sábado, 27 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editorial / Opiniões

Congresso não pode se eximir do combate ao crime organizado

Por O Globo

A cada dia fica mais urgente agenda legislativa que dê musculatura ao Estado na luta contra facções criminosas

A cada dia fica mais claro que o papel do Congresso é fundamental no combate ao crime organizado. Deputados e senadores devem imprimir agilidade à tramitação da agenda de segurança pública necessária para aumentar a força institucional do Estado nesse enfrentamento. À medida que o poder público começa a obter êxitos pontuais, fica mais urgente que a legislação seja atualizada para dar respaldo legal ao avanço de operações integradas por organismos federais, estaduais e municipais.

É impossível enfrentar as organizações criminosas com eficácia sem planejamento baseado em informações fidedignas, obtidas em investigações que usam inteligência e tecnologia. O poder público precisa estar preparado para reprimir grupos especializados em lavar dinheiro usando empresas que participam da economia formal. O nível assustador de infiltração do crime na sociedade ficou claro nas mais recentes operações da Polícia Federal (PF), do Ministério Público de São Paulo e da Receita Federal contra o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa do país.

No final do mês passado, a força-tarefa desbaratou um esquema gigantesco de lavagem que operava no mercado de combustíveis. As investigações revelaram que o PCC está presente em todo o ciclo do etanol: da produção em usinas de açúcar e álcool à venda de combustível adulterado em centenas de postos de abastecimento. Além disso, tinha ramificações no centro financeiro do país, a paulistana Avenida Faria Lima.

Nesta semana, um desdobramento da operação desmascarou esquema de lavagem semelhante, desta vez com uso de empreendimentos imobiliários, motéis e até franquias de uma rede de perfumaria e cosméticos. Foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão em Santo André, Barueri e Osasco, na Grande São Paulo; Bertioga, no litoral; além de Campos do Jordão, na Serra da Mantiqueira. Ao todo, as operações bloquearam R$ 7,6 bilhões em bens de 55 investigados.

A principal fonte de receitas de facções criminosas como PCC e Comando Vermelho (CV) já não é mais o tráfico de drogas. Ambas comandam um emaranhado de negócios escusos, imbricados na economia formal, gerando enorme volume de recursos de fachada legal. Empresários de boa-fé precisam aperfeiçoar seus controles internos para não ajudar as lavanderias de dinheiro sujo camufladas de negócios lícitos. Empresas donas de franquias, em especial, devem redobrar a atenção na escolha dos franqueados para não manchar a imagem de suas marcas. Nada substitui, porém, o dever do Estado nesse enfrentamento.

Por isso o papel do Congresso é tão importante. Não há razão para adiar ainda mais a tramitação no Legislativo da PEC da Segurança, que promove a integração de União e estados no combate ao crime, assim como do Projeto de Lei contra devedores contumazes — a criação de dívidas impagáveis é hoje um dos principais artifícios nas operações ilícitas de lavagem. Por fim, é preciso acelerar o envio ao Congresso da legislação antimáfia que permitirá coesão e maior eficácia no enfrentamento às facções criminosas.

O crime organizado já foi longe demais. Há algum tempo deixou de ser apenas caso de polícia. Os Poderes da República estão sob ameaças de toda ordem, quando já não foram infiltrados. O Congresso não pode se eximir de sua responsabilidade.

‘Gratificação faroeste’ restabelecida pela Alerj não pode prosperar

Por O Globo

Bônus a policial que mata suspeitos está associado a piora na violência, além de ser moralmente inaceitável

Na última terça-feira, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou, por 45 votos a 17, a volta de um bônus para policiais sintomaticamente apelidado “gratificação faroeste”. O texto aprovado estipula que um agente da Polícia Civil receba de 10% a 150% além do salário em caso de “neutralização de criminosos” — eufemismo para matar. Deputados já cogitam estender o mesmo benefício a policiais militares. Trata-se de um incentivo absurdo à letalidade policial, que não pode prosperar sob nenhuma circunstância.

