terça-feira, 9 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarcísio agride democracia com radicalismo

Por O Globo

Ao aderir à anistia e radicalizar discurso, ele perde eleitor moderado, de que depende para vencer em 2026

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), comete um erro e agride a democracia ao se lançar nos braços bolsonaristas em sua defesa pela anistia a golpistas. A submissão ao bolsonarismo que revelou na Avenida Paulista no domingo expõe oportunismo e mancha suas credenciais republicanas.

Depois de passar a semana articulando uma anistia descabida para Bolsonaro e os demais acusados de golpe de Estado em julgamento no Supremo — em aceno ao bolsonarismo, ele chegou a declarar que “não confia na Justiça” —, Tarcísio voltou à carga com um discurso incendiário. Quando a multidão gritava “Fora, Moraes!”, ele disse: “Por que vocês estão gritando isso? Talvez porque ninguém aguente mais. Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes. Ninguém aguenta mais o que está acontecendo neste país”. Noutro momento, voltou a desafiar o relator do processo contra Bolsonaro: “Nós não vamos mais aceitar que nenhum ditador diga o que a gente tem que fazer”.

Diante do ataque, o primeiro a reagir em defesa das instituições foi o decano do STF, ministro Gilmar Mendes: “O que o Brasil realmente não aguenta mais são as sucessivas tentativas de golpe que, ao longo de sua história, ameaçaram a democracia e a liberdade do povo. É fundamental que se reafirme: crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão! Cabe às instituições puni-los com rigor e garantir que jamais se repitam”.

A Justiça no Brasil é um Poder independente, e suas decisões devem ser respeitadas por todos, goste-se ou não. É quando uma sociedade abandona esse princípio que se aproxima da tirania. Querer desafiar essa regra basilar da democracia equivale a flertar com aqueles que querem sabotá-la. Ou Tarcísio teria outra palavra, além de golpe, para definir quem perde uma eleição e tenta se manter ilegalmente no poder com ajuda de militares?

Em seu cálculo político, ele provavelmente acredita que o radicalismo contra o Supremo lhe renderá a bênção do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores para candidatar-se à Presidência. Com sua adesão incondicional à anistia para os réus por golpismo, ele tenta isolar, dentro do bolsonarismo, os críticos que veem nele um aliado pouco confiável (caso do pastor Silas Malafaia, que estava no palanque da Paulista) e deixar em segundo plano outras pré-candidaturas desse campo político (caso da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que também estava lá). Mas Tarcísio parece ignorar o risco inerente a essa escolha: tornar-se um candidato tóxico ao eleitorado moderado de centro, justamente aquele que, de acordo com as pesquisas de opinião, decidirá o pleito de 2026.

Ainda há, é verdade, tempo para ele escapar da armadilha e se firmar como opção democrática da direita. Mas o preço que pagará pelo discurso antidemocrático não será baixo. Ele rompe as pontes com setores conservadores da sociedade insatisfeitos com o radicalismo bolsonarista e soterra o diálogo que cultivava com Moraes e o Supremo. Tarcísio não será um candidato viável à Presidência sem se curar da febre de radicalismo que o acometeu.

Derrota de Milei em Buenos Aires põe em xeque êxito de seu plano econômico

Por O Globo

Eleição local prenuncia dificuldade em pleito legislativo que definirá se ele terá apoio para concluir reformas

A derrota de Javier Milei nas eleições regionais da Província de Buenos Aires no último domingo projeta sombras sobre as conquistas alcançadas até agora por seu plano de ajuste econômico e torna ainda mais importante o pleito nacional de 26 de outubro, quando serão renovados metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Milei necessita de forte base no Congresso para aprovar reformas que permitam ao Estado argentino enfim caber dentro do Orçamento. E o resultado das eleições portenhas não é animador para seus planos.

São inquestionáveis os resultados do ajuste brutal feito por Milei nas finanças públicas, com corte de despesas estimado em mais de 30%. A inflação anualizada caiu de mais de 200% para cerca de 36% e deverá encerrar 2025 em 28%, pelas projeções de analistas. A economia voltou a crescer, e pelas estimativas o PIB crescerá neste ano acima de 5%. O choque não se resumiu a conter gastos públicos financiados por emissões de moeda. Também houve mudanças de leis para dificultar greves, reduzir entraves à demissão de funcionários e desregulamentação. No mercado de imóveis, havia limites ao aumento dos aluguéis, desestimulando os negócios. Com o fim deles, a oferta aumentou 195%, e o aluguel caiu em torno de 10%.

