O Supremo Tribunal Federal (STF) está de volta ao centro da cena política. A decisão que seus ministros tomarem amanhã sobre a tramitação no Congresso do projeto que dificulta a criação de partidos terá forte impacto não só nas relações do Judiciário com o Legislativo, como também na eleição presidencial em 5 de outubro de 2014.
O tribunal decidirá sobre um projeto de lei em tramitação no Senado que retira dos novos partidos o direito de antena (horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão) e o acesso a recursos do fundo partidário. O projeto foi aprovado em tempo recorde na Câmara e era analisado com celeridade no Senado, quando o ministro Gilmar Mendes concedeu uma liminar suspendendo sua tramitação.
O ministro trancou o processo legislativo, quando só deveria intervir após a aprovação do projeto, segundo entendimento de grande parte dos advogados. Mas Gilmar Mendes entendeu que há um direito pétreo envolvido (o que trata dos direitos e garantias individuais na Constituição), portanto, tratava-se de matéria da competência do Supremo. E que a simples tramitação do projeto já causava dano às partes interessadas.
Liminar de Gilmar Mendes é rara, mas tem antecedentes
Esse seria o caso do Rede Sustentabilidade, partido que a ex-senadora Marina Silva tenta criar a tempo de disputar as eleições de outubro de 2014 (ela precisa estar filiada um ano antes, até 5 de outubro deste ano, para entrar na disputa eleitoral). O dano seria a desmobilização dos militantes encarregados de coletar as quase 500 mil assinaturas necessárias para a criação do novo partido.
Gilmar também admitiu como "amici curiae" no mandato de segurança contrário à tramitação do projeto, de autoria do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), a própria Marina, o senador Pedro Taques e o deputado Carlos Sampaio, do PSDB. Significa que todos poderiam (o que não ocorreu) fazer sustentação oral no Supremo. A decisão causou surpresa especialmente no Palácio do Planalto, onde se acredita que a decisão pode transformar o Supremo na "terceira Casa legislativa", além do Senado e da Câmara.
O interesse do Palácio do Planalto é inegável. Advocacia-Geral da União é parte em defesa da tramitação do projeto. Mas pelo menos num primeiro momento, pode-se afirmar que Marina e os demais interessados na decisão foram vitoriosos quando o Supremo decidiu que ela, o senador e o deputado poderiam atuar como "amici curiae", ou "amigos da Corte" - pessoas que podem auxiliar o tribunal, mas não têm os mesmos poderes do advogado constituído.
Além de Marina, que tem 16% de intenção de votos do eleitorado, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada no sábado, têm interesse na decisão do Supremo o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT), empenhado na criação do partido Solidariedade, o PPS e o PMN, que se fundiram para a criação do MD, e os presidenciáveis Aécio Neves (14% no Datafolha) e Eduardo Campos (6%), governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB.
Para Marina, Aécio e Campos quanto maior for o número de candidatos a presidente, maior será a possibilidade de a eleição de 2014 passar para o segundo turno. As últimas três eleições presidenciais foram para o segundo turno, mas nem por isso o candidato da oposição (José Serra, duas vezes, e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB) venceu a disputa. Ao contrário, até perdeu votos de um turno para o outro. Até agora, só Fernando Henrique Cardoso precisou de apenas um turno para vencer.
Em relação a 2014, o PT quer liquidar a eleição presidencial no primeiro turno. Não por acaso o partido trabalha para ter na coligação os partidos que integram a ampla base aliada do governo no Congresso. Até o PTB de Roberto Jefferson, autor da denúncia do mensalão. Se não for possível levar o "direito de antena" do PTB, os petistas apostam na divisão do partido e que o tempo de rádio e televisão da sigla não vá para Eduardo Campos ou Aécio Neves. Sem Marina fica mais fácil para a presidente Dilma Rousseff (51% no Datafolha) liquidar a fatura no primeiro turno. A eleição pode ficar também sem Eduardo Campos, se o PT tiver sucesso em minar sua base partidária, como vem fazendo.
A concessão da liminar por Gilmar Mendes foi considerada um "absurdo" por advogados e o governo federal. Mas não é inédita. Sob a atual Constituição, há pelo menos dois antecedentes, ambos concedidos pelo ministro Marco Aurélio Mello. O primeiro pedia suspensão da revisão constitucional, em 1983. O segundo, a paralisação da reforma da Previdência, em 1996. Nos dois casos, Marco Aurélio foi depois derrotado no plenário do Senado.
Um profissional do ramo fez as contas da "Batalha dos Portos" e chegou à conclusão de que os números não confirmam a tese segundo a qual o governo não negociou com os congressistas.
Na conta do especialista, entre o texto original da medida provisória do governo e o que voltou aprovado pelo Congresso houve 55 alterações. Dessas, 45 foram sancionadas pela presidente Dilma Rousseff. Entre essas, aquelas propostas negociadas com os trabalhadores, para citar um exemplo.
Os números indicam que 4/5 das alterações foram objeto de negociação, o que desmentiria as declarações de que o governo foi inflexível na discussão da MP dos Portos. É certo que o Planalto entrou na discussão convencido de que não eram negociáveis alguns pontos, como aquele que diz ser da União o poder concedente. Se fosse para abrir mão de poder, não haveria porque baixar a medida provisória.
Durante a "Batalha dos Portos" houve 20 votações nominais na Câmara. Em todas elas o encaminhamento dado pelo governo saiu vitorioso. Dessas 20 votações, em sete o PMDB, segunda maior bancada da base de sustentação da presidente Dilma, fez o encaminhamento oposto ao do governo. Por essa e por outras é que a coordenação política do governo se considera profundamente vitoriosa: no mérito, no enfrentamento com o flanco dissidente da própria base do governo e na tese de que o governo não tem uma articulação política eficiente.
Fonte: Valor Econômico
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