Há um fantasma nos ares da Europa: uma ultradireita que veio para ficar algum tempo
PARIS - Foi bonita a festa da noite de domingo na Bastilha, em comemoração da vitória do socialista François Hollande.
Para um brasileiro, então, acostumado à apatia da pátria, o simples fato de se conseguir lotar um espaço público tão amplo já é uma proeza. Aliás, estamos mais habituados a festas cínicas -aqui mesmo em Paris, não é mesmo, Sérgio Cabral?- do que a festas cívicas como a dos eleitores de Hollande.
Do meu ponto de vista, a beleza foi fornecida menos pela euforia dos socialistas -previsível, depois de 17 anos sem ganhar eleição presidencial- e mais pela presença de negros e árabes, atrás de bandeiras de países como Marrocos e Costa do Marfim.
Que tenham podido exibi-las -e exibir-se- é formidável, depois de uma campanha em que a xenofobia, o ódio ao imigrante, a islamofobia ganharam patente de corso ao saltar da retórica da extrema direita para o discurso do chefe de Estado, o presidente Nicolas Sarkozy.
Meu medo, no entanto, é que as bandeiras e as cores da imigração tenham que continuar encolhidas porque a extrema direita veio para ficar no panorama político europeu, pelo menos até que a crise dê uma folga.
Hollande só ganhou de Sarkozy porque 2,147 milhões de eleitores votaram em branco e/ou anularam o voto, supõe-se que seguindo a orientação de Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional. A diferença entre o vencedor e o presidente-candidato foi de magro 1,131 milhão de votos.
Hollande teve 18 milhões de votos em 46 milhões possíveis, o que dá 39%, porcentagem que não chega a ser consagradora, ainda mais em um momento de crise aguda que exige firme adesão ao líder.
A julgar pelas pesquisas, não se trata de um fenômeno passageiro: todas as pesquisas para as eleições legislativas de junho dão empate técnico, na altura dos 30% das intenções de voto, entre o PS e a UMP (União para um Movimento Popular, a direita clássica, que outrora via na ultradireita um adversário, não um interlocutor como agora).
Quem realmente ganha votos, na comparação com a legislativa anterior (2007), é justamente a Frente Nacional, que pula de 4,3% para 18%.
Tome-se agora o caso grego, em que os nazifascistas da "Aurora Dourada" (lindo nome para ideias tão sórdidas) saltaram dos 0,29% de 2009 para 7% agora -e tem-se um cenário alarmante.
O fato é que o tecido político-partidário europeu está sendo corroído de forma assustadora pela crise e pela fuga do eleitor para propostas extremistas ou exóticas (o Partido Pirata na Alemanha conseguiu no domingo entrar em um terceiro Parlamento regional).
Ponha agora na contabilidade político-social uma pesquisa do instituto Ipsos feita na própria noite eleitoral que mostrou que 46% dos franceses acreditam que a situação econômica vai se degradar e 28% acham que ficará igual -e está bem ruim- ante apenas 26% que esperam melhoras. Pronto, você tem o terreno adubado para que a festa da Bastilha seja apenas uma flor de primavera. Pena.
Fonte: Folha de S. Paulo
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