Quarenta e oito horas separaram o anúncio da aliança entre a ex-senadora Marina Silva e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do recrudescimento de manifestações nas duas maiores cidades do país. É óbvio que ninguém saiu para protestar contra o pacto dos ex-ministros de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas está claro que, sendo Marina o único pré-candidato a ter militantes na muvuca, seus movimentos não ignorem o que se passa nas ruas.
O primeiro sinal é de que não pretende desperdiçar o capital político acumulado pela campanha de 2010 e por sua versão molotov. O dueto que chega a sugerir uma definição postergada da cabeça de chapa escancara essa pretensão.
Se é importante para o futuro eleitoral da aliança preservar o capital político de Marina, como a dupla deixou claro ontem na TV, o PSB parece atento aos riscos de que a aliada se transforme num cavalo de troia.
Aliança reivindica herança lulista até nas contradições
Eduardo Campos ganhou espaço junto ao empresariado por vender uma condução desideologizada da economia, mas a aliança com Marina reforça o apelo da origem política de esquerda do anfitrião. Marina traz verniz, mas o discurso busca deixar claro que a militância-nas-lutas-populares do governador a precede.
E a estratégia não se resume a reprisar a saga do engenho Cananeia. No ato de filiação, Marina já tinha começado a falar quando foi anunciada a entrada no auditório da deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), logo chamada ao palco pela ex-senadora.
Ao discursar em seguida, Campos não apenas homenageou Erundina como lembrou que ela havia entrado naquele auditório na companhia de Renata, sua mulher.
Se o governador trabalhava para ser um herdeiro recauchutado do lulismo, a entrada de Marina na chapa só reforça essa tendência. Até mesmo nas contradições.
Marina tinha uma constelação de símbolos da amorfia lulista para alvejar em seu discurso de estreia mas escolheu logo o chavismo. Foi no auge das relações de Lula com Hugo Chávez que foi gestada a refinaria Abreu e Lima, o general pernambucano que lutou ao lado de Simon Bolívar. A Venezuela nunca pôs um tostão lá e a Petrobras entrou sozinha no maior empreendimento industrial jamais feito no Estado.
O condomínio de contradições que ambos vão gerir a partir de agora tem seu valor pedagógico. Tivesse entrado em outra da miríade de legendas nanicas que se lhe ofereciam, Marina estaria mais exposta à acusação de que só a candidatura a presidente lhe move. Ao ingressar no PSB a ex-senadora faz uma inflexão na rota que percorre desde que deixou o PT.
Não há dúvidas de que o insucesso eleitoral da empreitada acelerará a retomada do Rede. Mas a aposta no PSB é o reconhecimento de Marina de que o insulamento de seu projeto não o faria avançar. No máximo, como já disse em discurso, seria a mais curtida e cutucada ex-candidata que o país jamais teve.
A surpresa da aliança não desmerece o dote que vinha sendo preparado por Campos desde 2010, quando começou a falar pra quem quisesse ouvir que a votação de Marina, inclusive na cidade onde mora, que lhe deu 36,7% dos votos, era a maior lição das urnas. O governador levou o candidato de Marina em Pernambuco para ser seu secretário e dele fez seu emissário em sucessivos e frustrados gestos de aproximação. Nenhum deles parece ter sido tão eficaz quanto aquele que levou o PSB a contestar no Supremo o cerceamento a criação do Rede.
Marina, a exemplo de Lula, começou a falar de si na terceira pessoa. Juntou-se ao político cujo tino mais rivaliza com o ex-presidente. Essa dupla reencarnação de Lula tem pela frente a difícil montagem de um condomínio eleitoral regado a vinagre.
A saída do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) da aliança de Campos-Marina é um só o começo da disputa pelo agronegócio, o setor empresarial que tradicionalmente mais se expõe nas campanhas eleitorais.
A articulação, que precede o PSB vitaminado, foi posta em curso pelo ex-presidente Lula com vistas a reaproximar Dilma do empresariado no final deste governo e preparar terreno para um segundo mandato que se quer mais azeitado nesta relação.
A estratégia que estava em curso ganhou fôlego com o apelo redobrado que os dois ex-ministros, ambos com avançadas relações em nichos do capital, passaram a ter.
A articulação lulista passa pela filiação de empresários que possam servir de ponte do governo junto aos seus pares. O PMDB é o partido escolhido.
Começou pela filiação de José Batista Júnior, do grupo Friboi, que estava para fechar com o PSB e acabou levado pelo PMDB com a promessa de candidatura ao governo de Goiás. O cordão sanitário do agronegócio se estende ao vizinho Tocantins, com a adesão da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (TO) também ao PMDB e chega a São Paulo onde Maurílio Biagi, filiado ao PR, é cogitado para vice do ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
A rede (empresarial) se estende à indústria com Josué Gomes da Silva, o presidente da Coteminas levado por Lula ao PMDB. Ex-presidente e sucessora têm outros planos para o filho de José Alencar. Vice não traz voto. Os bons ajudam na composição partidária e na articulação política. Outros são escolhidos a dedo para sanar lacunas do titular. Assim fez Alencar, na vice de Lula. Seu filho parece ter outro destino.
Ministro mais próximo da presidente Dilma Rousseff, o titular do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, é líder nas pesquisas para o governo de Minas. Tem 12 anos de administração tucana a enfrentar no Estado em que o senador Aécio Neves vai jogar seu futuro na política. A chapa de Pimentel tem arestas a aparar com o PMDB, mas não parece ser esta a vocação de Josué ou a necessidade dos petistas.
Uma e outra parecem conspirar para colocar o presidente da Coteminas no lugar do ministro-candidato.
Fonte: Valor Econômico
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