Foi vital, para o êxito da política econômica, a abertura, em abril, de uma linha de socorro à Argentina de US$ 20 bilhões junto ao Fundo Monetário Internacional. O presidente americano, Donald Trump, despachou a Buenos Aires o secretário do Tesouro, Scott Bessent, para reforçar seu apoio a Milei. Nada disso, porém, bastou para conter o impacto dos escândalos de corrupção que têm manchado sua gestão.

Em 14 de fevereiro, Milei foi às redes sociais fazer propaganda de uma criptomoeda. A cotação foi às nuvens, e em poucas horas um pequeno grupo de investidores obteve lucro. Há suspeita de envolvimento de sua irmã e secretária-geral da Presidência, Karina Milei. Mais recentemente, áudios de Diego Spagnuolo, ex-diretor da Agência Nacional de Deficiência (Andis), revelaram que compras de medicamentos e equipamentos pagavam 8% de propina — 3% para Karina.

Era para Milei surfar a onda dos bons resultados na economia, colhendo bons resultados nas urnas. Em vez disso, ele agora precisa se desdobrar para afastar a pecha de corrupto e manter seu governo de pé. “Milei perdeu oportunidade histórica de deixar para trás o peronismo”, afirma o economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O risco é, em vez de novas reformas no Estado, os peronistas conquistarem espaço para promover um retrocesso nas conquistas já obtidas. Por isso as eleições de outubro são tão críticas. Não interessa ao Brasil nem ao mundo uma Argentina novamente em convulsão.

Tarcísio toma caminho perigoso ao afrontar Judiciário

Por Folha de S. Paulo

Governador de SP emula bravatas de Bolsonaro, que mergulharam o país em anos de tensão institucional

Problemas na cúpula do Judiciário, como retrocesso na defesa da livre expressão, se corrigem na democracia pelo reformismo responsável

Na avenida Paulista, no 7 de Setembro de 2021, a democracia brasileira sofreu um ataque pérfido. Naquele feriado, o iracundo então presidente Jair Bolsonaro (PL) prometeu desobedecer ordens judiciais do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Quatro anos depois, no mesmo local, o governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), resolveu enveredar pela trilha perigosa desbravada pelo seu padrinho político. Ela serve aos apetites autoritários e conduz à conflagração institucional.

O alvo não mudou. Moraes, que começa a votar no julgamento de Bolsonaro e sete acusados de subversão, segundo o governador promove a tirania e a ditadura de um Poder sobre outros.

Como a do original quatro anos antes, a retórica do imitador recheou-se de bravatas. Bolsonaro em 2021 disse que só sairia preso ou morto do cargo —saiu derrotado nas urnas. Tarcísio jura em 2025 que não tolerará a condenação do ídolo nem a continuidade dos alegados ditadores de toga.

Essas provocações incendiárias colocam lenha na fogueira de quem procura soluções extrainstitucionais para seus reveses políticos e judiciais. Por acreditar nelas, Bolsonaro deixou de cumprir os protocolos da sucessão, tramou uma ruptura e por isso acabará, provavelmente, na prisão.

O que fará Tarcísio se e quando o rochedo do Estado de Direito se interpuser entre suas proclamações demagógicas e a realidade? Vai conspirar com militares como tentou seu padrinho? Vai sabotar a credibilidade do sistema de votação na esteira do que a boçalidade bolsonarista apregoa?

Há problemas no modo como opera a cúpula do Judiciário brasileiro. Esta Folha tem apontado e criticado os retrocessos na defesa da livre expressão, os excessos de poder individual dos ministros e os avanços indevidos da corte sobre atribuições alheias.

Qualificar essas disfuncionalidades de "ditadura", entretanto, é um despropósito que, quando parte de um governador paulista com pretensões presidenciais, se agrava para a afronta acintosa. Ditadura é o que Bolsonaro e seus nostálgicos da força incontrastável gostariam de reviver.

A forma responsável de melhorar as instituições numa democracia é o reformismo. Os defeitos do Supremo —e também os de Congresso Nacional e Executivo— se corrigem com a submissão de projetos de lei, o debate e as deliberações regulamentares.

Bravatas e ataques de representantes de um Poder contra os de outros integram a caixa de ferramentas do populismo autoritário. É típico dessa corrente política rediviva escolher indivíduos em quem descarregar a culpa pelos males do mundo.