Tal incentivo já foi tentado no passado e se revelou um equívoco. O aumento das mortes por policiais tirou a vida de muitos inocentes descritos falsamente como delinquentes. Também encorajou a execução sumária de criminosos, sem direito a processo nem defesa. Para piorar, não funcionou como estratégia de conter o crime. Os estados com forças policiais mais letais são os mais inseguros. A taxa de assassinatos no Brasil, medida por 100 mil habitantes, está em 20,8, de acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Amapá (45) e Bahia (40,6) apresentam mais que o dobro da média nacional. São, não por coincidência, os dois estados com as maiores taxas de mortes decorrentes de intervenção policial.

Ainda que fosse eficaz para conter o crime, a “gratificação faroeste” seria moralmente inaceitável. Num Estado de Direito, o Estado detém o monopólio do uso legítimo da força. Policiais arriscam a vida para preservar a segurança pública e precisam de instrumentos como armas de fogo para garantir a própria vida e a dos cidadãos. Mas seu uso precisa ser defensivo e seguir regras. Na terra sem lei, a polícia se torna também bandida. A máxima popular segundo a qual “bandido bom é bandido morto” viola princípios básicos de civilização.

Por fim, a “gratificação faroeste” foi restaurada pela Alerj num momento em que o Rio vem registrando queda nas mortes violentas. Nesse contexto, a letalidade policial no estado caiu de 8,3 por 100 mil habitantes em 2022 para 4,1 dois anos depois. A redução, porém, não tirou o Rio dos primeiros lugares no ranking nacional. São Paulo exibe índices inferiores à metade. Nenhuma polícia do Sudeste ou do Sul chega perto da fluminense em letalidade. Para enfrentar os desafios de segurança pública, Executivo e Legislativo estadual deveriam fortalecer políticas que já provaram ser eficientes, com uso de tecnologia e análises estatísticas para alocar a força policial, maior profissionalização, treinamento e equipamentos como câmeras corporais.

Na quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) notificou o governador Cláudio Castro (PL) afirmando que a “gratificação faroeste” é inconstitucional. No ofício, argumenta que ela não poderia ter sido estabelecida por iniciativa do Legislativo, descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF das Favelas e viola o direito fundamental à segurança pública. Antes de uma decisão da Justiça que na certa a derrubará, Castro deveria vetá-la.

TCU expõe faz de conta das metas orçamentárias

Por Folha de S. Paulo

Tribunal alerta que Executivo deve buscar centro do objetivo, não mínimo permitido como faz governo Lula

Enquanto a meta é de déficit zero, a gestão petista projeta rombo de R$ 30,2 bilhões neste ano; equilibrar a conta exige controle de despesas

O Tribunal de Contas da União acendeu um sinal amarelo —que pode virar vermelho— para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em decisão unânime de seu plenário, o TCU alertou que o Executivo federal deve mirar o centro da meta orçamentária, de déficit zero neste 2025, não o limite inferior de tolerância da norma fiscal, que permite um saldo negativo de até R$ 31 bilhões, sob pena de violar o artigo constitucional que exige a sustentabilidade da dívida pública.

Esse entendimento não tem efeito imediato, mas pode forçar novos congelamentos orçamentários e expõe uma controvérsia jurídica. De um lado, o governo argumenta que o regramento legal obriga a execução de despesas aprovadas pelo Congresso Nacional, mas exigindo contingenciamentos para atingir o piso da banda.

Do outro, o TCU rebate com a emenda constitucional 109, de 2021, e a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, que priorizam a estabilidade da dívida, interpretando a meta como um compromisso central, não uma margem flexível para manobras.

Quaisquer que sejam as interpretações, e a administração petista indica que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF), é impossível mascarar o problema essencial: a fragilidade fiscal que ameaça a economia do país.

Atualmente, de acordo com as projeções orçamentárias, o governo espera rombo de R$ 30,2 bilhões neste ano —e isso sem contabilizar grande parte do pagamento de precatórios. Para equilibrar a conta seriam necessários cortes de despesas, preferencialmente, e mais receita.

O problema é grave porque nem o centro da meta garante a estabilidade da dívida pública, como manda a lei. Estimativas do Tesouro Nacional indicam que o passivo chegará a 80,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e 81,3% no próximo ano.

Economistas apontam o risco de que a cifra atinja 90% em poucos anos sem ações para conter gastos obrigatórios, tornando o Brasil vulnerável a choques externos e juros elevados.

