Em minha coluna
passada reafirmei a convicção de que não acredito no fim do capitalismo, apesar
de estarmos vivendo uma das crises econômicas mais graves da história da
humanidade. Esta afirmação, se feita há algum tempo atrás, poderia parecer uma
bravata. Vivíamos então sob o domínio dos analistas defensores da tese do FIM
DO MUNDO. Hoje essa posição já não goza do mesmo entusiasmo dos mercados e seus
principais defensores andam em baixa junto à mídia.
Mas uma nova ameaça
ronda a economia do mundo de acordo com uma segunda - e mais moderada - geração
de pessimistas. Segundo eles, vamos entrar em uma década de crescimento muito
baixo, principalmente no chamado mundo desenvolvido. Embora essa mensagem
esteja mais próxima da minha posição em relação ao futuro, não concordo com as
previsões de uma década perdida.
Aprendi durante minha
vida de analista algumas lições sobre as chamadas economias de mercado: a
primeira é que, sem uma regulamentação eficiente, os mercados acabam por criar
algum tipo de bolha de ativos. Com a ruptura dessas bolhas, seguem-se
desequilíbrios micro econômicos que acabam por desestabilizar a situação macro
de países ou mesmo de regiões inteiras.
Não estamos vivendo o
padrão histórico das recessões do passado e cabe refletir sobre as razões dessa
mudança
A segunda lição é que
existem mecanismos eficientes de ação dos governos para lidar com esses
desequilíbrios e evitar um mergulho na depressão econômica. Essas ações
permitem que seja reencontrado - mais adiante - o equilíbrio macro econômico
perdido. Historicamente esse período de ajuste é de cerca de 2 anos.
Ora, na crise atual
já estamos no quinto ano de um processo recessivo que atingiu todo o mundo
desenvolvido e, segundo os especialistas, mais dois ou três anos serão
necessários para atingirmos a normalização. Portanto não estamos vivendo o
padrão histórico das recessões do passado e cabe refletir sobre as razões dessa
mudança de comportamento.
Várias são as causas
dessa particular recessão que estamos vivendo. A primeira deriva do fato de que
a bolha especulativa de agora, ao atingir o mercado imobiliário americano,
afetou parte importante da maior economia do mundo e não apenas setores
emergentes, como foi o caso da bolha da internet que ocorreu no fim do século
passado. Em segundo lugar, pela dimensão desse mercado, as hipotecas
representavam parte importante dos ativos do sistema financeiro. Essa
qualificação é particularmente verdade no caso dos bancos de Wall Street,
depois que a criação dos derivativos de crédito transformou essas instituições
em agressivos participantes desse mercado. Por essa razão a crise financeira
que se seguiu foi muito mais forte do que as anteriores.
Em terceiro lugar,
esses títulos de crédito com garantia de hipotecas individuais, pela sua
liquidez e taxas de juros elevadas, acabaram fazendo parte da carteira de
ativos de instituições fora dos Estados Unidos, levando a crise para outros
sistemas bancários.
Por essas razões, o
estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, contaminou em extensão nunca
vista antes as economias do chamado G-7 e obrigou os governos desses países a
uma intervenção de dimensões inusitadas. Os déficits orçamentários que se
seguiram, nos Estados Unidos e nos países europeus, levaram a um crescimento
estratosférico das dívidas públicas nacionais, com a quase totalidade delas
superando o valor do PIB de cada país. Essa é a jabuticaba dessa crise e a
grande fonte de diferença em relação às experiências passadas.
Pressionados pelos
mercados os governos foram obrigados a reduzir seus desequilíbrios fiscais, mesmo
com a recuperação econômica ainda frágil, o que fez com que a trajetória de
normalização do passado não esteja ocorrendo agora. Mesmo nos Estados Unidos,
onde a maior confiança na sua moeda e no valor dos títulos do governo tem
permitido um ajuste mais suave do déficit - da ordem de 1,5% ao ano - a pressão
deflacionista sobre a economia tem levado a um crescimento anêmico de menos de
2% ao ano. No caso da Europa, principalmente nas economias mais frágeis e de
maior risco de crédito, essa situação de anemia da economia, por conta de um
ajuste fiscal mais rápido, é ainda mais grave. Não por outra razão, a recessão
já é muito mais forte do que nos Estados Unidos e deve se estender por pelo
menos mais dois anos.
Apesar dessa situação
mais complexa que vivemos hoje acredito que, principalmente nos Estados Unidos,
chegaremos a um novo período de crescimento sustentado. A agressividade da
política monetária do Fed - outra jabuticaba de agora - vai permitir essa
recuperação mesmo durante o período de ajuste do déficit fiscal. Na Europa o
reencontro com o crescimento será mais lento e, principalmente, menos
homogêneo. As dúvidas sobre a viabilidade de uma união monetária entre países e
sociedades tão diferentes são reais e não têm uma resposta ainda.
Mas se esse quadro de
recuperação lenta, mas sustentada, no G-7 permear as mentes de investidores,
principalmente das empresas, poderemos ter uma retomada do investimento a
partir de 2013. Isso será mais consistente no mundo emergente que ainda
representa um dos poucos bolsões de demanda forte no mundo de hoje.
Luiz Carlos Mendonça
de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest
Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Fonte:
Valor Econômico
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