terça-feira, 9 de setembro de 2025

O perigo da anistia. Pedro Doria

O Globo

Ele acha que é esperto politicamente e não tem ideia do perigo que desperta

O governador paulista, Tarcísio de Freitas, deu início, na semana passada, a um movimento golpista. Não é paranoia ou hipérbole. É simples leitura da História. Tarcísio anda falando muito disso, de História, em sua pregação pela anistia de Bolsonaro e dos generais. Como, ao recontar essa história, fala muita bobagem, é razoável acreditar que não conheça como se formou a República que ele deseja governar. Por isso é possível dar-lhe o benefício da dúvida. Ele acha que é esperto politicamente e não tem ideia do perigo que desperta. Mas é importante deixar uma coisa clara: ele está mexendo com forças da nossa cultura política muito perigosas, que exigem de todos os democratas, à direita, à esquerda e, principalmente, ao centro, máxima atenção.

O primeiro ponto: dar golpe de Estado não é trivial. Um golpe é, em essência, um truque. O golpista neutraliza as peças certas no Estado e o imobiliza. O que precisa é convencer atores o suficiente de que o regime passado deixou de existir e é quem manda agora. Durante seu governo, Jair Bolsonaro tentou. Neutralizou a Procuradoria-Geral da República. Mas não conseguiu controlar nem Congresso, nem STF. Bolsonaro precisou enfrentar também pressão americana do governo Joe Biden. O núcleo forte da advocacia resistiu, a partir do Largo de São Francisco. Empresários o suficiente fizeram frente, assim como toda a grande imprensa. Nesse cenário, ele não conseguiu mobilizar generais no Alto-Comando do Exército.

Tarcísio anda dizendo que o Brasil sempre anistiou. É verdade parcial. Anistiou militares golpistas, mas não os outros. Um dos exemplos absurdos que deu em um discurso mostra que não sabe do que fala. Disse que Getúlio anistiou quem promoveu a Intentona Comunista. Mentira: ficaram presos por dez anos. Olga Benário e Elisabeth Saborowski, judias, foram despachadas por Getúlio para a Alemanha nazista, na abjeta política de boa vizinhança varguista. Morreram nos campos. O marido de Saborowski, Arthur Ewert, foi tão torturado nos porões de Filinto Müller que perdeu a razão. Morreu, depois de expulso do Brasil em 1947, num sanatório da Alemanha Oriental.

O segundo ponto: de fato, o Brasil anistiou muito. E quase todos os militares anistiados voltaram a tentar golpes de Estado. Fizeram parte do golpe de 1889 Hermes da Fonseca (era capitão) e Augusto Tasso Fragoso (era tenente). Nada sofreram, o golpe deu certo. Hermes comandou a tentativa de golpe em 1922 que conhecemos como “18 do Forte”. Tasso liderou o golpe que apeou Washington Luís da Presidência em 1930. Na tentativa de 1922, eram tenentes Eduardo Gomes e Arthur da Costa e Silva. Foram anistiados. O brigadeiro Eduardo Gomes estava entre os vitoriosos de 1930 e conspirou contra Getúlio em 1954. Costa e Silva estava no meio de 1954, assim como na tentativa de golpe contra Jango, em 1961. Essa, Tancredo Neves neutralizou. Mas ele voltou a tentar um golpe em 1964, e este conseguiu. Tornou-se o segundo general-ditador.

Esses são apenas alguns dos muitos exemplos, e não são acidentais. Golpe é algo que se aprende a fazer. Não sabemos o que aconteceu no turbilhão entre 2019 e 2022. Mas quem estava envolvido no golpe sabe exatamente o que faltou. Que general não foi convencido e por quê. O que poderia ter sido dito para este ou aquele político. Onde se deveria ter posto dinheiro. Quem era incompetente, mas encarregado de tal missão.

Essa é a história da República brasileira. Toda ela. Golpes que deram certo são oito: 1889, 1891, 1930, 1937, 1945, 1955 (o contragolpe), 1964 e 1968. Golpes que deram errado e escaparam sem punição são mais que o dobro. Em todos os golpes que deram errado, havia militares que depois comandaram golpes que deram certo. Porque aprenderam. Porque estavam livres para usar o que aprenderam.

Na última semana, no Supremo, nenhum advogado de defesa, de militares ou políticos, negou que tenha havido tentativa de golpe. Uma anistia é deixar livres golpistas que aprenderam. Serão soltos num país exausto de Lula, cansado do STF, com o Congresso dominado por um Centrão irresponsável. E há um iliberal na Casa Branca.

Ainda assim, a união de democracia liberal com economia de mercado é a fórmula que mais levou a enriquecimento, distribuição de riqueza e construção de felicidade na História. Vivemos isso entre os anos 1990 e 2000. Não podemos perder isso. A irresponsabilidade de Tarcísio com a democracia não pode definir nosso futuro.

 

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