A raiz do mal está na política perdulária da administração petista. O Palácio do Planalto rechaça ou despreza reformas estruturais, como a previdenciária e a administrativa, entre outras providências para cortar excessos, melhorar a focalização de programas sociais e elevar eficiência.

A banda em torno da meta existe para absorver eventos imprevistos, não para justificar ineficiência cotidiana ou acomodar gastança populista. Na prática, tenta-se excluir dos limites não apenas imprevistos, como a cheia de 2024 no Rio Grande do Sul e o pacote de ajuda a empresas atingidas pelo tarifaço americano, mas também novos programas.

O custo imediato para o país são os juros altos, que elevam o serviço da dívida a R$ 1 trilhão anual. Aceitar esse círculo vicioso é hipotecar o futuro pela conveniência do presente —que é ilusória ante o arrocho que onera famílias e contribuintes.

Expansão da educação a distância é ponta do iceberg

Por Folha de S. Paulo

EAD supera presencial em número de matriculados; há muito a ser feito para melhorar o ensino superior

Em 2014, foram 1,3 milhões de matriculas em EAD, ante 6,5 milhões no presencial. No ano passado, 5,2 milhões e 5 milhões, respectivamente

Segundo o Censo do Ensino Superior 2024, divulgado pelo Ministério da Educação na segunda (22), no ano passado o número de matriculados na graduação por educação a distância (EAD) pela primeira vez superou o do modelo presencial, com 5,2 milhões —50,75% do total de 10,2 milhões de universitários.

Para uma noção da inversão do cenário, dez anos antes 1,3 milhão de matrículas foram registradas em EAD no país, ante 6,5 milhões no ensino presencial.

Também chama a atenção que mais de 95% dos matriculados em cursos a distância estudem em faculdades particulares.

A educação a distância é uma ferramenta válida para expandir o acesso a universidades utilizada em diversos países desenvolvidos. Mesmo assim, critérios precisam ser estabelecidos.

Mesmo descontando problemas metodológicos do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), ele aponta que graduandos de faculdades particulares e da EAD tendem a tirar notas baixas. O Ranking Universitário da Folha também aponta precariedade em boa parte das instituições privadas.

A regulamentação da EAD instituída pelo MEC em maio foi sensata. Entre várias medidas, proibiu-se a modalidade em direito, medicina, odontologia, enfermagem e psicologia e criou-se o modelo semipresencial.

A regulação e a própria saturação do mercado tendem a conter o avanço da EAD —a entrada de novos alunos já vem caindo nos últimos anos. Mesmo assim, ainda há muito a ser feito para melhorar o ensino superior e transformar diplomas em bons empregos e ascensão social.

A baixa oferta de educação técnica e profissionalizante no ensino médio promove inchaço de matrículas em faculdades e cursos de qualidade duvidosa. Nesse quesito, o Brasil está muito atrás do mundo desenvolvido e de vizinhos como Chile e Colômbia.

Já passa da hora, também, de abandonar ranços ideológicos e rever o modelo de financiamento das universidades públicas, que se mostra insustentável, com parcerias e aportes dos beneficiários de renda mais elevada.

Por fim, uma economia com crescimento pífio na última década tem dificuldades em absorver mão de obra qualificada. Impressiona que 256 mil pessoas entre 18 e 65 anos que receberam auxílio do Bolsa Família em 2022 concluíram uma faculdade.

Sem um esforço integrado dos governos em várias frentes, o número de diplomados continuará aumentando, mas sem que isso gere produção de conhecimento, inovação tecnológica e renda.

Vitória da discrição diplomática

Por O Estado de S. Paulo

‘Química’ entre Lula e Trump foi fruto do trabalho profissional de diplomatas e empresários do Brasil e dos EUA que quebraram o monopólio informacional do bolsonarismo em Washington

A recente aproximação entre os presidentes Lula da Silva e Donald Trump durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, nada teve de fortuita. Como mostrou o Estadão, a “química” entre os chefes de Estado e de governo do Brasil e dos EUA foi fruto do trabalho discreto e profissional levado a cabo por diplomatas, autoridades políticas e empresários de ambos os países que compreendem o valor da paciência, da técnica e da boa-fé para as relações bicentenárias entre duas nações amigas com múltiplos interesses em comum.

