Correio Braziliense
Os diplomatas concorreram para que houvesse o
encontro "ocasional" de Lula e Trump nos bastidores da Assembleia
Geral da ONU. Há muitos interesses comerciais em jogo
A possibilidade de encontro entre Donald Trump e Lula em algum momento nos próximos dias demonstra uma singular característica da política externa dos Estados Unidos. O presidente e sua equipe de assessores definem solitariamente a política externa. No caso, ocorreram encontros secretos das assessorias brasileira e norte-americana. Tudo correu ao largo da diplomacia formal. Lá, existe um serviço de relações exteriores composto por pessoal rigorosamente selecionado dentro de universidades e treinados em cursos específicos no Departamento de Estado. Mas nem sempre é chamado a oferecer sua contribuição.
Existem 265 postos no exterior servidos por
norte-americanos concursados, mas os principais são preenchidos por pessoas
nomeadas como consequência do tamanho de suas doações à campanha eleitoral vitoriosa.
Tudo começa pelo mínimo de doação de 200 mil dólares que permite um posto na
América Central ou em algum ponto distante na Ásia. Postos na Europa ou no
Japão exigem doações na casa de milhões de dólares.
Em quase seis meses de mandato, o presidente
Donald Trump indicou 61 embaixadores para chefiar missões diplomáticas no
exterior. Ele designou nomes de sua escolha até mesmo para países da América
Latina que possuem governos ideologicamente desalinhados com a Casa Branca,
como o México, a Colômbia e o Chile.
A Embaixada Americana no Brasil está sem
titular desde janeiro. Dias antes da posse de Trump, Elizabeth Bagley deixou
Brasília e retornou para os Estados Unidos. Bagley foi nomeada pelo
ex-presidente Joe Biden. Ela é uma tradicional doadora de recursos para
campanhas do Partido Democrata. No Brasil, já houve uma embaixadora ligada à
empresa Boeing, que trabalhava abertamente pela sua patrocinadora.
Desde sua saída, a embaixada é chefiada pelo
encarregado de negócios, Gabriel Escobar. Ele tem experiência nas
representações diplomáticas dos Estados Unidos em países como Paraguai, Bolívia
e Sérvia. A situação do Brasil difere completamente da vizinha Argentina, para
onde o presidente americano anunciou Peter Lamelas antes mesmo de sua posse.
Lamelas, médico de formação, é um empresário de origem cubana — fundador de uma
rede de atendimento de urgências médicas na Flórida com acesso frequente a
Mar-a-Lago, o resort privado de Trump.
Para a Colômbia, Trump indicou o advogado Dan
Newlin, apoiador do Partido Republicano e ex-xerife no condado de Orange
(Flórida). Para a China, o presidente americano escolheu David Perdue,
ex-senador republicano pela Geórgia — estado que deu vitória a Biden em 2020 e
recuperado por Trump em 2024.
Quando o indicado por Obama para chefiar a
Embaixada da Noruega foi sabatinado pelo Senado em 2013, seu despreparo e seu
desconhecimento sobre o país ficaram tão evidentes que ele se viu obrigado a
retirar sua nomeação. Apesar de jamais ter pisado em Oslo, o indicado havia
contribuído com US$ 1,3 milhão para a campanha de reeleição do democrata em
2012.
Quando o indicado por Bush-pai para chefiar a
Embaixada das Bahamas em 1989 foi perguntado sobre suas qualificações pelo
Comitê de Relações Exteriores do Senado, ele citou sua experiência com cassinos
em Nevada. Acrescentou ainda que via com bons olhos a possibilidade de se
instalar no país caribenho, pois lá teriam muitos campos de golfe, esporte que
ele apreciava.
A embaixada em Londres, uma das mais
importantes para os Estados Unidos, é normalmente ocupada por indicações
políticas. O atual ocupante do posto, indicado por Trump, é o dono do time de
futebol americano New York Jets, que contribuiu com US$ 1 milhão para sua
campanha. O caso da República Dominicana e do Haiti, países que dividem a mesma
ilha, também é revelador. No pobre e violento Haiti, a embaixada é ocupada por
um diplomata de carreira. Na sua vizinha mais rica, a embaixada é ocupada por
uma indicação política.
A política externa dos Estados Unidos varia
de acordo com as decisões do presidente. Ele e seu assessor de segurança
nacional, com mais alguns auxiliares, desenham as diretrizes. Por essa razão, a
política externa de Washington é errática. A surpreendente revelação de Trump
de que houve boa química entre ele e Lula decorre de realidade. Trump disse que
só negocia com quem gosta. Ocorreram negociações sigilosas entre os dois lados.
Os diplomatas concorreram para que houvesse o encontro "ocasional"
nos bastidores da Assembleia Geral da ONU. Diplomatas experientes poderiam evitar
que eles se cruzassem. Mas, ao contrário, o objetivo era permitir o encontro, o
abraço e o surgimento da boa química entre os dois presidentes. Tudo
premeditado. Há muitos interesses comerciais em jogo. Não vale a pena perder
tudo por causa menor. Os negócios prevalecem. O deus é o dólar.
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