terça-feira, 9 de setembro de 2025

Quando o cálculo pode dar errado. Por Míriam Leitão

O Globo

Os cálculos de Tarcísio podem estar errados. Ele assustou o centro que precisa atrair e tentou agradar à extrema direita, que votaria nele contra Lula

“Cálculo eleitoral”. É essa a explicação que ouvi entre juristas e economistas para a radicalização do governador Tarcísio de Freitas. A dúvida é se ele tem mais a perder ou a ganhar com as afirmações incendiárias que fez. Ele estaria fechando a porta para um bolsonarista radical, ao ocupar o lugar, me explicou uma das fontes que ouvi. Outra fonte acha que ele pode perder apoio entre empresários definidos como “não partidários”, que seriam entre 25% a 30%. Analistas consideram que Tarcísio queimou a chance de se vender como moderado durante a campanha que se aproxima.

O que ouvi no Supremo é que o chefe do Executivo paulista não mostrou respeito ao cargo que ocupa, nem deu demonstração de ter “noção de institucionalidade”. E isso é grave para quem tem a ambição de governar o Brasil. Em determinado momento do discurso, Tarcísio se fez uma pergunta. “Será que a gente está vivendo um estado livre, democrático?” E ele mesmo respondeu: “Certamente não”. É assustador que o governador do maior estado do país seja capaz de dizer que o Brasil não é uma democracia. Se ele não sabe diferenciar, apesar de ter sido eleito por ela, e querer se candidatar ao cargo maior do país, a situação fica bem complicada.

O cálculo que o engenheiro Tarcísio de Freitas fez pode não ser tão sólido. Ele avalia que terá a Faria Lima de qualquer modo. Também terá o centrão. Precisaria demonstrar que tem fidelidade à extrema direita. Ocorre que essa ala da política brasileira está no banco dos réus exatamente por atentar contra a democracia. Há empresários que preferem alguém de centro mesmo. Esses ele assustou com o discurso feito na Avenida Paulista.

Há mais um dado para colocar nessa conta. A enorme bandeira americana carregada pelos militantes para os quais ele falou é contraproducente. Neste momento, brasileiros estão perdendo emprego, empresas estão em situação difícil, e a incerteza envolve muitos negócios. Os manifestantes estavam naquele ato agradecendo ao presidente que atirou contra a economia brasileira.

Os tiros atingiram principalmente o estado que Tarcísio de Freitas governa. É como se ele colocasse de novo o boné do Trump em momento de hostilidade do presidente americano contra o Brasil.

A proposta de anistia que está sendo defendida pelos bolsonaristas tem pontos bizarros. Concede perdão à “organização criminosa ou à constituição de milícia privada”. O que tem causado mais espanto é a anistia aos que “estejam sendo, ou, ainda, eventualmente possam vir a ser investigados, processados ou condenados”. Não é apenas amplo, geral e irrestrito, é também um perdão judicial no mercado futuro de crimes. Abre uma temporada de crimes livres “até a data da entrada em vigor desta lei”. É um convite para atos ilegais por todo esse período, inclusive hoje.

A dúvida é se o engenheiro civil formado pelo Instituto Militar de Engenharia fez uma boa equação. Se aparecer como candidato viável do eleitorado que não quer a reeleição do presidente Lula, é evidente que a extrema direita vai votar nele. Dado que em hipótese alguma votaria em Lula. Quando diz que não confia na Justiça, que o ministro relator do processo é um ditador, e o Brasil não é uma democracia, ele vocaliza os mais radicais. Que já votariam nele pela lei da gravidade. O que um dos analistas acredita que ele teme ser desidratado por outro candidato mais radical. Só que o centro é que está em disputa. E esse centro se assustou com a fala do governador.

Tarcísio vinha tentando fazer gestos em direções opostas. Manifestava sua solidariedade a Bolsonaro, mas ao mesmo tempo mantinha diálogo com os ministros do Supremo. Foi a Brasília articular a defesa da anistia que inclusive revoga a inelegibilidade do ex-presidente, mas foi a São Paulo bater o martelo junto com Geraldo Alckmin no projeto Santos-Guarujá. No domingo, ele fez declarações graves. O que Tarcísio disse poderia ter sido dito por muitos que estavam no palanque, mas não por quem tem a responsabilidade institucional de governar o Estado de São Paulo. O governador calculou mal.

O Brasil precisa se livrar do golpismo que atormentou a nossa vida republicana. E é nessa linha que trabalha o Supremo Tribunal Federal. O STF não está impondo um processo tirânico. Está julgando vários réus, entre eles Bolsonaro, baseando-se numa lei que foi sancionada pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro

 

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