O encontro entre Lula e Trump, ainda que breve e informal, foi construído sob absoluto sigilo a fim de evitar sabotagens, em especial aquelas orquestradas pelo blogueiro Paulo Figueiredo e seu títere, o ainda deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), ambos homiziados nos EUA. Nesse sentido, foi decisiva a participação do vice-presidente Geraldo Alckmin e do chanceler Mauro Vieira, pelo lado brasileiro, e dos enviados especiais Jamieson Greer e Richard Grenell, pelo lado norte-americano. A escolha da discrição como método provou-se um sucesso. Ao blindar as negociações contra a ação sub-reptícia daqueles dois traidores interessados no fracasso da aproximação de alto nível, a diplomacia permitiu que as conversas evoluíssem com objetividade e pragmatismo, livres, portanto, da poluição ideológica.

Isso traz à luz dois aspectos relevantes. O primeiro é a reafirmação do papel da diplomacia oficial e da interlocução empresarial como instrumentos fundamentais de política externa. No momento mais tenso nas relações bilaterais entre Brasil e EUA, foram os adultos na sala que viabilizaram a abertura de um canal direto entre os dois governos. Empresários fortemente impactados pelas tarifas impostas por Washington às exportações brasileiras desempenharam papel determinante nesse processo. Longe de ser mero lobby, a articulação representa a legítima defesa de interesses econômicos. Companhias brasileiras com forte presença nos EUA sofrem diretamente com as barreiras comerciais erguidas pela Casa Branca. A seus controladores, mas não só, interessa levar a Trump uma visão da realidade brasileira que se contrapõe às mentiras da dupla Figueiredo-Bolsonaro, que até então vinha monopolizando o fluxo de informações.

Eis, então, a segunda dimensão desse episódio, de natureza política: a quebra do monopólio informacional que o bolsonarismo exercia sobre o governo Trump. Até recentemente, a imagem do Brasil que chegava à Casa Branca era em grande parte mediada por vozes desonestas interessadas em difundir a versão conspiratória de que o Supremo Tribunal Federal, em conluio com o governo Lula da Silva, perseguia Jair Bolsonaro e seus comparsas golpistas. Esse retrato falacioso criou um ambiente de desconfiança e hostilidade mútuas.

A bem da verdade, mesmo antes de Trump assumir o cargo, Lula já havia declarado apoio à sua então adversária na eleição de 2024, Kamala Harris, o que atrapalhou, por óbvio, a construção de uma relação amistosa entre ambos. Mas, com a abertura de um canal diplomático regular, o fato é que o petista mostrou-se disposto a estreitar os laços com sua contraparte e a Casa Branca passou a ter acesso a informações mais fidedignas e plurais sobre a conjuntura brasileira, reduzindo o espaço de influência das víboras bolsonaristas.

É cedo, naturalmente, para prever quais resultados concretos advirão do encontro entre Lula e Trump – supondo que, de fato, haverá essa reunião. Contudo, é inegável que a retomada de um diálogo institucional representa uma vitória para ambos os países. O simples fato de os presidentes estarem dispostos a ouvir-se reciprocamente, colocando sobre a mesa as prioridades de cada lado, já constitui um avanço expressivo em comparação ao clima beligerante que vinha prevalecendo até agora.

Seja qual for o desfecho, o saldo imediato desse movimento já é positivo: a diplomacia e o empresariado conseguiram romper o isolamento criado pelo discurso sectário e interesseiro do bolsonarismo e recolocaram Brasil e EUA em rota de aproximação e interlocução madura.

Alguém tem vergonha na cara

Por O Estado de S. Paulo

Um promotor de Justiça aposentado recusou penduricalho de R$ 1,3 milhão e ainda foi ao STF para pedir que os atos que criam o benefício sejam declarados nulos, porque são ilegais e imorais

Se Diógenes estivesse por aqui com sua lanterna, em sua busca vã por um homem com vergonha na cara, talvez o tivesse finalmente encontrado. Neste país em que levar vantagem ganhou até uma lei, a de Gérson, eis que alguém resolveu recusar um indecente privilégio a que tinha direito, porque, ora vejam, atenta escandalosamente contra princípios elementares da boa moral. Como não é todo dia que isso acontece, como bem sabe o velho Diógenes, o caso tornou-se digno desta nota.

