Valor Econômico
Reduzir esses gastos exige uma estratégia fiscal que não é fácil nem indolor, passando principalmente por conter o ritmo de crescimento dos dispêndios obrigatórios
Os gastos com juros do setor público
consolidado se aproximam de R$ 1 trilhão no acumulado em 12 meses. Até
fevereiro, nessa base de comparação, essas despesas ficaram em R$ 923,9
bilhões, o equivalente a 7,78% do PIB, respondendo por quase todo o déficit
nominal do período, de R$ 939,8 bilhões, ou 7,91% do PIB. O resultado primário
(que não engloba despesas financeiras) ficou negativo em R$ 15,9 bilhões, ou
0,13% do PIB. O déficit nominal é a soma dos gastos com juros e do resultado
primário.
As despesas com juros, como se vê, são cavalares, o que se deve à combinação de uma dívida pública elevada e uma Selic muito alta. Estimativa da agência de classificação de risco Moody’s é de que só as despesas com juros da União atinjam R$ 995 bilhões em 2025, depois dos R$ 853 bilhões de 2024. O setor público consolidado inclui ainda Estados, municípios e empresas estatais não financeiras, excluindo Petrobras e Eletrobras.
Tomar medidas que levem à redução dos gastos
com juros deveria ser uma das prioridades do governo, o que não passa, porém,
por um corte açodado da Selic. A estratégia de baixar os juros à força foi
testada no primeiro governo de Dilma Rousseff, na gestão de Alexandre Tombini à
frente do Banco Central (BC). Como esperado, a experiência resultou em mais
inflação e em graves danos à credibilidade da autoridade monetária,
reconquistada a duras penas, com doses elevadas de juros.
Não há dúvida de que a Selic, hoje em 14,25%
ao ano, está muito alta. Comparada com a inflação projetada para os próximos 12
meses, o juro real fica em 8,9%. O ponto é que o quadro inflacionário, ainda
que não seja explosivo, é desconfortável. O Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) deve ficar na casa de 5,5% neste ano, acima da meta de
3% e do teto da banda de tolerância, de 4,5%. Uma economia aquecida, com um
mercado de trabalho ainda forte, pressiona os preços de serviços, enquanto o dólar
caro afeta os bens industriais. Para completar, a inflação de alimentação no
domicílio roda em 8% em 12 meses.
Como pano de fundo, há incertezas sobre a
sustentabilidade das contas públicas, o que contribui para os juros ficarem
elevados. As taxas dos títulos do Tesouro de longo prazo corrigidos pela
inflação estão na casa de 7,5%, um nível absurdamente alto e insustentável. Uma
meta de inflação de 3% também complica o quadro - num país com dificuldades
fiscais persistentes, reduzir a meta para esse nível parece ter sido
precipitado, como têm dito Aloisio Araújo, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e
do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), e o ex-diretor do Banco
Central Sérgio Werlang, também da FGV. A saída, contudo, não passa por elevar o
alvo - fazer isso no atual momento, em que a situação das contas públicas é
frágil, só contribuiria para piorar ainda mais as expectativas de inflação. Em
vez de ajudar a reduzir os juros, a medida tenderia a produzir o efeito
contrário.
Ter gastos com juros estruturalmente mais
baixos exige medidas para diminuir as incertezas sobre as contas públicas,
focadas no controle das despesas obrigatórias. Além de diminuir o estímulo
fiscal, iniciativas que desvinculem aposentadorias e benefícios assistenciais
do salário mínimo e os pisos de saúde e educação da variação da receita teriam
um efeito importante sobre as expectativas, por apontar para uma trajetória
mais contida dos gastos ao longo do tempo. Essa agenda, porém, não será adotada
pelo governo Lula. A atual gestão deverá se limitar a medidas para cumprir o
arcabouço fiscal, que evitam um cenário mais grave no curto prazo, mas não
estabilizam a dívida pública num prazo razoável- os números apresentados no
Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026, aliás, já deixaram
claro que o arcabouço precisará ser revisto a partir de 2027. O crescimento das
despesas obrigatórias vai tomar em pouco tempo o já exíguo espaço dos gastos
discricionários, como os destinados à manutenção da máquina pública e os
investimentos. As receitas, por sua vez, não crescerão ao ritmo necessário para
gerar superávits primários suficientes para estabilizar e diminuir a dívida
como proporção do PIB.
Além de enfrentar a expansão das despesas,
outra frente importante é tentar reduzir os chamados gastos tributários, o
conjunto de subsídios e desonerações concedidos a empresas e pessoas físicas.
Em 2026, eles devem totalizar R$ 621 bilhões, o equivalente a 4,53% do PIB,
acima dos R$ 544,5 bilhões, ou 4,4% do PIB, previstos para este ano.
É evidente que conter as despesas
obrigatórias e reduzir os gastos tributários são medidas politicamente
difíceis. Sem elas, porém, o governo não conseguirá melhorar estruturalmente a
situação fiscal. As estimativas são de que o país precisa de um superávit
primário de 1,5% a 3% do PIB para estabilizar a relação dívida/PIB, enquanto as
previsões indicam um déficit de 0,6% do PIB neste ano.
O ciclo de alta da Selic está perto do fim.
Um dólar mais comportado - na sexta-feira, fechou abaixo de R$ 5,70 - pode
ajudar a aliviar parte pressões inflacionárias. A atividade econômica também
deve perder força, à medida que os juros altos surtirem efeito e a economia
global desacelerar, em função do tarifaço adotado pelo governo de Donald Trump.
Nesse quadro, é possível que o BC promova apenas mais um aumento da Selic em
maio e interrompa o aperto monetário. No fim do ano, pode haver espaço para a instituição
começar a reduzir a taxa.
Uma queda da Selic para um nível que diminua
significativamente os gastos com juros, contudo, ainda está distante. Isso
passa por uma mudança na orientação da política fiscal que não virá neste ano
ou no próximo, com medidas de controle dos gastos obrigatórios que permitam ao
governo gerar superávits primários consistentes. Quando isso ocorrer, os juros
poderão cair de modo sustentado, ajudando a baixar gradualmente as despesas
financeiras do setor público, que hoje se aproximam de R$ 1 trilhão em 12 meses.
Não há estratégia fácil nem indolor para atingir esse objetivo
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