segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Maria Alice Setubal - Da retórica aos resultados

• O século 21 exige que o Brasil prepare seus estudantes para participar de uma sociedade complexa. É isso o que esperamos deste governo

- Folha de S. Paulo

No momento em que um novo ano letivo se inicia, com um novo ministro afirmando que a prioridade de sua gestão será a qualidade da educação no Brasil, é fundamental que a sociedade brasileira tenha maior clareza de que um sistema educacional de qualidade exige muito mais do que os resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) podem mostrar.

Estudos apontam como componentes que contribuem para a qualidade da educação a formação e qualificação dos professores, gestão por resultados com metas e expectativas de aprendizagem, currículo e material didático diversificado, acompanhamento personalizado dos estudantes, uso de novas tecnologias e a participação dos pais.

No entanto, são as diferentes combinações dessas dimensões e, sobretudo, o modo de implementá-las, que faz com que algumas redes alcancem qualidade e outras não.

A complexidade da questão educacional pode ser evidenciada pela dificuldade de encontrar parâmetros comuns entre os dez países mais bem colocados nas avaliações do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), para além da prioridade da educação e da valorização dos professores.

No Brasil, passamos a atribuir, a comparar e a classificar a qualidade das redes de ensino e das escolas brasileiras a partir dos resultados do Ideb. Apesar do avanço do índice, ele é um indicador composto pelas notas de língua portuguesa e matemática da Prova Brasil e pelas taxas de aprovação, reprovação e abandono escolar do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio.

Ou seja, não estamos medindo condições vitais para a qualidade da educação como as diferenças na infraestrutura física das escolas, sua localização e tamanho, a qualificação dos docentes e diretores, além do currículo e da ausência de avaliação das demais disciplinas e séries. Isso sem mencionar o clima escolar e a capacidade da escola em preparar seus alunos.

É, portanto, reducionista comparar o Ideb de um município com menos de dez escolas com os resultados dos sistemas de ensino de grandes cidades e metrópoles, com diversidade e complexidade maiores.

Ou, então, colocar no topo do ranking redes que alcançam melhores resultados em decorrência de processos de seleção, que acirram as desigualdades ao excluir parcelas mais vulneráveis da população.

A qualidade tem que estar estreitamente relacionada com equidade. O Brasil precisa alcançar um nível básico de qualidade da educação para todas as crianças e jovens.

As diversidades regional, cultural e educacional de um país com as dimensões brasileiras inviabilizam políticas únicas e rígidas para realidades tão distintas.

Se a prioridade é o ensino médio, é preciso ter um olhar sistêmico para levarmos em conta a qualidade dos ciclos anteriores e as diferentes necessidades e potencialidades de cada rede de ensino.

Não bastam políticas genéricas. Temos que analisar todos os aspectos que envolvem a educação. O mundo globalizado e o século 21 exigem que o Brasil prepare seus estudantes para participar de uma sociedade complexa e sustentável, baseada em valores como inovação, criatividade, autoria e trabalho colaborativo. É isso o que esperamos deste novo governo.

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Maria Alice Setubal, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência da República pelo PSB na eleição de 2014

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