segunda-feira, 13 de abril de 2009

''Medidas radicais têm efeito colateral nas campanhas''

Wilson Tosta
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Analista critica ideia de financiamento público exclusivo e sugere vetar doação de quem presta serviço ao Estado

Proibição de doações de quem presta serviço ao Estado, punição dura para políticos e empresários e fiscalização por amostragem. Esses são os remédios recomendados pelo cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj), para ao menos reduzir irregularidades em doações eleitorais. O problema voltou ao debate nacional com a Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, que investiga supostas ilegalidades em doações da empreiteira Camargo Corrêa.

Estudioso de sistemas eleitorais e de financiamento de campanha de diferentes países, o pesquisador é contra o financiamento público exclusivo de campanha. "Quase sempre que se tenta tomar medidas muito radicais com relação a financiamento de campanha, gera-se um efeito colateral." Eis a entrevista:

Mais uma vez, estamos diante de um escândalo envolvendo doações de campanha. Como o senhor analisa essa situação?

Na verdade, o financiamento da política é um problema que afeta basicamente todas as democracias. Os partidos estão perdendo a contribuição de pessoas físicas, militantes, ativistas, que foram, até os anos 60, 70, dependendo do país, a principal fonte de financiamento da política. É resultado da crise que os partidos estão vivendo, de perda de filiados e de representatividade. No lugar dele, aparece o Estado, o governo, a criação de grandes subsídios e de programas gerais de financiamento estatal da política. Como as campanhas mundo afora começaram a ficar cada vez mais caras, o papel das corporações começou a ficar muito pesado no financiamento. No mundo inteiro há problemas de financiamento, escândalos.

Qual é a peculiaridade brasileira?

Acho que a gente não tem peculiaridade, não. O que a gente tem é um enorme desafio e não é solitário. Acho que todos os países hoje democráticos vivem o mesmo desafio: como controlar as finanças, os recursos, a influência do dinheiro na política? O Brasil não tem um sistema de financiamento de campanha terrível.

Não é tão ruim assim?

Ele tem alguns problemas. Mas tem pontos positivos. O acesso às informações no sistema do lado oficial, vamos dizer assim, é mais ou menos decente. Em boa parte dos países, o acesso a essas informações é complicado.

Que outros pontos são positivos?

A ideia de conferir um tempo de TV e rádio, um subsídio indireto para a campanha, é fundamental. Na verdade, o horário não é gratuito, porque é subsidiado pelos cidadãos, pelo não-recolhimento de impostos, então isso custa. E, bem ou mal, esse sistema gera um pouco mais de equilíbrio entre os competidores. O cenário seria muito pior se os políticos tivessem de comprar horário eleitoral.

No caso concreto da Camargo Corrêa, é legítimo uma empresa que tem interesses em obras públicas financiar candidatos?

Essa é a grande fragilidade do sistema de financiamento de campanha no Brasil. Ele é totalmente dependente de dinheiro de grandes doadores. Em geral, não são pessoas físicas, mas empresas, grandes corporações. Está todo mundo viciado, dependente. E é muito difícil sair desse sistema. Esse é o ponto. A experiência de outros países é que, quase sempre que se tenta tomar medidas muito radicais com relação a financiamento de campanha, gera-se um efeito colateral.

Por exemplo?

Na França, criaram uma lei muito restritiva para financiamento de empresas. Criaram tetos, botaram limites de gastos. Simplesmente o dinheiro passou a ser dado por fora. O que seria mais razoável (no Brasil)? Simplesmente proibir empresas que tenham convênios, participam de licitações, de obras com o Estado, de doar recursos. Deveriam ser proibidas. Mas isso significa o quê? Que isso pode empurrar muitas dessas doações para o caixa 2. Agora, para muitas empresas, significará que vão ter medo.

O financiamento público não é opção viável?

O financiamento público exclusivo eu leio como uma dessas decisões radicais. Tem algumas coisas positivas. No geral, deve reduzir a corrupção média. Também deve tornar a campanha mais equânime, com menos concorrentes. Mas tem um problema. Não é garantia de que o caixa 2 acabe. Pode levar os competidores a buscar mais dinheiro por fora. Segundo, se não tiver um sistema rigoroso de controle de gastos, o que acontece? Simplesmente vai gerar um sistema de corrupção com dinheiro público violento. Com nosso sistema eleitoral atual, o número de partidos e candidatos que a gente tem, é quase impossível fiscalizar essas contas.

Existe algum país com financiamento público exclusivo?

Não. No máximo, misto ou um subsídio público. Mais importante que o financiamento público é um sistema de fiscalização e punição. Por que, por exemplo, no caso do mensalão, todos disseram que era recurso para campanha? Porque não há punição severa para caixa 2.

Dá para pensar em novo financiamento sem reforma política?

Parece-me razoável imaginar que o sistema de financiamento público exclusivo está muito associado a uma mudança do sistema eleitoral para lista fechada. O problema é que a gente não tem um sistema de punição para quem é pego, seja no caixa 1 ou 2, as pessoas não têm medo. Pelo contrário, se elas forem pegas em escândalo justificam dizendo que era dinheiro irregular para campanha. E não tem um sistema efetivo de fiscalização. Por exemplo, no ano que vem, independentemente de mudar o sistema eleitoral, (deveriam) criar um sistema de fiscalização pesada por sorteio. Sorteiam-se alguns políticos, digamos, 100, 200, e vai-se fiscalizar o sistema de prestação de contas. E mude-se a lei, de modo a criar um sistema de punição pesada para os desobedientes. O que significa isso? O partido pode ter os votos anulados, governador cassado, perda de mandato, perda do fundo partidário. Os políticos têm de ter medo de desobedecer à lei, de pegar dinheiro no caixa 2.

Jairo Nicolau é doutor e mestre em Ciência Política pelo IUPERJGraduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal FluminenseEspecialista em assuntos relativos a eleições, sistema partidário e reforma política

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