O Recife deu uma lição ao resto do País, ontem, levando dezenas de milhares de pessoas às ruas, que passaram sua mensagem de insatisfação, sem violência. Houve apenas incidentes isolados. O mesmo não pode ser dito de outras capitais, onde houve confronto. Em Brasília, grupo tentou invadir e tocar fogo no Palácio do Itamaraty. No Rio, pancadaria geral. Carro do SBT foi incendiado, houve saques e muita confusão, fato que se repetiu em várias cidades. Até às 23h30, clima continuava tenso.
Uma nação de extremos
Um dia em que o Brasil parou. Um dia de guerra e paz, de vandalismo e cidadania. A onda de protestos que tomou conta do País há duas semanas produziu, ontem, cenas tão distintas que nem pareciam ter sido registradas em um movimento que se propõe a passar a nação a limpo. Uma nação de extremos. No Recife, o grito de revolta encheu de cores e indignação o Centro. O protesto, que entrou para a história da cidade, reuniu 52 mil pessoas, segundo cálculos da PM. Um mar de gente formado por todos os tipos, idades, raças e classes sociais. Pessoas que faziam questão de expressar a opinião e a reivindicação, impressas em faixas e cartazes. Uma voz maciça das ruas que atendeu à convocação e seguiu em paz, condenando, quando podia, atos de grupos mais exaltados e tentativas de atentados ao patrimônio e à integridade física. No início, tudo transcorreu como manda o figurino. Jovens vaiaram vândalos e aplaudiram a polícia, que recebeu flores e retribuiu o gesto. Depois, apareceram os infiltrados, comandando arrastões e provocando prisões, em confrontos ocorridos na dispersão, depois que a maioria dos manifestantes já tinha ido para casa. Mas nada que conseguisse manchar a festa cívica popular. Muito diferente das cenas lamentáveis registradas em Belém (PA), Rio de Janeiro, Ribeirão Preto (SP), onde ocorreu a primeira morte desde o início dos distúrbios, Vitória (ES) e, sobretudo, Brasília, que virou praça de batalha. Saíram da capital federal as imagens mais absurdas de todo o processo, deflagrado por causa dos valores de passagens de ônibus e que tomaram rumo difuso. Quase incompreensível. O princípio de incêndio no prédio do Itamaraty manchou profundamente uma data tão especial para todos os brasileiros.
Um Galo da Madrugada de cidadania
As 52 mil pessoas, segundo estimativa oficial, fizeram o Centro do Recife viver um dia parecido com o do famoso desfile
Um Galo da Madrugada pela cidadania. Um dia em que o Marco Zero do Recife foi, por uma tarde, a Avenida Agamenon Magalhães, na altura do Derby, área central. A cidade toda se encontrou ali. De lá rumou e fez da Avenida Conde da Boa Vista passarela da indignação. Em torno de 52 mil vozes nas contas da Polícia Militar (PM) - e mais de 100 mil na visão dos organizadores - bradaram por de tudo um pouco. De várias cores e tendências, foram unânimes em abraçar a bandeira do pacifismo. A maratona sem vandalismo, no entanto, não escapou de cenas indesejáveis. Gangues espalhadas pela marcha promoveram arrastões, tumulto e correria. O saldo, contudo, foi positivo, sobretudo quando contrastado com a violência que marca protestos Brasil afora.Os primeiros manifestantes começaram a chegar ao Derby no início da tarde. Gritaram palavras de ordem. A metralhadora vocabular tinha alvos definidos: a presidente Dilma Rousseff e o governador Eduardo Campos.
Foi por volta das 16h que a multidão iniciou a passeata ocupando toda a Conde da Boa Vista. Em poucos minutos, o mar de gente lotou a avenida. Sem uma pauta definida, as pessoas carregaram nos milhares de cartazes um emaranhado de críticas. O manifesto foi contra o preço abusivo das tarifas de ônibus, a falta de incentivo na educação, a precariedade da saúde pública, a PEC 37 (que limita a atuação do Ministério Público em investigações criminais), o deputado federal e líder evangélico Marco Feliciano, a corrupção, os gastos excessivos com as competições internacionais a serem disputadas no Brasil, a criação de 28 novos municípios em Pernambuco, a seca, a transposição do Rio São Francisco, a falta de mobilidade urbana no Grande Recife, os problemas com alagamentos e mais um punhado de coisas.
Em frente à Igreja Universal, houve um coro de vaias. Pouco depois, adolescentes subiram no teto de uma banca de revista e foram vaiados pelos manifestantes. Gestos que fugiam do tom pacífico do movimento eram logo reprimidos. "A gente não pode depredar nossa cidade. Mas sempre tem gente para fazer o que não deve", reclamou a estudante Nathália Costa, 22.
A Polícia Militar, estrategicamente com uma braçadeira branca contendo a palavra "paz", recebeu flores de manifestantes. Numa das horas em que o Hino Nacional foi cantado, PMs ajudaram no coral. "Eles estão protestando, e não anarquizando. O que eles estão pedindo a gente pede também", resumiu a soldada Midian Pontes, do 17º Batalhão. Na Avenida Marquês de Olinda, seis homens da Companhia Independente de Policiamento com Motocicleta (CIPMoto) pediram passagem ao povo e foram aplaudidos. Retribuíram buzinando.
A falta de foco e a ausência de um líder geraram indefinição no final. A marcha ficou pulverizada após a chegada ao Marco Zero. Parte dispersou, outros foram até a Assembleia Legislativa, alguns queriam protestar em um Palácio do Campo das Princesas que está em obras e um grupo remanescente acabou na porta da prefeitura. Eles lançaram duas bombas no prédio, estilhaçaram janelas e foram afugentados pelo Batalhão de Choque.
O balanço da Secretaria de Defesa Social revelou 30 ocorrências, entre arrastões, agressões, ameaças e roubos, com 28 pessoas detidas. Nos tumultos, algumas pessoas caíram no chão, mas não houve feridos graves. Novo protesto está sendo marcado para as 16h de hoje, no mesmo local.
Fonte: Jornal do Commercio
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