Como noticiou o Estadão, o promotor de Justiça aposentado Jairo de Luca, inconformado com a decisão do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) de engordar seu contracheque em R$ 1,3 milhão em razão de um penduricalho chamado de “compensação por assunção de acervo”, não só recusou o benefício, como ainda ajuizou uma ação popular no Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com essa farra.

A tal “compensação por assunção de acervo” significa um dia de folga a cada três dias trabalhados sob a alegação de um suposto excesso de serviço, limitando o período de descanso a dez dias por mês, que pode ser convertido em dinheiro. Pela via administrativa, dá-se um aumento de até um terço do salário, estourando, não raro, o maltratado teto constitucional de R$ 46,3 mil. No caso do MP-SP, o pagamento retroativo foi autorizado em fevereiro deste ano.

De Luca soube que receberia essa verba, mas não tinha nem ideia do valor que lhe era devido. Ele então questionou o MP-SP, descobriu que a bolada retroativa era referente ao período de 2015 a 2023 e optou por declinar.

Na ação popular sob relatoria do ministro Edson Fachin, o promotor aposentado ataca uma resolução e uma recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que, editadas pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras, abriram brechas para os pagamentos milionários. Ele pede que o STF as declare nulas. Primeiramente porque esses pagamentos se dão ao arrepio da lei – ou seja, trata-se de uma flagrante ilegalidade, haja vista que não foram criados pela via legislativa. Não caberia a um órgão administrativo instituir benefícios.

De Luca mostrou que o CNMP afirmou ter se baseado nas Leis 13.093 e 13.095 para criar o penduricalho ao mesmo tempo em que as afrontou. Essas legislações foram aprovadas em 2015, o ano ao qual o MP-SP retrocedeu a benesse, para beneficiar juízes federais e do Trabalho com uma gratificação de natureza remuneratória. Portanto, sujeita ao abate-teto e ao Imposto de Renda. Mas os normativos do CNMP criaram indenizações que furam o teto e não pagam tributos.

Para piorar, esse penduricalho pode ser pago até mesmo para o promotor que acumula (ou atrasa) serviço em seu próprio gabinete, e não apenas no caso de ter recebido temporariamente o acervo de um colega ou ter executado uma outra função. Como esses penduricalhos se espalham em efeito cascata em razão de uma tal simetria entre as carreiras do MP e da magistratura, De Luca escreveu, com razão, que “não se consegue vislumbrar embasamento legal” para que promotores, procuradores e juízes recebam a mais para realizarem “tarefas intrínsecas aos próprios e respectivos cargos”.

A recente profusão de verbas indenizatórias a essa elite do funcionalismo público causa espanto. Há casos de contracheques que chegam a R$ 700 mil por mês na folha de pagamentos desses órgãos.

Especializada em pesquisas sobre o sistema de Justiça, a plataforma Justa mostrou, em estudo recente, que houve um crescimento de 48% em média nos contracheques do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) neste ano em relação a 2023. Com 87% dos magistrados com salários acima do teto, a Corte já consumiu 84% dos R$ 11,9 bilhões previstos para despesas com pessoal em apenas oito meses. Não surpreenderá ninguém se o Judiciário ou o MP-SP passarem o pires pedindo mais dinheiro ao Executivo.

Diante desse cenário, oxalá o STF tome uma decisão moralizadora. Se nada mudar, talvez esteja na hora de mudar o orçamento do Judiciário e do MP, a começar por lhes cortar verbas, pois, com tanto pagamento sem merecimento e acima do teto, é evidente que tem sobrado dinheiro. Quem sabe assim todos tomem vergonha na cara.

Um ultrajante prêmio à barbárie

Por O Estado de S. Paulo

Assembleia do Rio de Janeiro aprova infame gratificação a policiais por morte de suspeitos

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou, por 47 votos a favor e 15 contra, um projeto de lei que restabelece uma bonificação a policiais civis que “neutralizarem” supostos criminosos em alegados confrontos, isto é, que matarem suspeitos durante ações policiais. A própria denominação com a qual o bônus ficou conhecido quando esteve em vigor, nos anos 1990, “gratificação faroeste”, traduz o sentido de terra sem lei que passa a ser tolerado, e até incentivado, no combate à criminalidade no Estado – o que torna mais abominável a decisão dos deputados fluminenses.