Compreende-se que Tarcísio tenha de se aproximar dos Bolsonaros a fim de obter a bênção para sua candidatura ao Planalto. Daí a replicar as condutas que impuseram uma quadra de tensão institucional ao país vai uma distância que não deveria ser percorrida por políticos responsáveis.

É urgente privatizar os Correios

Por Folha de S. Paulo

Deterioração é obra de gestão perdulária; serviço universal pode ser mantido com parcerias sob regulação

No primeiro semestre de 2025, o prejuízo foi de R$ 4,4 bilhões, um salto em relação ao observado em todo o ano de 2024 (R$ 2,6 bilhões)

Submetidos a uma gestão ideológica, perdulária e desconectada dos desafios impostos pela tecnologia e pelo sistema concorrencial, os Correios apresentam um ritmo de degradação estarrecedor.

No primeiro semestre de 2025, o prejuízo chegou a R$ 4,4 bilhões, um salto em relação ao rombo observado em todo o ano de 2024 (R$ 2,6 bilhões).

Em comparação com o mesmo período do ano passado, a receita caiu 9,5%, a R$ 8,9 bilhões. Os custos administrativos subiram de R$ 1,2 bilhão para R$ 3,4 bilhões, e as despesas com precatórios dispararam para R$ 1,6 bilhão, alta de quase 500%.

O quadro, que revela inchaço burocrático e investimentos mal planejados, já motivou a aprovação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado e fez com que o presidente da estatal, Fabiano Silva dos Santos, pedisse demissão em julho — mas sua saída não foi formalizada porque o governo não tem um substituto.

Não convence a tentativa de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, de atribuir o prejuízo aos custos de manutenção do serviço postal universal, como entregas em áreas remotas. Ele argumentou que a quebra de monopólio deixou os concorrentes com a melhor fatia do mercado.

Caberia lembrar que o modelo de privatização elaborado pelo BNDES em 2021 previa o desmembramento das atividades em entregas de maior porte e logística complexa, de um lado, e serviços postais, de outro.

Estes últimos continuariam pública e passariam por nova concessão, com manutenção da universalidade, veto ao fechamento de agências em áreas remotas e tarifas acessíveis reguladas pelo Estado. O modelo propunha parcerias privadas para injetar eficiência, sem abandonar o compromisso social e os rincões.

A ideia, baseada em experiências internacionais bem-sucedidas, era maximizar o valor da franquia dos Correios para o contribuinte e evitar a morte lenta (ou rápida, no caso da gestão petista) de uma estrutura calcificada. Mas Luiz Inácio Lula da Silva descartou qualquer nova privatização, antes mesmo de tomar posse, e agora colhe fracassos.

Urge retomar o processo de privatização da companhia. Com deterioração acelerada, adiar a venda só agravará as perdas, exigindo mais aportes públicos.

Uma gestão privada, sob regulação forte, pode modernizar operações, reduzir custos e manter o serviço universal. Espera-se que o Congresso Nacional assuma a responsabilidade de salvar os Correios, caso o governo insista em recusar o caminho da sensatez.

Escândalo e derrota eleitoral geram complicações a Milei

Por Valor Econômico

Com a economia de volta à armadilha histórica de falta de dólares, avançar nas urnas e no apoio no Legislativo é questão de vida e morte para Milei 

Javier Milei atravessa o seu momento mais difícil na Presidência da Argentina, pouco antes de completar dois anos no poder. Líder do La Libertad Avanza, ele ajudou a nacionalizar eleições legislativas estaduais na província de Buenos Aires (não na capital) para colher uma significativa derrota ante os peronistas. Ao colocar o pleito como um julgamento de sua gestão e prévia das eleições legislativas de 26 de outubro, o revés — Fuerza Pátria obteve 41,75% dos votos, a Aliança Libertad, 34,15% — fez os mercados desabarem, e o risco país dar um salto junto com o dólar, que foi parar perto do teto da banda de flutuação, de 1.470 pesos. Isso acentuou um mal-estar crescente com os rumos da economia, e, para piorar, o insucesso eleitoral refletiu desgaste com grave escândalo de corrupção, envolvendo Karina Milei, irmã do presidente e a segunda pessoa mais poderosa no governo.

O presidente demorou a reagir às denúncias, e, quando o fez, atacou opositores e a mídia, sem dar explicações. A ministra da Segurança Nacional, Patricia Bullrich, culpou os serviços de inteligência russos pela divulgação de gravações do ex-amigo e advogado do presidente Diego Spagnuolo que acusam Karina de receber comissão de 3% de medicamentos do órgão encarregado de atender deficientes físicos.

