- O Estado de S. Paulo
A "nova política" de Marina Silva é uma negação. Ela se afirma por oposição lógica à "velha política", negando características estruturais e conjunturais do sistema político brasileiro. Mais do que na verbalização clara do conteúdo dessa "nova política", é no simbolismo da imagem negadora do status quo que Marina constrói sua imagem e se fortalece na disputa contra rivais dotados de recursos materiais mais robustos. Todavia, é na falta de substância - ou de uma positivação - de sua proposta que residem suas fragilidades.
A negação estrutural se dirige contra o presidencialismo de coalizão. Ao afirmar que governará com os melhores, independentemente das agremiações em que estejam e permitindo-se até listar nomes, Marina nega de uma só vez os partidos (substituídos por pessoas), as coalizões (substituídas por apoios difusos) e a classe política profissional (substituída pelos "melhores"). Numa síntese notável, diz: "O problema é que essas pessoas estão no banco de reservas, e as pessoas que foram às ruas em junho de 2013 vão escalar uma nova seleção".
Há, porém, um segundo problema derivado do primeiro. Se os "melhores" estão no banco de reservas, é porque não foram eleitos. E, se não forem eleitos, não poderão apoiar as iniciativas governamentais no Congresso.
Hoje, partidos de adesão como PMDB, PP, PSD, PR, PTB, SDD e PROS perfazem 56% da Câmara e pouco mais de 50% do Senado. O maior deles, o PMDB, é uma agremiação que escolhe para seus líderes no Legislativo personagens como Renan Calheiros, José Sarney e Eduardo Cunha. Figuras elencadas por Marina entre os "melhores", como Pedro Simon, são francamente minoritárias - tanto que não conseguem eleger outros "melhores" para liderarem-nos. A situação não é melhor no PR de Valdemar Costa Neto e no PTB de Roberto Jefferson. Haverá na próxima legislatura uma proliferação de "melhores" no Congresso, elegendo-se uma maioria afeita ao perfil de aliado buscado pela candidata? Improvável.
Uma opção pode ser a de não construir uma coalizão no Congresso, tornando-se um governo minoritário e negociando pontualmente com partidos e políticos, mesmo não sendo os "melhores". Não é o caso de comparar Marina a Collor e Jânio, como fez o PT em sua propaganda. Tal comparação é injusta, pois a trajetória política da candidata é muito distinta da seguida por aqueles. Mais correto seria compará-la com Luiza Erundina, que hoje coordena sua campanha.
Ao se eleger prefeita de São Paulo, em 1988, Erundina foi questionada sobre a formação de uma coalizão. Respondeu: "Não, isso não está em cogitação, embora a gente pretenda convidar outras forças, que possam colaborar conosco, mas não em termos de uma coalizão e compromissos mais formais". Quase seis anos depois, encerrado seu mandato, declarou: "Meu maior erro na Prefeitura foi não ter composto uma coalizão logo no primeiro dia de governo". As imensas dificuldades enfrentadas por Erundina na relação com a Câmara Municipal fizeram-na mudar de ideia.
PT, PSDB e a polarização por eles constituída encarnam conjunturalmente o status quo negado pela "nova política". Nos últimos 20 anos, construíram coalizões ao estilo tradicional: cedendo cargos, liberando verbas, promovendo as trocas de partidos e compondo com os "piores" de adesão, que eram a maioria disponível. E deverão continuar sendo, acrescidos ainda de PT, PSDB e seus próprios "piores".
Como então fazer uma "nova política" com velhos políticos? Atropelar o Congresso, como fez o presidente equatoriano Rafael Correa em seu primeiro mandato, não parece ser a opção de Marina, líder de estilo diferente do agressivo bolivarianismo de Correa, Chávez e Morales, dados ao atropelo da institucionalidade que estiver no caminho.
Já ficou claro o que a "nova política" não seria. Falta dizer positivamente - e de forma crível - o que será.
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