terça-feira, 9 de setembro de 2025

E, no entanto, funciona. Por Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

A despeito de Trumps e Bolsonaros, a economia e as instituições brasileiras funcionam, como a OMC

Apesar de Trump, o mundo funciona – não tão bem como funcionaria sem as medidas truculentas impostas pelo presidente dos Estados Unidos aos demais países, mas funciona. O comércio internacional é um exemplo. Submetido a duro teste de resistência pelas tarifas que Trump espalhou pelo mundo a torto e a direito, mais a torto do que a direito, enfraqueceu, mas continua vivo.

“Muitas vezes proclamaram a morte da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, lembrou a diretora-geral da instituição, Ngozi Okonjo-Iweala, em artigo publicado no jornal britânico Financial Times (e reproduzido no Brasil pelo Valor Econômico). “Obituários como esse para o sistema de comércio multilateral têm surgido desde, pelo menos, os anos 1980, mas as atuais rupturas não têm precedentes em sua velocidade e abrangência, e inegavelmente abalaram a confiança no comércio aberto e previsível”, reconheceu. Mas o comércio mundial não parou. “O resto do mundo, em grande medida, continuou a negociar em condições normais, em meio aos esforços das empresas para recalibrar-se.”

A mais recente projeção da OMC para o volume do comércio mundial de mercadorias é de um aumento de 0,9% neste ano, na comparação com 2024. É bem menos do que os 2,7% projetados antes de Trump espalhar tarifas, mas significativamente melhor do que a queda de 0,2% prevista em abril.

O Brasil foi um dos países mais atingidos pela fúria tarifária da Casa Branca, e um impacto óbvio da medida apareceu nos números da balança comercial de agosto, primeiro mês de vigência das medidas especiais que Trump aplicou contra os produtos brasileiros. As exportações para os Estados Unidos diminuíram 18,5% na comparação com o mês anterior. Como previsto, ficou mais difícil colocar produtos brasileiros no mercado dos Estados Unidos.

Há pelo menos dois brasileiros atualmente vivendo na terra de Trump que devem ter celebrado números como esses. Por coincidência, ambos são descendentes de militares que ocuparam a Presidência da República – um no fim do regime ditatorial, outro até dezembro de 2022, tendo este último abandonado o cargo alguns dias antes do término de seu mandato. Notícias recentes dão conta de que essas duas pessoas, de nacionalidade brasileira atualmente foragidas nos Estados Unidos, pois no Brasil podem ser interrogadas pelas autoridades policiais ou até presas, estimularam governantes norte-americanos a adotar medidas punitivas contra seu próprio país. Suas motivações são apenas de natureza eleitoral ou familiar.

Um grupo de empresários brasileiros esteve na semana passada em Washington para tentar iniciar um diálogo técnico que possa levar à redução das tarifas impostas pelo governo norte-americano. Até agora, se êxito alcançou, a viagem parece ter sido pouco produtiva. Uma das respostas que esses empresários ouviram do vice-secretário de Estado, Christopher Landau, foi a de que a questão não é econômica, comercial ou financeira. É política. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, que liderava a missão empresarial brasileira em Washington, pareceu surpreendido com a resposta, que considerou inédita.

A verdade é que, desde o início da crise comercial decorrente do tarifaço de Trump, estava claro que sua motivação era política; tratava-se de uma chantagem. O principal defensor da chantagem contra o Brasil, um político eleito para defender os interesses da população – o ainda deputado federal Eduardo Bolsonaro –, tem repetido que o problema só se resolverá se seu pai, Jair Messias Bolsonaro for inocentado ou anistiado.

Talvez os Bolsonaros (o chefe do grupo, sua esposa e seus filhos) tenham de esperar sentados. Do ponto de vista econômico-comercial, embora as exportações brasileiras para os Estados Unidos tenham diminuído, as vendas totais cresceram e, mais importante, o saldo comercial de agosto foi 35,8% maior do que o de um ano antes. E a redução das exportações para os Estados Unidos pode refletir em parte uma antecipação de negócios em julho, para evitar quanto possível a sobretaxação que viria nos meses seguintes, de modo que doravante a queda tende a ser menor do que a de agosto.

Mas, ainda muito mais importante, a chantagem política implícita na atitude da Casa Branca e explícita nas palavras de Eduardo Bolsonaro (a queda das sobretaxas está condicionada à não punição de Jair Bolsonaro) não deve – e não pode – prosperar. Iniciado no Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, o julgamento do núcleo principal da trama golpista, liderado por Jair Bolsonaro e formado por mais sete réus, será retomado hoje. Nesta parte haverá a votação que pode levar à condenação dos réus a penas de mais de 30 anos de prisão.

A despeito de Trumps e Bolsonaros, a economia e as instituições brasileiras funcionam, como a OMC. Os que cometeram crimes contra a democracia e o País não podem ser inocentados – nem muito menos anistiados.

 

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