Milei teve um primeiro ano duríssimo. Com um programa forte de ajuste econômico, ele conseguiu desacelerar a escalada inflacionária (o IPC anual, que passou de 270% em junho de 2024, está agora em 36,6%). E começou a reorganizar a economia argentina, devastada por anos de má gestão pelo kirchnerismo. Esse sucesso culminou com o acordo de abril com o FMI, que aceitou emprestar mais US$ 20 bilhões ao país. O fôlego novo permitiu ao governo iniciar o desmanche das políticas de controle de câmbio, que dificultam e desestimulam o investimento produtivo e o financiamento externo.

Ao deixar o câmbio se valorizar, Milei acelerou a queda da inflação, reforçando a percepção de sucesso do duro ajuste econômico. O peso valorizado trouxe sensação de riqueza que o país não sentia havia anos. A classe média voltou a pisar no acelerador das compras no exterior e viagens internacionais.

Mas o custo dessa política foi pesado. A valorização tirou competitividade da produção argentina e estimulou as importações. O saldo comercial desabou (superávit de apenas US$ 2,7 bilhões no primeiro semestre) e a conta corrente foi para o vermelho. Isso agravou mais a difícil situação das empresas argentinas e acelerou a onda de falências, gerando mais desemprego. Como a situação cambial é insustentável, criou-se a expectativa de uma correção do dólar após as eleições, o que ampliou as incertezas e freou investimentos.

As pesquisas chegaram a apontar vitória dos partidos governistas (o Liberdad mais o Pro do ex-presidente Mauricio Macri) no domingo e nas legislativas de 26 de outubro. Isso daria a Milei maior poder de barganha no Congresso, vital para avançar com seu programa de ajuste. Milei disse que as urnas de domingo “cravariam o último prego no caixão do kirchnerismo”, quando podem ter pregado o primeiro no seu.

O escândalo de corrupção mudou o cenário político e econômico. O governo conseguiu na Justiça proibir a divulgação de uma nova gravação, desta vez da própria Karina, cujo teor não é totalmente conhecido e que ameaça causar mais estragos ao governo. As acusações são particularmente danosas a um presidente que foi eleito atacando a corrupção da “casta política”.

A derrota eleitoral era esperada, mas não por tamanha diferença, e azedou os mercados. O dólar já havia começado a subir com o escândalo, e o Tesouro argentino usou US$ 540 milhões para segurar as cotações, algo só permitido pelo acordo com o FMI quando o peso cai abaixo do piso ou ultrapassa o teto da banda cambial. O dólar ontem atingiu 1.450 pesos, maior cotação desde quando o câmbio foi liberalizado. O Banco Central tem reservas negativas e conta com US$ 14 bilhões do FMI como munição, cujo uso não é recomendável. O FMI acabou de dar waiver na revisão do acordo para o descumprimento da meta de aumento das reservas. A inflação, em leve alta nos últimos dois meses, pode subir com a queda do peso. Os juros bateram em 50%, asfixiando crédito e crescimento.

Milei fez erros que podem comprometer seu futuro, se não forem corrigidos. Ao entrar na campanha eleitoral com sua falta de sutileza e agressividade peculiares, conseguiu unir a oposição peronista em torno de um radical ex-ministro de Cristina Kirchner, Axel Kicillof, governador da Província de Buenos Aires, dando ao peronismo um líder que não tinham encontrado ainda após a prisão de Cristina. Os peronistas perceberam que o governo é vulnerável. O presidente também queria engolir o aliado Pro, de Macri, mas sua derrota o enfraquece nessa missão.

A lição da derrota é que Milei precisa cerrar aliança com forças políticas mais próximas, e não hostilizá-las, e moderar seus ímpetos políticos destrutivos. Até agora, seu estilo belicoso lhe deu trunfos, mas talvez não mais. Com a economia de volta à armadilha histórica de falta de dólares, avançar nas urnas e no apoio no Legislativo é questão de vida e morte para Milei.

