Creio não exagerar se
disser que a semana passada se pode denominar de histórica. Depois de longa
caminhada, observadas as formalidades legais, o Supremo Tribunal Federal,
absolvendo alguns, condenando outros, aliás, em maior número, vencera a fase
mais importante de ação criminal, instaurada pelo procurador-geral da República
contra 38 pessoas acusadas de delitos vários. Do processo se disse ser o maior
da história da Corte; maior ou não, considerando sua repercussão por envolver
individualidades de colarinho branco, seria apropriada a denominação. Bastaria
lembrar que a simples leitura da peça acusatória absorveu duas sessões... mas,
fugindo a pormenores, embora ilustrativos, vamos logo ao que interessa agora.
A ação penal 470 foi
batizada de "mensalão", seria uma mensalidade destinada a aquinhoar
parlamentares que assegurassem a maioria parlamentar ao governo. Os milionários
meios de pagamento não possuíam origem clara, mas contavam com a participação
de mais de um banco. Só esses dados seriam sobejos para a maior repercussão
nacional e internacional, pois, até onde sei, não havia precedente de
empreendimento semelhante. De mais a mais, o então presidente da República,
senhor Luiz Inácio, pela televisão, chegou a pedir desculpas à nação pelo fato
de seu partido estar envolvido na demoníaca empresa.
Curiosamente, após
algum tempo, o então chefe do governo e do Estado desconversou e terminou
negando pura e simplesmente a existência do fato, antes reconhecido e
confessado. O mais chocante é que algumas personalidades da cúpula do partido
que governa o país e do próprio governo foram identificadas como protagonistas
da inacreditável traficância e viriam a ser denunciadas pelo procurador-geral
da República, passando a compor os trinta e tantos réus do
"mensalão". O choque, para não dizer o escândalo sesquipedal,
escandalizou o país inteiro.
Mas sou obrigado a
breve digressão. Embora o maior número não duvidasse do formidável e inédito
fenômeno, só um número reduzido esperava consequências correspondentes à
extraordinária e alarmante ocorrência. Parece que uma névoa de
irresponsabilidade associada a uma dose de cansado ceticismo respondiam por
esses desesperançados.
Para ser ter uma
ideia dessa realidade quase hospitalar, observo que a revista semanal inglesa
The Economist, de prestígio internacional, registrou que "em agosto,
depois do início das audiências, pesquisas de opinião revelavam que, embora 80%
acreditassem nas acusações, somente 10% pensavam que qualquer um dos acusados
acabaria na cadeia. Julgando por sua despreocupação, os acusados também
pensavam assim".
Eis senão quando, em
votos exaustivos, as condenações foram aparecendo e se tornando majoritárias,
e, como seria natural, as absolvições em menor número também foram registradas.
O inesperado, como um raio, mudou a fisionomia do país. O impossível passou a
possível. O incrível virou plausível. Mas ainda restava uma razão para a
dúvida, uma vez que o antigo ministro da Casa Civil, tido e havido como cardeal
leigo do partido e do governo, permanecia denunciado, mas sem julgamento. Não
tenho condições de defini-lo, mas, pelo que tenho ouvido a seu respeito, o
ministro José Dirceu não é pessoa para papel secundário.
Basta dizer que a ele
se referindo o procurador-geral da República não hesitou em dizer que era
"o chefe da quadrilha". Pois bem, na derradeira sessão, encerrando a
relação dos indivíduos suscetíveis de condenação com o seu nome, foi encerrado
o rol dos apenados. A condenação se deu por 8 votos contra 2. Há quem pense
que, se unânime, talvez não fosse tão expressiva. Oito a dois.
Não tinha eu razão em
falar em semana histórica porque históricas as decisões condenatórias, do menos
qualificado ao mais portentoso dos guerreiros?
Enfim, na minha
opinião, o Brasil mudou. Talvez fosse preferível dizer, à moda do velho Machado
de Assis, o Brasil pode vir a mudar e, talvez, para melhor?
*Jurista, ministro
aposentado do STF
Fonte: Zero Hora (RS)
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