Por uma emenda incluída no tal projeto, que se presta à reestruturação da Secretaria de Polícia Civil, cada policial pode receber adicionais que variam de 10% a 150% do salário, a depender da quantidade de suspeitos mortos em supostos confrontos. Trata-se da institucionalização da barbárie, proposta pelos deputados Alan Lopes (PL), Marcelo Dino (União) e Alexandre Knoploch (PL), e aprovada por ampla maioria dos parlamentares.

O prêmio, que também vale para apreensão de armamentos, vigorou no Estado por apenas três anos, de 1995 a 1998, e foi extinto justamente pelo acentuado aumento de execuções durante aquele período. Nos chamados “autos de resistência”, como eram registradas as mortes em confronto, tiros na nuca e no ouvido eram frequentes. Não é necessário perícia técnica para atestar que isso não ocorre quando se está num confronto.

Pesquisa feita na época por técnicos da própria Alerj e pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) confirmou que a taxa de letalidade nas operações policiais dobrou no período de vigência da gratificação. Mas, ainda que não houvesse a amostra nefasta de uma prática adotada em passado não tão distante, é inconcebível que a solução encontrada pelos deputados para reprimir o crime seja estabelecer recompensa pela cabeça dos supostos bandidos.

Além de, na prática, significar uma licença para matar, trata-se da volta ao tempo da condescendência com atrocidades cometidas por esquadrões da morte formados por policiais civis e militares que promoviam execuções sumárias, sequestros, torturas e extorsões nas décadas de 1960 e 1970 no Rio e em São Paulo. Os grupos de milicianos que se espalham pelo Rio de Janeiro, disputando território e poder com o narcotráfico, guardam muita semelhança com esses esquadrões.

A proposta original de reestruturação da Polícia Civil foi enviada à Alerj pelo governo do Estado e não previa a bonificação, inserida como emenda durante a avaliação na Comissão de Constituição e Justiça. Em entrevista ao jornal O Globo, Marcelo Dino, um dos autores da emenda, disse que o próximo passo é estender os bônus aos policiais militares, dizendo que os bandidos “precisam ser abatidos”.

Caberá ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), sancionar ou vetar a medida. Como se trata de um político alinhado ao bolsonarismo, um movimento que louva a barbárie, esperar que ele impeça esse absurdo é provavelmente debalde. De todo modo, é nosso dever rogar que o sr. Castro vete.

Isenção do IR é pauta de interesse social

Por Correio Braziliense

A Câmara dos Deputados tem diante de si uma oportunidade de reconquistar credibilidade: aprovar a mudança no Imposto de Renda (IR) que isenta trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais

Pressionado pela opinião pública, o Congresso foi obrigado a recuar diante da PEC da Blindagem e a esfriar o PL da Dosimetria. O recado das ruas foi claro: não há mais espaço para manobras legislativas destinadas a blindar políticos e a anistiar golpistas. Agora, a Câmara dos Deputados tem diante de si uma oportunidade de reconquistar credibilidade: aprovar a mudança no Imposto de Renda (IR) que isenta trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais. É uma medida concreta, de impacto imediato, que dialoga com as necessidades reais da sociedade.

Não basta aprovar a lei — é preciso garantir que os brasileiros entendam que não pagarão mais imposto sobre salários de até R$ 5 mil. Cerca de 10 milhões de pessoas serão beneficiadas, para aliviar orçamentos familiares e reforçar o poder de compra da classe média e dos trabalhadores assalariados. Entretanto, o levantamento Pulso Brasil, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), mostra que apenas 1% dos entrevistados sabe do que se trata. É a tal história: está-se diante de um assunto que precisa ser comunicado ao público, como aquela galinha que cacareja ao pôr o ovo.

O tema é de interesse social, deveria ser amplamente debatido pela sociedade. Porém, a Câmara dos Deputados ocultou da opinião pública para utilizar a proposta como moeda de troca com o governo, com objetivo de evitar que o Palácio do Planalto jogasse pesado contra a proposta de blindagem dos políticos contra investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) e de mudança de dosimetria das penas dos condenados por tentativa de golpe de Estado, caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão. 