Tarcísio cruzou o Rubicão

Por O Estado de S. Paulo

O cálculo feito pelo governador de SP no Sete de Setembro pode lhe custar caro: ao atacar o STF de forma tão virulenta, Tarcísio tisnou o verniz de moderação que o distinguia de Bolsonaro

É difícil medir o impacto de um discurso na trajetória de um político no Brasil. Aqui, um cenário que parece consolidado hoje pode ser outro diametralmente oposto amanhã. Que dirá em pouco mais de um ano. Mas há momentos em que a palavra proferida torna-se tão eloquente por sua clareza que a eventual intenção de desdizê-la é muito difícil, se não impossível. Foi o que ocorreu no Sete de Setembro, na Av. Paulista. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, topou sujar sua imagem de moderado em troca de uma incerta bênção do réu Jair Bolsonaro à sua aventada candidatura à Presidência no ano que vem. Ao desferir ataques tão virulentos contra o Supremo Tribunal Federal (STF), e em particular o ministro Alexandre de Moraes, Tarcísio cruzou o Rubicão.

Em cima do carro de som, diante de uma plateia orgulhosa por desfraldar uma enorme bandeira dos EUA em plena data nacional brasileira, Tarcísio ecoou o infame discurso que Bolsonaro proferira naqueles mesmos dia e local quatro anos antes, quando o então presidente chamou Moraes de “canalha” e declarou que não cumpriria mais suas decisões. Com mais modos que seu padrinho boquirroto, Tarcísio fez o mesmo, dizendo que “ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes”, acusando o STF de perseguir seu padrinho político e defendendo uma anistia “ampla e irrestrita” para os golpistas. A coroar esse discurso afinado para soar como música aos ouvidos de Bolsonaro, o governador paulista teve a audácia de dizer que não se pode mais “aceitar que nenhum ditador diga o que temos de fazer”, referindo-se, por óbvio, a Moraes.

Não foi um arroubo isolado. Dias antes, Tarcísio já havia dito que “não confia” na Justiça, um evidente ataque à institucionalidade democrática. O governador parece ignorar o fato de que, se há uma ação penal em curso contra Bolsonaro, por mais que alguns aspectos do processo possam ser criticados, é porque, antes, houve uma escalada golpista liderada pelo ex-presidente.

Bolsonaro não estaria sendo processado se tivesse conclamado seus seguidores acampados em frente aos quartéis a voltarem para casa; se não tivesse duvidado sistematicamente do processo eleitoral, sugerindo que sua derrota só poderia decorrer de fraude; se tivesse aceitado o resultado da eleição e passado a faixa a seu sucessor, Lula da Silva; e se não tivesse tentado envolver chefes militares numa trama de ruptura da ordem democrática “dentro das quatro linhas” da Constituição. E mais: caso se comportasse com um mínimo de respeito pelas regras democráticas, Bolsonaro não só não estaria preso e inelegível, como seria favorito na eleição presidencial de 2026. E ninguém estaria falando da “tirania” de Alexandre de Moraes.

Ao inverter a ordem lógica dos fatores, Tarcísio põe em xeque sua capacidade de dialogar com o Supremo, com os partidos que integram o centro político, com o setor produtivo nacional e, principalmente, com os eleitores moderados – justamente os que têm decidido as eleições presidenciais no País há pelo menos 30 anos.

A moderação, nesse sentido, era o capital político mais valioso de Tarcísio por seu potencial de reunir as forças de oposição ao lulopetismo – seja dos moderados, seja dos próprios bolsonaristas, que jamais deixarão de votar no candidato capaz de derrotar Lula. Mas, desde o domingo passado, o governador provavelmente terá de fazer um esforço redobrado para convencer parte considerável do eleitorado – supondo que queira fazê-lo – de que não disse o que disse em português cristalino.

Não era inevitável que fosse assim. O governador poderia ter alegado algum impedimento médico, como fez em outra ocasião, e faltado ao evento golpista da Av. Paulista. Uma vez que teve a imprudência de comparecer, poderia ter feito um discurso anódino, defendendo o que chama de “pacificação”, mas sem endossar as teses estapafúrdias de Bolsonaro nem muito menos atacar de forma antirrepublicana o STF. Ao optar pela via incendiária, Tarcísio deu a dimensão de sua aposta: humilhar-se para conquistar o coração do “mito” a qualquer preço.

Em política, até a reputação mais enxovalhada pode ser restaurada. Mas Tarcísio terá de se esforçar muito para se dizer democrata depois de seu discurso na Av. Paulista.

