociações em andamento com
vários países é a proteção à atuação das Big Techs americanas. Washington quer
evitar a taxação local dessas empresas, prevista num acordo que está sendo
negociado há anos na OCDE. Quer também a retirada de restrições às operações
das Big Techs, como as que originaram as multas aplicadas neste mês pela UE à
Apple e à Meta, que totalizam 700 milhões de euros.
Os EUA estão buscando ainda assegurar
privilégios comerciais nessas negociações, como a concessão exclusiva para
explorar terras-raras na Ucrânia.
Mas há um outro fator relevante nas
transações comerciais e que também está sendo alvo de negociações. O governo
Trump parece estar buscando ativamente desvalorizar o dólar, para favorecer a
competitividade e a produção locais.
Não seria a primeira vez que o país
desvalorizaria o dólar para ganhar competitividade. Em 1985, os EUA exerceram
forte pressão sobre seus quatro principais parceiros comerciais à época (Japão,
Alemanha Ocidental, Reino Unido e França) para que valorizassem suas moedas em
relação ao dólar, com o objetivo de reduzir o déficit comercial americano, no
que ficou conhecido como Acordo do Plaza (nome do hotel onde as delegações se
reuniam).
O resultado foi que, entre 1985 e 1988, o
dólar caiu cerca de 40% em relação ao marco alemão (não existia o euro à época)
e ao iene japonês. Embora essa desvalorização tenha reduzido o déficit
americano com esses países nos anos seguintes, o déficit comercial total dos
EUA seguiu aumentando, ainda que num ritmo menor.
Trump já afirmou várias vezes que o dólar
está sobrevalorizado, que isso prejudica as exportações e as empresas
americanas e que ele quer um dólar mais fraco. A desvalorização da moeda
americana poderia ajudar a reduzir o déficit comercial sem a necessidade de
tarifas comerciais elevadas, que dificultam e distorcem o comércio global.
A mídia americana vem falando de um Acordo de
Mar-a-Lago, o resort da Flórida onde Trump tem sua casa. Mas parece que as
negociações desta vez tendem a ser bilaterais, ao contrário do Acordo do Plaza,
que foi multilateral. O Japão já admitiu que o câmbio deve ser um dos
principais temas das negociações com os EUA, apesar de Tóquio seguir dizendo
que tem pouca margem para valorizar o iene.
Desde o início deste ano o dólar vem se
desvalorizando em relação às moedas dos principais parceiros comerciais
americanos (veja gráfico abaixo). Euro e iene foram as que mais se valorizaram,
ganhando quase 10% (a moeda europeia está na sua maior cotação em três anos). O
real ganhou 8,67%, um pouco mais que o peso mexicano.
Já o yuan chinês permaneceu quase estável, o
que reflete tanto a crise econômica vivida pelo país como possivelmente a
disposição do governo chinês de não deixar sua moeda se valorizar demais.
Pequim deve temer que aconteça com a China algo parecido com o que ocorreu após
o Acordo do Plaza com Japão, que mergulhou num período longo de estagnação
econômica e deflação.
Mas essa desvalorização do dólar poderá
trazer uma série de efeitos colaterais. Assim como as tarifas, um dólar mais
fraco eleva o preço dos produtos importados nos EUA, reduzindo o consumo e
onerando a produção americana que depende de insumo comprados fora. Ou seja, o
país ficaria relativamente mais pobre.
Além disso, pode ser difícil conter as
oscilações dos mercados de câmbio. Em 1987, os mesmos países do Acordo do Plaza
(mais o Canadá e a Itália) se reuniram novamente para tentar conter a forte
desvalorização do dólar e a instabilidade que isso gerou nos mercados mundiais.
Uma nova desvalorização forte também
ameaçaria a dominância do dólar como moeda de reserva global. Em 1985 não havia
opções à moeda americana. Hoje há o euro, além de um crescente uso no comércio
do yuan chinês. A perspectiva de queda do dólar ameaça ainda reduzir o
interesse de investidores estrangeiros por dívida americana, o que pode elevar
os juros internos nos EUA.
Nesse contexto, a decisão do Fed de manter a
sua taxa de juros referencial pode estar evitando uma desvalorização ainda
maior da moeda americana. O diferencial de juros entre os EUA e as demais
grandes economias está aumentando, e isso tende a atrair capital para os EUA, o
que em teoria fortalece o dólar.
De todo modo, o governo Trump vem deixando
claro que a tendência nos próximos anos é de desvalorização do dólar, o que
terá enorme repercussão em todo o mundo.
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