segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Financiamento de campanhas eleitorais, o pomo da discórdia

• Sistema misto, com dinheiro público e doações de empresas, agrada à maioria do Congresso

Nonato Viegas – O Dia – 22/02/2015

RIO - O financiamento das hoje milionárias campanhas eleitorais promete se transformar no centro das discussões da reforma política em gestação na Câmara dos Deputados. Apontada pela presidenta Dilma Rousseff como a ‘reforma das reformas’, a mudança no sistema eleitoral brasileiro corre o risco, no entanto, de ficar bem distante dos anseios do Palácio do Planalto.

Motivo: hoje, a proposta com mais chances de ser bem sucedida é a capitaneada pela maioria dos partidos e, em especial, pelo PMDB do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que prevê o financiamento misto — público, com recursos do Fundo Partidário; e privado, com doações de empresas e pessoas físicas.

A proposta enfrenta resistências do PT. O partido da presidenta encampou projeto de iniciativa popular — idealizado pela OAB, CNBB e outras cem entidades civis —, que defende o financiamento público puro das campanhas eleitorais. A avaliação é que a possibilidade de doação por empresas privadas é a origem dos crimes investigados hoje pela Operação Lava Jato.

Sem maioria para aprovar o financiamento público na Câmara, o PT conta também com o “apoio” dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 6 a um, o Supremo votou pela proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais e a partidos políticos. A votação ainda terá de ser concluída para que a nova regra entre em vigor.

Por isso, os favoráveis ao financiamento misto correm contra o tempo para aprovar a nova forma de bancar as campanhas eleitorais na Câmara, antes da decisão final do Supremo.

O financiamento público e privado das campanhas eleitorais está em duas propostas em tramitação no Congresso _ uma delas é Emenda à Constituição, que precisa de 308 votos do total de 513 para ser aprovada, em dois turnos de votação. Os projetos serão analisados pela recém-criada comissão da Reforma Política, que tem como presidente o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A expectativa do presidente Eduardo Cunha é que a proposta vencedora seja aprovada até setembro, prazo legal para que possa ser aplicada nas eleições de 2016.

A questão do financiamento de campanha, entretanto, não é a única capaz de gerar contendas. Entre as principais alterações na atual legislação, está a adoção do voto em lista fechada. Defendido pelo vice-presidente da República, Michel Temer, o chamado “distritão” prevê a eleição apenas dos deputados e vereadores mais votados. Hoje, funciona assim para senadores, prefeitos, governadores e presidente _ cargos majoritários.

Para os defensores do “distritão”, a medida evitará que os que têm votações expressivas, como o palhaço Tiririca (PP-SP), levem para o Congresso outros candidatos, com poucos votos, a seu reboque. “Acho que alguém que não recebe voto para ser eleito não representa ninguém”, diz Rodrigo Maia.

Não é como pensam as organizações da sociedade civil. “Se juntar financiamento privado com “distritão” só serão eleitos os candidatos que representam o dinheiro”, rebate o advogado Aldo Arantes, secretário da Comissão Especial para Mobilização da OAB.

Reforma política em discussão

  • Fim do voto obrigatório e adoção do voto facultativo
  • Fim da reeleição com mandato de cinco anos para presidente, governadores e prefeitos
  • Fim das coligações nas eleições proporcionais (de deputados federais, estaduais e vereadores)
  • Financiamento privado e público
  • Unificação da data das eleições para presidente, governador e prefeito
  • Adoção do “distritão”, onde são eleitos os deputados e vereadores mais votados


Rodrigo Maia: ‘A experiência mostrou que a reeleição é ruim’

Quais pontos são prioritários para comissão da reforma política?
— A mudança do sistema eleitoral para a escolha de deputados e vereadores, para o chamado 'distritão'; o financiamento de campanha, que eu acho que estabeleceremos alguma restrição, para impedir empresas que tenham contrato com o governo; o fim da reeleição; e o limite de gastos no período eleitoral.

Sobre o fim da reeleição: a ideia é aumentar um ano de mandato?
—Pode ser que sim ou não. Pessoalmente acho que em quatro anos dá pra fazer bom governo. Nem sempre houve reeleição e nem sempre os mandatos eram de cinco anos. O que tem de ser pensado é que hoje os partidos vencem já preocupados com a reeleição.

O antigo PFL, hoje DEM, esteve com o Fernando Henrique Cardoso,na PEC da reeleição.
—Sim, apoiamos, mas a experiência mostrou que é ruim.

O projeto de iniciativa popular, proposto pela OAB, CNBB e outras cem entidades da sociedade civil, estabelece o financiamento público. A comissão de reforma política, porém, quer garantir o financiamento privado. Não é ir contra a vontade popular?
—Acredito que não. Acho que a restrição de empresas que têm contrato com o governo já atende ao desejo da sociedade civil. A participação do setor privado deixará de estar atrelada ao interesse de retorno financeiro e passará a ser ideológico. Não há maioria para aprovar financiamento público.

Outro ponto de discordância é o 'distritão' (em que são eleitos para o Legislativo os mais votados).
—A OAB não entende mais de política do que a gente. Nem foi eleita para representar a vontade popular. Eles podem contribuir, mas não serão os únicos. Pessoalmente, defendo o voto distrital, mas creio que não passe. De qualquer forma, o ‘distritão’ será um passo a frente. Embora nada seja perfeito, será um avanço. Repito: o Legislativo foi eleito pela população para representá-la. Do contrário, viramos uma Venezuela e acabamos com a representatividade.

Um Legislativo onde só entrarão os mais votados não excluirá as minorias do Congresso?
—Não acredito nisso. O Lindberg, por exemplo, foi eleito pelo PSTU com 50 mil votos. Nunca mais o PSTU elegeu alguém.Não sei se uma pessoa que receba poucos votos seja de fato representante de alguém. Acho que o distritão garantirá a representação de todos, desde que se tenha voto.

Haverá referendo da população sobre o que for decidido?
— Ainda não há nada fechado. Isso é para a comissão de reforma política e o plenário decidirem depois.

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