A mão pesada de Lula sobre a Vale

Por O Estado de S. Paulo

Repetindo práticas equivocadas do passado, Lula volta a pressionar Vale para assumir ferrovia no sul da Bahia e trata uma das maiores mineradoras do mundo como uma faz-tudo do governo federal

O governo Lula da Silva tem recorrido a métodos pouco republicanos para convencer a Vale a realizar investimentos considerados estratégicos pelo petista. A investida mais recente, segundo apurou o Estadão, é impor dificuldades ao processo de renovação da concessão das estradas de ferro Vitória-Minas e Carajás, utilizadas pela mineradora para escoar sua produção em Minas Gerais e no Pará, para “convencer” a companhia a assumir um dos trechos da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) na Bahia.

Essa novela não começou hoje. Inicialmente, o que o governo Lula realmente queria era obrigar a Vale a se associar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para adquirir a Bahia Mineração (Bamin), empresa gerida pela Eurasian Resources Group (ERG), com origem no Cazaquistão e sede em Luxemburgo. A Bamin é dona de uma mina de minério de ferro em Caetité (BA), de um dos trechos da Fiol cujo traçado passará pela região e de um terminal portuário em Ilhéus (BA), conhecido como Porto Sul, mas abandonou os projetos por falta de recursos.

A conclusão do complexo custaria ao menos R$ 30 bilhões e é tratada com prioridade pelo governo Lula, de olho nos louros eleitorais. Em primeiro lugar, porque ele foi originalmente lançado no âmbito da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), cujas obras não concluídas se tornaram uma obsessão do presidente Lula. Em segundo lugar, porque o projeto fica na Bahia, Estado que foi governado duas vezes pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, que é próximo dos ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e dos Transportes, Renan Filho.

A pressão sobre a Vale era esperada, pois poucas empresas no País teriam condições de assumir um projeto dessa monta. Lula não sossegou enquanto não deu um jeito de remover o ex-presidente da companhia Eduardo Bartolomeo do cargo, e a Vale, já sob a direção de Gustavo Pimenta, se comprometeu a reavaliar a Bamin.

Novos estudos técnicos foram realizados, e os resultados reafirmaram o que a empresa já sabia: as jazidas de minério de ferro de Caetité não têm a mesma qualidade dos depósitos em Carajás (PA) e os investimentos na implantação na mina, na ferrovia e no porto não dariam o retorno financeiro que a empresa almeja. Em poucas palavras, a conta não fecha.

O governo Lula, no entanto, não desistiu e decidiu aumentar a pressão sobre a empresa. A proposta, agora, é que a Vale se comprometa a fazer investimentos somente na Fiol, da ordem de R$ 8 bilhões, em contrapartida à renovação das concessões de suas outras ferrovias, concluída no fim do governo Jair Bolsonaro. Do contrário, o Executivo já não descarta leiloar as ferrovias Vitória-Minas e Carajás e oferecê-las para um novo operador.

É de perguntar qual seria o interesse de uma mineradora em assumir uma infraestrutura que não utilizará para transportar sua produção. Também há dúvidas sobre que concessionária estaria disposta a assumir uma ferrovia que é utilizada quase que unicamente pela Vale. Faltaria ainda achar alguém disposto a investir ao menos R$ 5 bilhões na renovação do porto onde a ferrovia vai desembocar.

Para o governo Lula, no entanto, nada disso importa. O que conta é o discurso político segundo o qual o Executivo não deixará que a Vale se aproprie de ativos da União por um valor irrisório. É dessa forma beligerante que o governo federal negocia com uma das maiores empresas do País e uma das principais mineradoras do mundo.

A estratégia não é nova. Foi assim que Lula conseguiu derrubar, em 2011, o então presidente da Vale, Roger Agnelli, e “convencer” a direção da empresa a investir em siderurgia e fertilizantes em seu segundo mandato, negócios que deram prejuízo e dos quais a companhia saiu anos depois para finalmente se concentrar nas operações que lhe dão maior retorno e, em última instância, ao País, na forma de investimentos, empregos, exportações e crescimento.

Os anos passam, mas a motivação de Lula continua a mesma de sempre: o presidente nunca se conformou com a privatização da Vale e ainda acha que pode tratar a mineradora como se fosse uma faz-tudo do governo federal.

Sinal amarelo para Milei

Por O Estado de S. Paulo

Derrota em eleição sinaliza maior resistência às mudanças promovidas pelo presidente

Após a incontestável derrota de seu partido, A Liberdade Avança (LLA, na sigla em espanhol), nas eleições legislativas da província de Buenos Aires, o presidente da Argentina, Javier Milei, prontamente reconheceu o mau desempenho nas urnas, mas garantiu que seu governo não retrocederá um milímetro sequer na política de austeridade que vem rendendo frutos ao país.

