O Estado de S. Paulo
Desde o início, os formuladores da política externa viam o Brasil como uma ‘potência transatlântica’
No dia 29 de agosto, há 200 anos, Portugal
reconheceu a Independência do Brasil. Um dos objetivos da revolução liberal do
Porto, em 1820, estimulada pela elite portuguesa, foi forçar a volta de D. João
VI e restabelecer o reinado controlado por Lisboa. Seu filho, Dom Pedro,
decidiu ficar no Brasil, rebelando-se contra as Cortes (Parlamento), e em 7 de
setembro de 1822 proclamou a separação de Portugal.
O processo de Independência do Brasil foi difícil em razão da tentativa das Cortes do Porto de manter o País como colônia portuguesa. A consolidação da Independência não foi pacífica, em vista das sucessivas revoltas estimuladas e financiadas pelas Cortes, com intenção de dividir o País em dois: toda a Região Norte e Nordeste até Minas Gerais continuaria sob o domínio de Lisboa, e o Sul do País permaneceria independente. As revoltas no Pará, Jenipapo, no Piauí, no Maranhão, em Pernambuco e na Bahia tinham esse objetivo.
Pouco depois da derrota do exército português
na Bahia, em 2 de julho de 1823, Portugal e Brasil assinaram, em 29 de agosto
de 1825, o tratado que oficializou o reconhecimento da Independência
brasileira. O acordo contou com a mediação da Grã-Bretanha, que teve papel
decisivo nas negociações.
O reconhecimento do Brasil como país
independente, a integridade territorial, a afirmação de sua soberania e a
formulação dos princípios básicos da política externa, independente de
Portugal, foram alguns aspectos iniciais da ação externa do novo país, mesmo
enquanto havia a tentativa de organização de forças de Portugal e Espanha para
continuar a manter o Brasil como Reino unido a Portugal.
A relação com a Grã-Bretanha foi dominante
nas primeiras décadas depois da Independência e das mais difíceis para a
diplomacia imperial brasileira: o esforço para o reconhecimento da
Independência (depois de várias tentativas das Cortes de buscar o apoio de
Londres contra a separação), para manter uma esquadra estacionada na Bahia para
manter a separação de Portugal, para evitar a concessão de novos empréstimos
leoninos ao Brasil e, sobretudo, a questão da escravidão, pela pressão
britânica para o Império pôr fim ao tráfico de escravos. Apesar dessas questões
e da pressão das Cortes, o governo de Londres, de forma pragmática, atendendo a
seus interesses comerciais e financeiros, também assinou o Tratado
Portugal-Brasil e reconheceu, na mesma data, a Independência do novo Estado,
garantindo a integridade territorial brasileira e a continuidade de seus
privilégios junto à ex-colônia (renovação em 1827 do acordo de comércio,
concessão do primeiro empréstimo internacional) e pela promessa de proteção e
fornecimento de material bélico e embarcações. A estreita relação política e
comercial com a Grã-Bretanha, que colocou o Brasil quase na condição de um
protetorado, teve na questão do tráfico de escravos por mais de 40 anos o maior
trabalho da diplomacia para contornar compromissos não cumpridos, tornando os
entendimentos com a Grã-Bretanha crescentemente tensos.
Outro relacionamento central no Império foi
com os EUA. A história oficial no Brasil registra um equívoco no tocante ao
início do relacionamento com os EUA. Dá-se como pacífico que o reconhecimento
ocorreu em 1824, com o governo Monroe. Repete-se, inclusive, que os EUA foram o
primeiro país a reconhecer a Independência do Brasil. Na realidade, há um duplo
equívoco. A Independência só foi oficialmente reconhecida em Washington por um
tratado assinado entre o Brasil e os EUA em fins de 1825, depois do
reconhecimento de Portugal e da Grã-Bretanha. A razão desse erro histórico
talvez resida no fato de o credenciamento do primeiro encarregado de negócios
do Brasil em Washington, José Silvestre Rebelo, ter ocorrido em maio de 1824.
Rebelo recebeu instruções detalhadas de que tinha como missão obter o
reconhecimento da nossa Independência por Washington, visto que o governo
norte-americano não reconhecia a Independência brasileira. Na realidade, o
primeiro país a reconhecer a Independência não foi nem Portugal, nem os EUA,
nem a Grã-Bretanha, foi a Argentina, em 1823, por razões relacionadas com a
disputa pela Província Cisplatina, hoje Uruguai.
Desde o início, os formuladores da política
externa viam o Brasil como uma “potência transatlântica” que não poderia
aceitar subordinação aos interesses de potências estrangeiras, principalmente
europeias, que, por seu poderio econômico e militar, eram as principais ameaças
à consolidação do Brasil independente. Já nesse início da autonomia em relação
a Portugal, a política externa, comandada por José Bonifácio, atuava com um
pensamento mais amplo procurando projetar os interesses do País em várias
áreas. O essencial para a política externa do novo país era manter a unidade
territorial e a soberania. Para isso, trabalhou para equipar as forças de
defesa para resistir a alguns focos de resistência à Independência, de modo a
defender efetivamente o território nacional e para desenvolver uma ação
diplomática que procurasse preservar a autonomia decisória nacional.
Salve a política externa da Independência. •

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