segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O mensalão - Paulo Brossard


Creio não exagerar se disser que a semana passada se pode denominar de histórica. Depois de longa caminhada, observadas as formalidades legais, o Supremo Tribunal Federal, absolvendo alguns, condenando outros, aliás, em maior número, vencera a fase mais importante de ação criminal, instaurada pelo procurador-geral da República contra 38 pessoas acusadas de delitos vários. Do processo se disse ser o maior da história da Corte; maior ou não, considerando sua repercussão por envolver individualidades de colarinho branco, seria apropriada a denominação. Bastaria lembrar que a simples leitura da peça acusatória absorveu duas sessões... mas, fugindo a pormenores, embora ilustrativos, vamos logo ao que interessa agora.

A ação penal 470 foi batizada de "mensalão", seria uma mensalidade destinada a aquinhoar parlamentares que assegurassem a maioria parlamentar ao governo. Os milionários meios de pagamento não possuíam origem clara, mas contavam com a participação de mais de um banco. Só esses dados seriam sobejos para a maior repercussão nacional e internacional, pois, até onde sei, não havia precedente de empreendimento semelhante. De mais a mais, o então presidente da República, senhor Luiz Inácio, pela televisão, chegou a pedir desculpas à nação pelo fato de seu partido estar envolvido na demoníaca empresa.

Curiosamente, após algum tempo, o então chefe do governo e do Estado desconversou e terminou negando pura e simplesmente a existência do fato, antes reconhecido e confessado. O mais chocante é que algumas personalidades da cúpula do partido que governa o país e do próprio governo foram identificadas como protagonistas da inacreditável traficância e viriam a ser denunciadas pelo procurador-geral da República, passando a compor os trinta e tantos réus do "mensalão". O choque, para não dizer o escândalo sesquipedal, escandalizou o país inteiro.

Mas sou obrigado a breve digressão. Embora o maior número não duvidasse do formidável e inédito fenômeno, só um número reduzido esperava consequências correspondentes à extraordinária e alarmante ocorrência. Parece que uma névoa de irresponsabilidade associada a uma dose de cansado ceticismo respondiam por esses desesperançados.

Para ser ter uma ideia dessa realidade quase hospitalar, observo que a revista semanal inglesa The Economist, de prestígio internacional, registrou que "em agosto, depois do início das audiências, pesquisas de opinião revelavam que, embora 80% acreditassem nas acusações, somente 10% pensavam que qualquer um dos acusados acabaria na cadeia. Julgando por sua despreocupação, os acusados também pensavam assim".

Eis senão quando, em votos exaustivos, as condenações foram aparecendo e se tornando majoritárias, e, como seria natural, as absolvições em menor número também foram registradas. O inesperado, como um raio, mudou a fisionomia do país. O impossível passou a possível. O incrível virou plausível. Mas ainda restava uma razão para a dúvida, uma vez que o antigo ministro da Casa Civil, tido e havido como cardeal leigo do partido e do governo, permanecia denunciado, mas sem julgamento. Não tenho condições de defini-lo, mas, pelo que tenho ouvido a seu respeito, o ministro José Dirceu não é pessoa para papel secundário.

Basta dizer que a ele se referindo o procurador-geral da República não hesitou em dizer que era "o chefe da quadrilha". Pois bem, na derradeira sessão, encerrando a relação dos indivíduos suscetíveis de condenação com o seu nome, foi encerrado o rol dos apenados. A condenação se deu por 8 votos contra 2. Há quem pense que, se unânime, talvez não fosse tão expressiva. Oito a dois.

Não tinha eu razão em falar em semana histórica porque históricas as decisões condenatórias, do menos qualificado ao mais portentoso dos guerreiros?

Enfim, na minha opinião, o Brasil mudou. Talvez fosse preferível dizer, à moda do velho Machado de Assis, o Brasil pode vir a mudar e, talvez, para melhor?

*Jurista, ministro aposentado do STF

Fonte: Zero Hora (RS)

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