O reconhecimento do Estado palestino por
aliados europeus de Israel é um passo importante, mas, por ora, simbólico
O massacre em Gaza gerou uma reação inesperada, até mesmo para os palestinos: uma onda de reconhecimentos por parte de governos estrangeiros da soberania da Palestina e seu status como um país independente. Durante a Assembleia-Geral da ONU, o gesto foi anunciado por diversos Estados europeus e, agora, 147 dos 193 integrantes das Nações Unidas reconhecem a Palestina. Mas, em um movimento histórico, foram as grandes potências ocidentais que tomaram a iniciativa de anunciar o reconhecimento, rompendo uma unidade no G7. Para diplomatas, a decisão do Reino Unido e da França, velhos aliados de Israel, deixou tanto Benjamin Netanyahu quanto Donald Trump numa situação incômoda e de crescente isolamento.
A mobilização pelo reconhecimento
da Palestina começou cerca de seis meses depois dos ataques do Hamas,
de outubro de 2023, que levaram Israel a iniciar uma operação de grandes
dimensões em Gaza. A ideia era a de que um reconhecimento serviria de escudo
jurídico contra as ambições de Netanyahu. A oposição foi intensa. Israel fez
campanha nas diferentes capitais e insistia que reconhecer a Palestina seria
“premiar o terrorismo”, como Trump repetiu em seu discurso na ONU. Recentemente,
diante da disposição dos aliados de seguir em frente, Netanyahu foi categórico:
“Não haverá um Estado palestino”.
Mas de nada serve o reconhecimento sem passos
concretos. De fato, enquanto a Assembleia-Geral da ONU ocorria, 50 palestinos
foram mortos por ataques israelenses. O que mudou para essas vítimas? No fundo,
nada. Para lideranças palestinas, o gesto político, ainda que fundamental, deve
ser visto apenas como um primeiro passo. “É no dia seguinte que a história
começa”, afirmou um embaixador no Oriente Médio.
Construir um Estado soberano palestino será,
de fato, um enorme desafio. Por anos, Israel tentou inviabilizar sua existência
e, desde 2023, agiu para asfixiar economicamente qualquer chance de uma ideia
de soberania. No início de 2024, entre 80% e 96% da estrutura agrícola de Gaza,
incluindo sistemas de irrigação, fazendas de gado, pomares, máquinas e
instalações de armazenamento, haviam sido dizimados, prejudicando a capacidade
de produção de alimentos da região e agravando os elevados níveis de
insegurança alimentar.
A destruição do território atingiu duramente
o setor privado, com 82% das empresas danificadas ou destruídas. O Produto
Interno Bruto despencou 81% no último trimestre de 2023, levando a uma
contração de 22% em todo o ano. Em meados de 2024, a economia de Gaza havia
encolhido para menos de um sexto do seu nível de 2022.
Era só o começo. Um relatório recente da ONU
alertou que o desemprego subiu para mais de 80%, o comércio estagnou, a pobreza
é endêmica e a fome foi declarada. Tampouco há circulação de dinheiro. A
maioria dos bancos e caixas eletrônicos foi destruída e Israel bloqueou a
entrada de novas moedas. Com a grave escassez de dinheiro e de produtos, a
inflação disparou. Os preços do óleo de cozinha aumentaram 1.200% e os da
farinha, 5.000% até meados de 2025. A Cisjordânia também está sob
crescente pressão financeira. Israel desviou e reteve arbitrariamente receitas
tributárias que deveriam ter chegado à Autoridade Palestina, impedindo o
pagamento de salários e minando o funcionamento da administração pública.
Nos últimos dois anos, as restrições à
economia palestina se intensificaram, supostamente para combater o terrorismo,
resultando em reduções injustificadas de liquidez por parte de bancos globais,
fechamentos de contas e bloqueios de transferências humanitárias. Israel ainda
ameaça proibir suas instituições financeiras de processar transações com
homólogas palestinas. Se isso for implementado, os palestinos estarão excluídos
do sistema financeiro global.
Nos últimos meses, as autorizações de
trabalho foram suspensas para 100 mil palestinos, reduzindo a entrada de
dinheiro que antes representava um quarto de toda a renda nacional bruta. Isso
tudo diante de uma ofensiva para o confisco de terras e a exploração ilegal de
recursos naturais por colonos israelenses na Cisjordânia ocupada.
Para diplomatas palestinos, com mais de 65
mil mortos, o genocídio em Gaza passou a ser um marco na história do Oriente
Médio. O reconhecimento da soberania palestina é um ponto de partida. Agora,
falta tudo.
Publicado na edição n° 1381 de CartaCapital, em 01 de outubro de 2025.
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