Faltam cinco meses para as eleições, e o quadro é o seguinte. A presidente da República tem forte popularidade. Mas seu partido, o PT, parece ter poucas chances na competição pelas principais capitais. Está fora de cena no Rio e talvez Belo Horizonte. Já em Porto Alegre e São Paulo, pela primeira vez desde que existe o segundo turno (1988), até corre o risco de ficar fora da final.
Como conciliar dados assim antagônicos, um favorável e outro contrário ao PT? Comecemos notando que esse cenário desmente os comentários que ouvimos de adversários figadais: tucanos, que acusam o governo federal de mexicanizar o país, querendo abolir toda oposição; petistas, que se regozijam de ver a oposição minguando e já anunciam sua extinção. Nenhum deles tem razão. É verdade que muitos, inclusive eu, pensamos que a principal oposição, a que o PSDB comanda, com apoio do DEM e PPS, está sem muito projeto ou rumo. Mas ela tem votos. Pode ser que, se voltar ao poder, não saiba bem o que fazer. Só que uma parte razoável dos eleitores está disposta a votar nela. Ou seja, nem a oposição morreu, nem o Brasil vai ter um partido só. Como sempre, o exagero não é bom conselheiro.
Mas, com todos os riscos que implica uma previsão a quase meio ano das eleições, o que o quadro atual indica para nossa política? Primeiro, que a popularidade presidencial não se traduz automática ou integralmente em votos. Lula foi o presidente mais popular de nossa história, pelo menos desde que esse dado importa - isto é, desde que o povo passou a ser ator em nossa política, o que não aconteceu no Império, na República Velha ou na ditadura militar. Mas, de cada cem cidadãos que o aplaudiam no final de mandato, quarenta não votaram em sua candidata, no primeiro turno, e quase trinta escolheram o rival dela na decisão das eleições. De lá para cá, Dilma superou a frieza com que o povão a recebeu de início e ainda lhe somou o respeito da classe média e rica, granjeando um nível elevado de respeito. Parabéns. Mas isso se traduz em votos? Não é óbvio.
Em que prefeituras o PT estará apostando em 2010?
Continua havendo uma estranha política em nosso país. Por um lado, o PT governa, na escala federal - mas a partir de um único cargo, o maior da estrutura política brasileira, porém ainda assim solitário: a Presidência da República. Com um vice que não é confiável, isso significa depender demais de uma só pessoa, Dilma Rousseff. O PT é tudo e pode tornar-se quase nada.
Por outro lado, as forças políticas minoritárias, que não conseguem afrontar a presidência, mostram os músculos nos Estados e municípios. Mais nos Estados do que nas cidades. Aliás, muitos municípios de tamanho médio passaram para o PT estes anos. Graças à Presidência da República ele as conquistou, à medida que políticas as mais variadas - sociais, econômicas, universitárias - beneficiavam cidades que, antes, se sentiam abandonadas. Mas o PT avançou pouco no plano dos Estados. Hoje ele, que é fraco nos três maiores PIBs, governa o quarto e o sexto, Rio Grande do Sul e Bahia. Mas em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, nem chega ao segundo turno.
Uma razão para o semi-isolamento do PT é sua característica de partido que, sem ser extremista, está num dos polos da política brasileira. Ele foi para o centro desde que ganhou a Presidência, em 2002 - mas ninguém com algum peso está à sua esquerda. Por isso, ele não pode jogar um lado contra o outro. O PSDB pode aliar-se com o PMDB ou o DEM. Só não namora o PT. Já este não pode se aliar com o PSDB ou o DEM. Só lhe resta, dos partidos grandes, o PMDB, a agremiação menos definida do país. O próprio PSD, ao dizer seu fundador que não é de direita, de centro nem de esquerda, se mostra um PMDB mais explícito que o original em sua vagueza. Daí que o PT só ganhe eleições quando a polarização das coisas o coloca como finalista, e o êxito de suas políticas no âmbito respectivo cai bem junto aos eleitores. Por isso, ele perdeu governos que conquistara - Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Por isso, conservou o governo federal e a Bahia. Um esgotamento de material o levou à derrota em Porto Alegre, até então sua vitrina, e dificulta sua volta ao poder naquela cidade.
Felizmente, estamos longe do partido único. Mas o caminho do PT é curioso. Até 2002, muitos esperavam uma ascensão gradual do PT: prefeituras, Estados e, finalmente, a Presidência. Lula conseguiu inverter a ordem. Contudo, nas eleições para os Estados ocorridas desde então - 2002, 2006 e 2010 - o PT avançou pouco. Mas prospera nos municípios pequenos e médios (nem tanto nas capitais). No fundo, é aquela mesma estratégia com uma modificação. A mudança foi ter começado pela presidência, que governa a economia e é decisiva para programas sociais. Economia e sociedade afetam diretamente os municípios. Dizia Ulysses Guimarães: as pessoas não moram nos Estados ou na União, mas nos municípios. É neles que a ação do PT mais dá retornos. Na verdade, no Brasil, não sabemos bem o que são os Estados. Não são os componentes originais da Federação. Não foram eles que a criaram; foi ela que lhes deu autonomia. Desde a colônia, a força no Brasil é municipal. As competências legislativas das Câmaras, municipal e federal, são notórias. Já as assembleias estaduais têm menos a fazer. Talvez por isso, conquistar municípios seja uma boa estratégia de longo prazo. Consolida a presidência, dá apoio nas bases, prepara - um dia - a eleição de mais governadores, que são personagens importantes na política nacional, líderes em seus Estados mas, no fundo, afetam menos a vida das pessoas que um bom (ou mau) prefeito.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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