Completamos seis meses desde que a quebra da Lehman Brothers abalou o mundo. Neste período vivenciamos a mais abrupta contração da economia global das últimas décadas. A súbita interrupção do crédito que aconteceu a partir deste evento cortou fortemente a demanda global de consumo e investimento, arrastando junto o comércio internacional e a produção industrial em todos os países do mundo. Nos últimos dois trimestres, assistimos a inéditas quedas da ordem de 25% ao ano na produção industrial global, na medida em que as empresas tentavam reduzir estoques e se ajustar às novas perspectivas de demanda.
As autoridades econômicas mundiais tentaram reagir a este verdadeiro colapso, mas com sucesso apenas limitado até o momento. Em vários países foram aprovados maciços programas de expansão fiscal, e uma nova era na gestão da política monetária iniciou-se com a adoção do chamado "quantitative easing" por vários Bancos Centrais, inclusive o Fed. Finalmente, os governos realizaram intervenções dramáticas em vários setores produtivos tentando minimizar os problemas de ajuste à nova realidade. Mais recentemente, chegou-se a um renovado esforço de coordenação global, como vimos na última reunião do G-20.
Vivemos hoje o que tenho chamado de ambiente "bipolar". De um lado, a tensão entre a perspectiva da continuidade da contração do crédito e da demanda privada a nível global e, de outro, o esforço das autoridades para compensá-la por meio de maciças intervenções nos mercados financeiros e gastos fiscais. Este é o pano de fundo a partir do qual deve ser considerado o cenário estrutural prospectivo. Mas, em momentos de mudanças como o que vivemos, torna-se também importante separar as perspectivas de longo prazo - medidas em no mínimo alguns trimestres - das oscilações de curto prazo.
Começando com o curto prazo, são claros os sinais que apontam para alguma melhora da atividade econômica. O primeiro deles é a dinâmica recente da indústria no mundo. Após dois trimestres de queda generalizada, temos algum progresso na redução de estoques excessivos e ajuste às condições de demanda mais fraca. O setor automobilístico é o caso mais evidente, com os cortes de produção nos últimos meses incompatíveis com a demanda ainda existente. Após este período de ajustes, é natural que a produção tenha alguma alta. Este padrão deve se repetir em outros setores de bens finais, em especial os ligados ao consumo das famílias. Do lado de bens de capital, a recuperação deve ser muito pequena, ou inexistente em muitos casos, pois a ampla capacidade ociosa que existe no mundo manterá o investimento das empresas em queda por mais tempo.
De fato, os indicadores antecedentes de atividade industrial têm mostrado aumento de novas ordens e redução dos estoques a nível global, compatíveis com uma diminuição dos cortes de produção nos próximos meses dos atuais 25% ao ano para algo próximo a 5%. Note-se que estou falando de redução de queda, mas em muitos casos isso implicará em altas pontuais para alguns setores. Tal dinâmica parece compatível com a estabilização, ao menos temporária, dos volumes de comércio exterior e do PIB global até meados do ano.
Outro elemento favorável para o curto prazo é a redução, ainda que momentânea, do stress financeiro. Vivemos nas últimas semanas nos EUA dias menos agitados, com o mercado em compasso de espera para ver os resultados concretos do novo programa de resgate anunciado pelo governo e do aumento do volume de compra de ativos por parte do Fed. Além disso, o resultado da reunião do G-20 deu força ao que parece ser o início da maior reconfiguração dos mecanismos de governança monetária e financeira desde 1973. A nova sensação dos EUA como parceiros no cenário internacional ajuda muito neste sentido.
Além das esperadas declarações de princípio sobre a maior participação dos países emergentes neste novo arranjo institucional, o principal resultado do encontro foi o aumento do volume de recursos para o FMI. Na prática, tais recursos reduzem de forma importante os riscos de ruptura em parte do mundo emergente e compram tempo em regiões mais problemáticas em termos de equilíbrio de balanço de pagamentos. A Europa Oriental é o caso principal, mas os benefícios podem se estender a muitos outros países emergentes - como o caso do México - reduzindo sensivelmente o risco de rolagem de dívida nos próximos meses. A combinação destes fatores indica que podemos de fato ter alguma acomodação nas perspectivas de atividade econômica nos próximos poucos meses e esta percepção tem influenciado para melhor a dinâmica recente dos mercados.
Contudo, esses elementos positivos são um alívio temporário, que compram tempo, mas que não se sustentam em um prazo mais longo caso algumas condições não sejam satisfeitas. Isso nos leva às perspectivas mais estruturais, que ainda são desanimadoras ou, no mínimo, altamente incertas. Em primeiro lugar há o desequilíbrio financeiro nas famílias americanas, que apenas começaram o longo e penoso processo de ajuste em seus níveis de poupança. Isso significa ainda no mínimo dois anos de consumo muito fraco nos Estados Unidos, ou mesmo cadente. Sem ele o mundo não terá condições de se recuperar de forma estável. Este ponto foi realçado pelo presidente Obama na reunião do G-20: o mundo não deve mais contar com os EUA para ser o consumidor de última instância, declarou ele de forma corajosa.
De modo geral, o fim do ciclo de consumo nos EUA implica que a economia mundial não vai mais operar como nas últimas duas décadas. Parcela importante do hub industrial asiático, concentrado na China e servido por importações de matérias primas e maquinário sofisticado de outras regiões do mundo, precisará ser reconfigurado em função de níveis menores de demanda por alguns anos. Mas isto vai levar tempo e depende de mudanças nas estratégias de crescimento de grande número de países, especialmente da China. São mudanças de rumo que demandam tempo e muito esforço por parte dos governos nacionais.
Por isto as incertezas devem dominar por um bom tempo as expectativas dos agentes econômicos.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário