sábado, 6 de setembro de 2014

Alberto Carlos Almeida: Não é fácil perder uma reeleição

- Valor Econômico – Eu & Fim de Semana

Desde 1936, somente três presidentes americanos que disputaram uma reeleição foram derrotados. Naquele ano, Franklin Delano Roosevelt foi reeleito pela primeira vez. Ele viria a disputar novamente com sucesso o cargo de dirigente máximo dos EUA duas vezes, em 1940 e em 1944. A reeleição era então permitida sem limite para o número de mandatos. O sucesso avassalador de Roosevelt fez com que a reeleição passasse a ser limitada a somente uma vez. Roosevelt morreu no cargo e Truman assumiu, disputou a reeleição em 1948 e venceu.

A lista daqueles que disputaram com sucesso a reeleição é longa: Dwight Eisenhower (1956), Lyndon Johnson (1964), Richard Nixon (1972), Ronald Reagan (1984), Bill Clinton (1996), George W. Bush (2004) e Barack Obama (2012). Os presidentes pós-Roosevelt que não conseguiram se reeleger foram Gerald Ford (1976), Jimmy Carter (1980) e George H. W. Bush (1992). O placar foi de 11 a 3: de todos que disputaram uma reeleição, 11 saíram vitoriosos e três foram derrotados. Ou seja, em mais de 73% das disputas nas quais alguém disputava a reeleição, venceu aquele que ocupava o cargo. Essa enorme assimetria está devidamente incorporada nos modelos estatísticos de previsão de resultados eleitorais, conferindo-se maior probabilidade de vitória a quem disputa a reeleição.

No Brasil, Fernando Henrique foi reeleito em 1998 e Lula, em 2006. Nos dois casos, vitória folgada: FHC ganhou no primeiro turno e Lula venceu com aproximadamente 20 pontos percentuais de vantagem no segundo turno.

No parlamentarismo, em que o voto não é na pessoa de um líder, mas em um partido, a reeleição também é mais frequente. Apenas para lembrar alguns casos: Tony Blair disputou e venceu duas reeleições; na Alemanha, o chanceler Helmut Kohl foi reeleito três vezes, seu sucessor, Gerard Schroeder, foi reeleito uma vez (e perdeu uma) e, mais recentemente, Angela Merkel foi reeleita duas vezes. De volta ao presidencialismo, mas ficando na Europa, perder uma reeleição é tão mais raro do que sair vitorioso. Em 2012, Nicolas Sarkozy foi o primeiro presidente da França a perder uma reeleição nos últimos 30 anos.

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Um dos objetivos da reeleição é permitir que o governante dê continuidade a iniciativas e projetos que precisam de tempo para que sejam consolidados. Na atual campanha eleitoral no Brasil, Dilma fala das vantagens dos 12 anos que compreendem os dois governos Lula e seu governo. Essa fala de Dilma só é possível por causa da reeleição. Marina e Aécio - Marina mais do que Aécio - citam virtudes dos governos Fernando Henrique e Lula. Isso só é possível por conta da reeleição. Muitos analistas chamam atenção para o amplo consenso existente, tanto em termos de política econômica quanto na política social. É evidente que a continuidade possibilitada pela reeleição teve um papel central para a formação desse consenso.

Tão importante quanto isso é a perspectiva do eleitor. Para ele, é mais fácil julgar o desempenho de um governo quando aquele que o representa disputa a reeleição. Quando um governante é amplamente aprovado, seu destino mais provável é ser reeleito. Isso aconteceu com Aécio em Minas Gerais em 2006 e com Sérgio Cabral no Rio de Janeiro em 2010. Parte importante do atual discurso de campanha de Aécio na eleição presidencial se deve à possibilidade que ele teve de dar continuidade ao trabalho iniciado em 2002, quando foi eleito pela primeira vez governador de Minas.

Há indícios fortes de que a combinação entre reeleição e Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é benéfica ao país. A LRF é clara quanto às punições aos governantes que não a cumprem. O instituto da reeleição, porém, estabeleceu um incentivo bastante concreto para que todos se tornassem responsáveis no uso dos recursos públicos. Quando não havia reeleição, era possível endividar o estado ou município de maneira catastrófica porque o problema cairia no colo do sucessor, que não seria o mesmo governante que teria gerado o endividamento. Maluf é o exemplo clássico desse comportamento.

