segunda-feira, 28 de abril de 2025

Despesas com juros em 12 meses se aproximam de R$ 1 trilhão - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Reduzir esses gastos exige uma estratégia fiscal que não é fácil nem indolor, passando principalmente por conter o ritmo de crescimento dos dispêndios obrigatórios

Os gastos com juros do setor público consolidado se aproximam de R$ 1 trilhão no acumulado em 12 meses. Até fevereiro, nessa base de comparação, essas despesas ficaram em R$ 923,9 bilhões, o equivalente a 7,78% do PIB, respondendo por quase todo o déficit nominal do período, de R$ 939,8 bilhões, ou 7,91% do PIB. O resultado primário (que não engloba despesas financeiras) ficou negativo em R$ 15,9 bilhões, ou 0,13% do PIB. O déficit nominal é a soma dos gastos com juros e do resultado primário.

As despesas com juros, como se vê, são cavalares, o que se deve à combinação de uma dívida pública elevada e uma Selic muito alta. Estimativa da agência de classificação de risco Moody’s é de que só as despesas com juros da União atinjam R$ 995 bilhões em 2025, depois dos R$ 853 bilhões de 2024. O setor público consolidado inclui ainda Estados, municípios e empresas estatais não financeiras, excluindo Petrobras e Eletrobras.

Tomar medidas que levem à redução dos gastos com juros deveria ser uma das prioridades do governo, o que não passa, porém, por um corte açodado da Selic. A estratégia de baixar os juros à força foi testada no primeiro governo de Dilma Rousseff, na gestão de Alexandre Tombini à frente do Banco Central (BC). Como esperado, a experiência resultou em mais inflação e em graves danos à credibilidade da autoridade monetária, reconquistada a duras penas, com doses elevadas de juros.

Não há dúvida de que a Selic, hoje em 14,25% ao ano, está muito alta. Comparada com a inflação projetada para os próximos 12 meses, o juro real fica em 8,9%. O ponto é que o quadro inflacionário, ainda que não seja explosivo, é desconfortável. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ficar na casa de 5,5% neste ano, acima da meta de 3% e do teto da banda de tolerância, de 4,5%. Uma economia aquecida, com um mercado de trabalho ainda forte, pressiona os preços de serviços, enquanto o dólar caro afeta os bens industriais. Para completar, a inflação de alimentação no domicílio roda em 8% em 12 meses.

Como pano de fundo, há incertezas sobre a sustentabilidade das contas públicas, o que contribui para os juros ficarem elevados. As taxas dos títulos do Tesouro de longo prazo corrigidos pela inflação estão na casa de 7,5%, um nível absurdamente alto e insustentável. Uma meta de inflação de 3% também complica o quadro - num país com dificuldades fiscais persistentes, reduzir a meta para esse nível parece ter sido precipitado, como têm dito Aloisio Araújo, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), e o ex-diretor do Banco Central Sérgio Werlang, também da FGV. A saída, contudo, não passa por elevar o alvo - fazer isso no atual momento, em que a situação das contas públicas é frágil, só contribuiria para piorar ainda mais as expectativas de inflação. Em vez de ajudar a reduzir os juros, a medida tenderia a produzir o efeito contrário.

Ter gastos com juros estruturalmente mais baixos exige medidas para diminuir as incertezas sobre as contas públicas, focadas no controle das despesas obrigatórias. Além de diminuir o estímulo fiscal, iniciativas que desvinculem aposentadorias e benefícios assistenciais do salário mínimo e os pisos de saúde e educação da variação da receita teriam um efeito importante sobre as expectativas, por apontar para uma trajetória mais contida dos gastos ao longo do tempo. Essa agenda, porém, não será adotada pelo governo Lula. A atual gestão deverá se limitar a medidas para cumprir o arcabouço fiscal, que evitam um cenário mais grave no curto prazo, mas não estabilizam a dívida pública num prazo razoável- os números apresentados no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026, aliás, já deixaram claro que o arcabouço precisará ser revisto a partir de 2027. O crescimento das despesas obrigatórias vai tomar em pouco tempo o já exíguo espaço dos gastos discricionários, como os destinados à manutenção da máquina pública e os investimentos. As receitas, por sua vez, não crescerão ao ritmo necessário para gerar superávits primários suficientes para estabilizar e diminuir a dívida como proporção do PIB.

Além de enfrentar a expansão das despesas, outra frente importante é tentar reduzir os chamados gastos tributários, o conjunto de subsídios e desonerações concedidos a empresas e pessoas físicas. Em 2026, eles devem totalizar R$ 621 bilhões, o equivalente a 4,53% do PIB, acima dos R$ 544,5 bilhões, ou 4,4% do PIB, previstos para este ano.

É evidente que conter as despesas obrigatórias e reduzir os gastos tributários são medidas politicamente difíceis. Sem elas, porém, o governo não conseguirá melhorar estruturalmente a situação fiscal. As estimativas são de que o país precisa de um superávit primário de 1,5% a 3% do PIB para estabilizar a relação dívida/PIB, enquanto as previsões indicam um déficit de 0,6% do PIB neste ano.

O ciclo de alta da Selic está perto do fim. Um dólar mais comportado - na sexta-feira, fechou abaixo de R$ 5,70 - pode ajudar a aliviar parte pressões inflacionárias. A atividade econômica também deve perder força, à medida que os juros altos surtirem efeito e a economia global desacelerar, em função do tarifaço adotado pelo governo de Donald Trump. Nesse quadro, é possível que o BC promova apenas mais um aumento da Selic em maio e interrompa o aperto monetário. No fim do ano, pode haver espaço para a instituição começar a reduzir a taxa.

Uma queda da Selic para um nível que diminua significativamente os gastos com juros, contudo, ainda está distante. Isso passa por uma mudança na orientação da política fiscal que não virá neste ano ou no próximo, com medidas de controle dos gastos obrigatórios que permitam ao governo gerar superávits primários consistentes. Quando isso ocorrer, os juros poderão cair de modo sustentado, ajudando a baixar gradualmente as despesas financeiras do setor público, que hoje se aproximam de R$ 1 trilhão em 12 meses. Não há estratégia fácil nem indolor para atingir esse objetivo

 

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