segunda-feira, 28 de abril de 2025

Lula vai entregar a LAI de bandeja para os políticos? - Bruno Carazza

Valor Econômico

Dois projetos sob análise do presidente podem ser grande retrocesso contra transparência, favorecendo supersalários e mau uso de recursos públicos

O governo levou quase uma década para descobrir uma quadrilha que descontava pequenas quantias de milhões de aposentados e pensionistas, lesando a população em mais de R$ 6 bilhões desde pelo menos 2016.

Mesmo dispondo de uma estatal para gerenciar os sistemas de arrecadação e benefícios previdenciários (Dataprev) e de contar com milhares de auditores fiscais (que atuam na Receita Federal e no INSS), de Finanças e Controle (CGU) e ainda agentes, peritos e delegados da Polícia Federal, a fraude bilionária atravessou mandatos de pelo menos três presidentes da República (Temer, Bolsonaro e Lula) até ser desbaratada.

Não é por falta de bancos de dados ou de servidores altamente qualificados (e bem remunerados) que se demorou tanto para identificar que havia um padrão suspeito de autorizações para descontos na folha de pagamentos em proveito de associações de procedência suspeita. No Brasil as organizações criminosas se imiscuem nos partidos políticos, nomeiam asseclas como secretários e até ministros e ainda corrompem servidores que passam a trabalhar para elas. Dessa forma, suspeitas não são investigadas a fundo e apurações acabam engavetadas.

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Raramente o ciclo de proteção e conivência é rompido. No caso do INSS, ajudaram a fartura de evidências apuradas pela CGU, as cifras elevadas e o apelo do caso para a sociedade - aparentemente, lesar velhinhos aposentados gera uma comoção maior do que obras superfaturadas ou desvios de emendas. Mas quantas outras ações dos órgãos de controle não vão adiante porque envolvem membros do partido do presidente de plantão ou apadrinhados de figurões do Congresso Nacional?

É para evitar que os poderosos obstruam a atuação dos órgãos de fiscalização que países avançados contam com um grande aliado no combate à corrupção: a própria sociedade. Por meio da transparência das contas públicas, de dados abertos de sistemas de pagamentos e da divulgação de documentos internos, a imprensa e organizações da sociedade civil são capazes de denunciar malfeitos que, do contrário, nunca seriam averiguados.

No Brasil nós tivemos um grande avanço com a aprovação, há 13 anos, da Lei de Acesso à Informação (LAI). A partir dela, órgãos públicos foram obrigados a publicar uma série de dados e a responder a pedidos de informações apresentados por cidadãos. É graças à LAI que jornais de todo o país estampam diariamente manchetes sobre pagamentos milionários a juízes, entidades como a Fiquem Sabendo abriram ao público os gastos dos cartões de crédito corporativos da Presidência da República e organizações como Transparência Brasil, Contas Abertas e Transparência Internacional denunciaram ao STF graves irregularidades no uso de emendas parlamentares.

Duas iniciativas legislativas, porém, podem acabar esvaziando todo o poder que a LAI propicia para lançar luz sobre a atuação do governo. E ambas estão na mesa do presidente Lula.

A primeira é o PL nº 4015/2023, destinado a aumentar a proteção de autoridades judiciais contra tentativas de homicídio por criminosos. Nele foi colocado um jabuti que determina que “no tratamento de dados pessoais de membros do Poder Judiciário ou do Ministério Público e de oficiais de Justiça, sempre será levado em consideração o risco inerente ao desempenho de suas atribuições”. Além disso, qualquer acesso não autorizado a dados estará sujeito a multa.

Em termos práticos, esses dispositivos, caso não sejam vetados por Lula, serão usados por tribunais e órgãos do Ministério Público de todo o país para não divulgar mais os contracheques de seus membros, sob a alegação de proteção a magistrados, promotores e procuradores.

Como se não bastasse, Lula encasquetou com a ideia de que precisa alterar a LAI para disciplinar melhor o dispositivo que autoriza a imposição de sigilo de até cem anos para resguardar informações pessoais de agentes públicos. Trata-se de uma promessa de campanha que parece meritória, mas representa alto risco de destruir esse instrumento de transparência sancionado por Dilma Rousseff em 2011.

A intenção é boa, mas o governo pode muito bem regular o sigilo de informações pessoais por decreto, e não mediante um projeto de lei. Submeter novamente a LAI à apreciação do Congresso abrirá uma caixa de Pandora que será explorada de modo muito conveniente por políticos interessados em esconder da sociedade a forma como tomam suas decisões e usam o dinheiro público.

Se Lula não quiser entrar para a história como o presidente que promoveu o maior retrocesso contra a transparência no país, precisa vetar os trechos do PL nº 4015/2023 que abrem a brecha para o Judiciário e o MP esconderem seus supersalários e não dar de bandeja a LAI para que deputados e senadores a deturpem em proveito próprio.

Antes de terminar, um disclaimer: apesar de membro do conselho consultivo da Fiquem Sabendo, organização sem fins lucrativos especializada no acesso a informações públicas, esta coluna reflete exclusivamente minhas opiniões pessoais, decorrentes da minha experiência como usuário frequente da LAI.

 

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