Pela primeira vez desde que foram atacados pela presidente Dilma Rousseff em cadeia nacional por causa dos juros altos e dos spreads, os bancos se pronunciaram. O economista-chefe da federação dos bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, disse, em relatório divulgado ontem, que o setor não pode garantir aumento da oferta de crédito, como deseja o governo, para assegurar o crescimento econômico. Sardenberg alfinetou, no mesmo texto: "Alguém já disse que você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber a água." Procurados, interlocutores de Dilma retrucaram: "Você não pode obrigar um cavalo a beber água, mas ele também pode morrer de sede."
Briga de "cavalo" grande
Federação de bancos põe em dúvida estratégia de Dilma no crédito. Governo reage
Roberta Scrivano, Martha Beck
SÃO PAULO e BRASÍLIA - Uma semana depois de terem se transformado em alvo da artilharia da presidente Dilma Rousseff para reduzir os juros, os bancos reagiram. Na véspera do Dia do Trabalho, a presidente foi à TV no horário nobre e criticou a "lógica perversa" do sistema financeiro, chamou de "roubo" as tarifas cobradas para administrar fundos de investimento e pediu queda urgente das taxas cobradas a consumidores e empresas. Ontem, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), enfim, se pronunciou. E não hesitou em apelar para a metáfora:
"Alguém já disse que você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber a água", escreveu Rubens Sardenberg, economista-chefe da federação, que divulgou ontem um relatório e pôs em dúvida a eficácia das medidas oficiais para estimular a concessão de empréstimos e aquecer a economia. Interlocutores da presidente Dilma reagiram com ironia ao relatório. Ao ouvir a frase, um técnico rebateu:
- Você não pode obrigar um cavalo a beber água, mas ele também pode morrer de sede.
Para a Febraban, não há garantia de uma "ampliação significativa da oferta de crédito doméstica" nos próximos meses, apesar do cenário de queda acelerada da taxa básica de juros, a Selic. Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que "o crédito não está crescendo a contento" e que os "bancos são um pouco resistentes".
Intitulado "Informativo Semanal de Economia Bancária", o relatório é o resultado de uma consulta feita pela própria Febraban junto aos bancos sobre as principais estimativas dos bancos. No texto divulgado ontem, não há menção sobre a pressão do governo. O texto de Sardenberg diz que "a mudança nas regras da poupança funcionou como estímulo adicional para o mercado trabalhar com a expectativa de novos cortes na Selic". Mas, em seguida, pondera que a "questão que se coloca agora é até que ponto essas reduções (de juros e da remuneração da poupança) vão estimular a ampliação da oferta de crédito". Para a Febraban, o país vive hoje um paradoxo econômico, que funciona como obstáculo para os objetivos do Planalto. "A piora dos indicadores, especialmente os externos, abre espaço para quedas adicionais dos juros básicos, mas ao mesmo tempo parece impor uma cautela adicional aos agentes econômicos".
Desgaste com lista de reivindicações
Os dados de inadimplência nos empréstimos, que se refletiram nos balanços do primeiro trimestre dos grandes bancos, preocupam os banqueiros em relação ao aumento da concessão do crédito. Há ainda outro fator, que é a expectativa de a Selic voltar a subir em 2013, o que também inibiria a expansão das carteiras. "É possível criar condições mais favoráveis à expansão do crédito reduzindo as taxas básicas, mas uma ampliação efetiva das operações passa por uma postura mais agressiva, tando dos emprestadores como dos tomadores de crédito, que por sua vez depende de expectativas econômicas mais otimistas".
Pela pesquisa que acompanha o relatório, os bancos reduziram sua projeção para a expansão da carteira de crédito neste ano: de 16,6%, no levantamento feito no mês passado, para 16,2%. Quanto à trajetória da Selic, 59,3% dos economistas consultados pela Febraban esperam que a taxa básica de juros (em 9% ao ano) volte ao patamar de 10% em dezembro de 2013.
Para a equipe econômica, as taxas de juros atuais são incompatíveis com as condições de solvência da economia e deveriam se equiparar ao padrão internacional de taxa. Os bancos públicos foram escolhidos como ponta-de-lança dessa disputa. Só o Banco do Brasil já anunciou três mudanças de juros desde o mês passado.
Um fator adicional de estresse entre bancos e governo, segundo analistas, é o desgaste do presidente da Febraban, Murilo Portugal. Em reunião em abril, Portugal disse que a redução mais rápida das taxas de juros dependeria de vários outros pontos, como a queda da inadimplência e a redução dos compulsórios (dinheiro que os bancos têm de repassar ao BC). Para o governo, essa postura mostrou que os bancos não querem reduzir margens de lucro:
- Quem apresenta uma lista com duas demandas quer resolver um problema. Já quem apresenta uma lista com 23 não quer tratar de nada, apenas criar dificuldades - disse um interlocutor da presidente.
Portugal participou ontem de um seminário, mas não falou sobre juros. Procurada para comentar o relatório do seu economista-chefe, a Febraban disse que não se pronunciaria.
Oficialmente, o Planalto preferiu não comentar o relatório, mas reservadamente os técnicos destacam que, embora a presidente esteja travando uma queda de braço pela redução dos spreads, das tarifas e pelo aumento do crédito, ela sabe que não há como obrigar os bancos a fazerem isso.
- O que vai fazer os bancos agirem é o próprio mercado - disse uma fonte.
Fonte: O Globo
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