De fato, tudo o que a Argentina não precisa é voltar atrás nas reformas promovidas por Milei, e que permitiram ao país retomar os superávits fiscais e reduzir sensivelmente a inflação, que não obstante segue em alta para os padrões globais.

O temor de retrocesso, porém, fez com que o valor de ativos como o peso e as ações de empresas argentinas despencasse no pós-eleição. Isso porque os resultados do pleito na província de Buenos Aires, que concentra 40% do eleitorado argentino, sinalizam que o caminho para avançar reformas tornou-se mais tortuoso, uma vez que a coalizão peronista conquistou 47% dos votos, bem mais que os 34% da coalizão do LLA.

Em condições normais de temperatura e pressão, um pleito legislativo local, em uma província sabidamente peronista, não causaria tanto alarde. Ocorre que o próprio Milei tratou de nacionalizar a disputa, ao afirmar que a eleição na província seria o “último prego no caixão do kirchnerismo (a variante hoje mais conhecida do peronismo)”. Mas, em vez de morta, a oposição saiu das urnas com fôlego renovado para a disputa nacional.

Mesmo descontando o fato de a província ser um grande bastião peronista do país, a diferença na votação, de mais de 13 pontos porcentuais em favor da oposição, é um sinal amarelo para o LLA nas legislativas nacionais do mês que vem.

Em 26 de outubro, os eleitores argentinos voltarão às urnas, desta vez nacionalmente, para renovar metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Minoritário nas duas Casas, o LLA precisa ampliar sua participação no Congresso de modo a garantir mais respaldo ao governo Milei, que recentemente viu um de seus vetos ser derrubado por 63 votos a 7 pelo Senado.

Antes difícil, a tarefa se tornou ainda mais complexa. Traumatizado por anos de governos peronistas extremamente perdulários, o eleitor argentino deu um voto de confiança a Milei em 2023 e vinha suportando, com relativo estoicismo, uma série de cortes em subsídios estatais, entre outras medidas impopulares. Mas os avanços econômicos logrados por Milei não são percebidos por parte significativa da população. O desemprego segue em patamar elevado, de quase 8%, e um dos principais problemas argentinos, a crônica falta de dólares, continua longe de ser resolvido.

Não bastasse isso, um escândalo de corrupção que implica a irmã do presidente, Karina Milei, também secretária-geral da presidência da Argentina, provoca em parte do eleitorado o temor de que a era de economia estagnada e corrupção, tão marcante do período peronista, possa também ser uma característica do governo do libertário.

Resta agora a Milei recalcular a rota, de modo que o país possa seguir promovendo as necessárias reformas econômicas e manter o peronismo a uma distância segura do poder.

Justiça como resposta mais adequada

Por O Povo (CE)

Acontece hoje, em Brasília, a retomada, pela 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF), do julgamento dos acusados de integrarem o núcleo central da tentativa de golpe de Estado que ameaçou a nossa democracia entre os anos de 2021 e 2023. O processo chega à fase final, com os cinco ministros apresentando suas conclusões e votos depois da análise dos autos e de ouvirem acusação e defesa nas sessões realizadas durante a semana passada.

No meio do caminho houve o 7 de setembro com as manifestações por várias cidades brasileiras, organizadas por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, principal nome do grupo que terá sentenças anunciadas, acredita-se, até a sexta-feira. Nos atos, em especial o que aconteceu em São Paulo com a participação do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a atuação do STF e do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi criticada em termos duros e que, na essência, procuram colocar em dúvida a legitimidade do próprio Judiciário. Uma temeridade.

Preocupa que figura pública com o peso de quem governa o estado mais rico e influente do País some sua voz à daqueles que se recusam a enxergar a gravidade do que aconteceu e que, sim, colocou em risco a continuação da normalidade institucional brasileira. Tarcísio de Freitas mudou sua postura, até então marcada por um zeloso cuidado de não permitir que queixas eventualmente existentes acerca de decisões do juiz ou do Supremo extrapolassem a linha do aceitável na convivência harmônica entre os poderes, e passou a abraçar teses esdrúxulas e defender de maneira agressiva uma anistia para crimes que sequer foram ainda confirmados.

Uma pena que isso tenha acontecido, mas o importante é que nada mude no comportamento dos responsáveis pelo julgamento. Claro que a pressão aumenta quando setores e atores mais influentes da vida pública passam a fortalecer um movimento cujo objetivo evidente é deslegitimar o papel que há cumprido o Judiciário, através de sua mais alta Corte, como instância de defesa do Estado Democrático de Direito. É preciso, configurada a ação criminosa, encontrar responsáveis, responsabilidades e encaminhar as punições devidas.

