segunda-feira, 21 de maio de 2012

Euro: com o povo ou sem o povo?:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Uma das coisas que aprendi foi entender a diferença entre pensar a economia de um país com o povo e sem ele. Esta é uma das fontes mais importantes das falhas analíticas em tempos de crise, como vive hoje a chamada zona do euro. Digo isso ao leitor do Valor por experiência própria e não apenas por avaliar erros de terceiros. A crise na Europa é um caso clássico desse conflito quando o povo, via eleições, entra na equação da economia. Certamente por isso, ela está sendo tão longa e dramática e a definição de um caminho de saída, tão difícil.

Uma das características mais importantes da experiência do euro foi a construção de um sistema monetário simples em sua lógica - o câmbio fixo - e que parecia fazer sentido nos momentos eufóricos de sua criação em 1999. O câmbio fixo pode assumir várias formas, fracas ou fortes. As mais fortes são: o chamado Currency Board - quando uma moeda é lastreada em ouro ou em outra moeda com credibilidade - e a união monetária. Nesta, há um compromisso legal e, em tese, irrevogável, de partilha de uma mesma moeda e a adoção de uma política monetária comum, via um Banco Central único.

A união monetária sob o euro iniciou-se com a fixação da paridade entre as moedas nacionais em termos do ECU (a unidade cambial europeia), e que em seguida foi convertida no euro, na razão de 1 para 1. As taxas de conversão para o ECU foram fixadas a partir de estudos e recomendações da Comissão Europeia e, em tese, refletiam o poder de compra relativo entre as moedas naquele momento. Por exemplo, quando o euro foi criado o marco alemão valia nos mercados de câmbio o equivalente a 1,96 por ECU, o franco francês 6,56 e a lira italiana 1.936. No caso da Grécia, cuja paridade foi fixada dois anos depois, a relação era de 340,75 dracmas por ECU.

Não vejo outra saída para a Europa, se não um redesenho da região, com a redução do numero de países.

Nos anos que se seguiram, cada uma dessas economias trilhou seus caminhos junto com seus povos, mas a relação com o euro não mudou. Se a moeda alemã ainda existisse hoje, operadores do mercado avaliam que sua paridade com o dólar deveria estar próxima a 80 centavos de marco. Para os alemães, seria uma valorização de quase 40% em relação ao patamar atual do euro.

Como seria a eficiente e forte economia alemã com uma taxa de câmbio a 80 centavos por dólar americano? Como sobreviveria sua indústria, que tem nas exportações sua grande fonte de vigor e eficiência? Essas observações permitem avaliar o enorme benefício que o euro, com sua banda de países de economia mais fracas, representa para os países de economias mais fortes como Alemanha, Holanda e, por que não, a França.

O outro lado da mesma moeda é o impacto que o euro, com sua parcela importante do marco alemão, têm sobre a economia grega. Certamente o valor implícito da dracma no mercado de hoje seria pelo menos equivalente à potencial valorização do marco alemão, com o sinal trocado. Sendo isso verdade, o "euro grego" ou o "novo dracma", se existisse, deveria valer hoje algo como duas unidades por dólar.

Esse é o maior problema associado à moeda única e que foi levantado por vários técnicos e políticos quando da criação do euro. Trata-se, na sua essência econômica, de um problema de competitividade e de desequilíbrio no balanço de pagamentos dos membros mais fracos. Na sua vertente política, esse problema se transforma em conflitos redistributivos e qualidade de vida ao longo do tempo. A longa história do chamado padrão ouro e dos regimes de câmbio fixo é riquíssima em exemplos de como eles tendem a acabar mal. O que estamos vendo hoje na Europa é certamente um caso limite, dada a complexidade das diferenças das economias e nações envolvidas.

Nas eleições na Grécia em junho dificilmente esse tipo de argumento será utilizado pela sua complexidade e dificuldade de ser explicitado, mas do ponto de vista econômico ele é real e conhecido por muitos. Certamente as mensagens políticas na campanha eleitoral vão ser mais simples e dramáticas por razões óbvias e o essencial será deixado de lado.

Pessoalmente não vejo outra saída, para a Europa, senão um redesenho da zona do euro, com a redução do número de países que o adotam como sua moeda nacional. Para os outros, um processo organizado de saída, com um programa complexo e abrangente de transição, precisa ser enfrentado. Afinal existem países na Europa que pertencem ao projeto político e mantêm suas moedas nacionais como a Suécia por exemplo.

Não me perguntem como fazer essa separação, pois não me sinto preparado para responder essa questão. Mas com tempo e uma decisão política clara não tenho duvidas que a Europa encontrará os mecanismos para que a correção de rumo funcione e devolva à região um clima de normalidade econômica, política e social. Talvez esse passo definitivo na Europa não possa ser tomado agora pois os mercados estão à beira de um ataque de nervos e ainda não existe sequer um consenso entre as lideranças europeias de que este é o único caminho viável.

Com o tempo os europeus vão se convencer que as lições de outras experiências e o drama dos últimos anos em seus próprios domínios não permite outra solução.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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