A possibilidade de se reeleger fez com que os políticos que ocupam cargos executivos passassem a governar considerando a necessidade de não gerar dívidas para si próprios e, ao mesmo tempo, fazer coisas que atendessem às demandas do eleitor. A pressão sobre os governantes aumentou: passaram a ter que gerar para o eleitor o bônus de atendê-lo, sem, contudo, passar para a frente o ônus de jogar uma imensa dívida sobre o eventual sucessor.

Os dados de pesquisas eleitorais revelam que, quando um governante disputa a reeleição, a taxa de conversão entre avaliação positiva e voto no governo é bem maior do que quando esse mesmo governante indica e apoia um sucessor. Em nossas eleições presidenciais, Fernando Henrique em 1998 e Lula em 2006 converteram aproximadamente 80% daqueles que avaliavam seus governos como "ótimo" e "bom" em votos para si próprios. Quando Lula fez campanha para Dilma em 2010, essa taxa de conversão foi de pouco mais de 60%.

A adoção da reeleição foi uma imensa reforma política que não levou esse nome. Ela alterou os incentivos na direção certa, facilitou a vida do eleitor e permitiu que políticas que exigem mais tempo para dar resultados passassem a ser adotadas com entusiasmo. Nem mesmo os eventuais aspectos negativos da reeleição foram suficientes para anular seus efeitos positivos para o sistema. Alguns consideram que a reeleição permite o uso desmedido da máquina pública, de maneira a criar uma grande assimetria em favor de quem a disputa. Todavia, de nada adianta ter a chance de se reeleger se a avaliação do governo não for suficientemente boa para fazer do governante o favorito. A eleição de 2014 nos estados deve comprovar essa afirmação.

A maior parte dos governadores que disputam a reeleição será derrotada. Apresentamos anteriormente, nesta coluna, um estudo de dezenas de eleições para governos de Estado, nas quais todos que disputaram a reeleição com mais de 46% de "ótimo" e "bom" foram vitoriosos. Foram derrotados todos os que tiveram às vésperas do pleito menos que 34% de "ótimo" e "bom". Se aplicarmos a regra para os governadores que hoje disputam a reeleição, vamos prever com facilidade (e com acerto) que a maioria será retirada do cargo pelo eleitor. A conclusão é simples: de nada adianta ter a máquina pública se o desempenho do governo for mal avaliado pelos eleitores. Alias, nesse caso, o melhor mesmo é ser de oposição.

Já há tempos venho mostrando nesta coluna que a avaliação "ótimo" e "bom" do governo Dilma a colocava em uma situação arriscada sob a perspectiva de ser reeleita. Afirmei inúmeras vezes que a avaliação do governo Dilma estava no limbo, isto é, qualquer piora da soma de seu "ótimo" e "bom" a colocaria no inferno, que é sinônimo de perder a eleição, e qualquer melhora nesse indicador a colocaria no céu, que é ser reeleita como fizeram Fernando Henrique, Lula e a grande maioria dos presidentes americanos.

A entrada de Marina na disputa eleitoral passou a exigir de Dilma uma avaliação "ótimo" e "bom" mais elevada do que seria a necessária para derrotar Aécio. O motivo é simples: Marina, como tem imagem pessoal semelhante à de Lula, como é considerada pelos eleitores "gente como a gente", que "entende os problemas dos pobres", é mais capaz do que Aécio de obter votos junto a quem avalia positivamente o governo Dilma. É o que está ocorrendo no momento.

Até o momento, a propaganda eleitoral de Dilma não fez com que a avaliação positiva de seu governo melhorasse. A mídia concorreu muito com a propaganda eleitoral e foi dominada, desde o início, na TV e no rádio, pela entrada de Marina na corrida presidencial. A vantagem de Marina sobre Dilma é grande e por isso a campanha de Dilma corre contra o tempo. O favoritismo está do lado de Marina. Seus atributos de imagem fazem com que ela roube eleitores que tenderiam a votar em Dilma. Os atributos de imagem de Dilma, porém, não permitiram até agora que ela conseguisse o mesmo junto aos eleitores oposicionistas que já decidiram votar em Marina.

Caso Dilma venha a ser derrotada, ela fará companhia, na galeria de presidentes que disputaram a reeleição, a Gerald Ford, Jimmy Carter e George H. W. Bush. Trata-se de um acontecimento raro.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".

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