Tarcísio de Freitas foi a novidade num contexto em que outras vozes importantes buscam sensibilizar a sociedade para conveniência de uma anistia que, ampla, geral e irrestrita, na forma como está sugerida, representaria novo registro histórico de um episódio de vitória da impunidade.

Os ministros que integram a turma certamente agirão com frieza e tranquilidade, tomando suas decisões de acordo com o conjunto probatório colhido e a força das argumentações, sem preocupação de agradar ou desagradar as forças envolvidas numa disputa política que não pode adentrar um espaço que tem no objetivo de fazer justiça o sentido principal de existência. Independente de quem sejam os ganhadores e os perdedores. 

Paz no trânsito precisa voltar a ser prioridade

Por Correio Braziliense

Hoje, o trânsito mata e assusta motoristas e pedestres do Distrito Federal — uma realidade que se repete pelo país

O Distrito Federal encerrou 2024 com queda 19,7% no número de mortes no trânsito em relação a 2023. De janeiro a fevereiro do ano passado, ocorreram 191 óbitos, 47 a menos do que no ano anterior, quando foram registrados 238 óbitos em acidentes nas vias da capital federal. Entre as cinco vias urbanas com mais acidentes fatais de 2015 a 2024, só nas avenidas Hélio Prates e Recanto das Emas foram registradas mortes no trânsito neste ano. A tendência de queda, porém, foi interrompida. 

Na capital do país, de janeiro a julho, ocorreu um aumento de 10% no número de vítimas (142 no total), na comparação com igual período de 2024, quando foram registradas 129 mortes. No último fim de semana, três pessoas morreram e pelo menos sete ficaram feridas, superando o número de ocorrências dos últimos 10 fins de semana, com uma morte a cada dois dias em média. Esses episódios comprometem a imagem de Brasília como referência na construção coletiva pelo trânsito seguro. Foi a capital do país a primeira cidade a conquistar a adesão da população a respeitar a faixa de pedestre, campanha protagonizada pelo Correio. Hoje, o trânsito mata e assusta motoristas e pedestres — uma realidade que se repete pelo país.

Boa parte dos sinistros envolve motoqueiros. Os acidentes com motocicletas cresceram mais de 10 vezes no país nos últimos 30 anos. Indiscutivelmente, esse tipo de veículo ganhou as ruas —  a frota cresceu 42% de 2015 a 2014, estima a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo). O fenômeno tem relação com novas modalidades de trabalho — sobretudo, a de entregadores de encomendas — e facilidades de deslocamento — ganho de tempo e redução de gastos, por exemplo. Mas trouxe consigo um cenário de insegurança e morte nas estradas brasileiras. 

São Paulo lidera o ranking de óbitos em acidentes de trânsito com motocicletas: 1.329 mortes de janeiro a junho deste ano, o que equivale a 7,3 mortes por dia. No Distrito Federal, o Departamento de Trânsito (Detran) registrou mais de 50 casos em 2025. O índice de sobreviventes que ficam com sequelas irreversíveis em razão desse tipo de sinistro também é alto: o Instituto de Segurança no Trânsito (IST) calcula que, anualmente, cerca de 250 mil pessoas passam a viver nessa condição.  

Embora boa parte dos acidentes seja por imprudência, imperícia ou negligência, ingestão de bebida alcoólica, cansaço do condutor, há outros fatores que colaboraram para a insegurança tanto dos motoristas quanto dos motociclistas. Entre eles estão, rodovias mal sinalizadas, esburacadas, sem  manutenção e iluminação pública. Há, portanto, necessidade de ampliar nos orçamentos recursos destinados à manutenção das vias públicas, assim como aprimorar a fiscalização da qualidade e da lisura de obras realizadas.

O monitoramento também precisa ser reforçado em relação ao cumprimento de legislações que visam garantir a segurança do trânsito, sobretudo a Lei Seca. Cabe ainda aos governos promoverem campanhas educativas para todos os segmentos da sociedade. Para isso, não basta usar os meios virtuais. É necessário recorrer a todos os meios de informação que chegam aos cidadãos, incluindo linguagens que convençam os mais jovens, que são as maiores vítimas fatais desses acidentes. O trânsito não pode ser um ambiente de fatalidades, mas de atenção e cuidados com a vida das pessoas.

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