O governo fala em "justiça tributária" — conceito correto, mas abstrato para muitos. Sua mensagem deveria ser mais clara. Só assim, será possível transformar a isenção do Imposto de Renda em bandeira popular, capaz de reverter a paralisia e recolocar a agenda de interesse da sociedade no centro do debate público.

Também é preciso ficar atento a duas manobras típicas da armação de "pauta bomba": uma é não aprovar a elevação proporcional do imposto pago por quem ganha acima de R$ 10 mil reais; outra é ampliar a faixa de isenção até esse valor. Seria mais ou menos como dar um pouco com uma das mãos e retirar muito com a outra. Uma decisão como essa seria desastrosa para o deficit público, provocando mais inflação, o que anularia os benefícios da isenção.

O arquivamento da PEC da Blindagem foi uma vitória da cidadania e da democracia. Mas é apenas o começo. O Congresso deve provar que sabe legislar em favor do povo. Se falhar novamente, reafirmará sua imagem de reduto corporativo, alheio ao interesse público. Se acertar, pode dar um passo no caminho da reconciliação com a sociedade. O momento exige clareza de propósito e coragem política: aprovar o IR zero para quem ganha até R$ 5 mil é mais que uma promessa — é um imperativo.

Uma tragédia que se repete

Por O Povo (CE)

Nada alivia a dor de uma mãe e de um pai que perdem um filho, de maneira tão estúpida, em um ambiente que deveria protegê-lo

O que se pode dizer quando dois adolescentes são brutalmente assassinados a tiros e outros três são feridos dentro de uma instituição de ensino? Foi o que aconteceu na quinta-feira em uma escola pública, em Sobral (233 km de Fortaleza). Era hora do intervalo, cerca de 600 alunos estavam no pátio. Vizinhos ouviram uma "rajada de tiros", disparados por dois homens, que fugiram em uma moto. Os jovens mortos tinham 16 e 17 anos.

Camilo Santana, ministro da Educação, anotou em uma rede social, dizendo ter recebido "com tristeza e indignação" a notícia, e fez uma convocação genérica dizendo ser hora de "unir forças", apelando para um trabalho conjunto para preservar a escola como "espaço sagrado, lugar de paz e de acolhimento".

Elmano de Freitas, governador do Ceará, também escreveu, afirmando ter recebido a notícia com "indignação e profundo pesar", classificando o crime como "fato gravíssimo e intolerável".

Infelizmente, essas palavras, ou parecidas, são repetidas a cada vez que a barbárie mostra a sua face de horror. E o pior, serão ditas novamente se nada de concreto for feito para se chegar às causas dessa brutalidade, de modo a extingui-la.

Não se trata de culpar um ou outro governante, a eles também devem faltar palavras diante do horror, ao mesmo tempo em que erram sobre a forma de como enfrentar o problema.

O fato é que a violência espalha-se por todo o país, independentemente do partido ou ideologia do governante de plantão, atingindo a todos, indistintamente. Portanto, politizar o acontecimento ou descontextualizar o ataque é um meio macabro de obter dividendos políticos.

De qualquer forma, é inafastável a responsabilidade de cada governador pelo que acontece em seu estado, neste caso, principalmente porque já havia alerta de que um estudante estava ameaçado por facções, ainda que não tenha sido nenhum dos atingidos no atentado.

Assiste-se, no Ceará, a uma política de segurança pública que já se revelou equivocada onde quer que tenha sido aplicada. Apela-se para o aumento do número de policiais, estimula-se o confronto, anuncia-se a captura de "chefes" de facções, comemora-se o número de prisões, porém a situação agrava-se cada vez mais.

O fato é que encontrar um meio para "unir forças" e fazer o trabalho conjunto, como propõe o Camilo Santana, não parece tão simples ou já teria sido feito. Apesar de a violência, de um modo ou de outro, atingir a todos, infelizmente ainda não se chegou a um consenso mínimo de como combatê-la de modo eficaz.

Enquanto isso, resta a tentativa de amenizar os efeitos da tragédia: acolher as famílias, prender os responsáveis pelo crime e levá-los a julgamento. Nada disso corrige o mal causado, nem alivia a dor de uma mãe e de pai que perdem um filho, de maneira tão estúpida, em um ambiente que deveria protegê-lo.

 

 

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