• Como Gilberto Kassab se aproximou de Lula e do PT, tornou-se um aliado estratégico no Congresso - e agora quer se tornar o candidato a vice dos petistas em 2018.
Alberto Bombig e Leopoldo Mateus - Época
Fora! Fora! Uuuuuuuuuuuuuü!" O relacionamento entre Luiz Inácio Lula da Silva e Gilberto Kassab começou com uma vaia barulhenta. Em 10 de fevereiro de 2012, num centro de convenções em Brasília, comemoravam-se os 32 anos do PT. Kassab era prefeito de São Paulo e sofria forte oposição dos petistas na política municipal. Viam nele, além de um preposto do tucano José Serra no cargo, a síntese de todos os adversários do petismo no Estado. Kassab era egresso do DEM, tinha começado na política pela Associação Comercial e Industrial e sempre frequentara a alta sociedade. Era o exemplar perfeito, no entendimento dos petistas, da "elite conservadora paulistana". Daí os apupos. O constrangimento foi geral. Até líderes mais experientes, como o ex-ministro José Dirceu, ficaram incomodados. A justificativa oficial para a visita desastrada: Kassab estava lá como presidente do PSD, partido que ele fundara no ano anterior e que negociava apoio ao governo Dilma Rousseff. A verdade: o prefeito havia sido despachado ao evento por Lula.
O ex-presidente queria testar uma ideia entre os petistas: o apoio de Kassab a Fernando Haddad, o candidato de Lula e do PT a prefeito de São Paulo naquele ano. (Não deu certo. Kassab acabaria apoiando o tucano José Serra.) Na plateia, deputados, vereadores, senadores, prefeitos e militantes petistas se esgoelavam: "Fora, fora!" No palco, Kassab não movia músculo, como se não fosse o alvo das vaias. Recuperando-se do tratamento de um câncer, Lula havia permanecido em São Paulo e não viu a cena de perto. Informou-se do ocorrido pela imprensa e por alguns observadores fiéis. Dias depois, ele se reuniu com dirigentes do PT paulista contrários à aliança entre Kassab e Haddad. Esses dirigentes haviam deixado o centro de convenções convictos de que as vaias haviam sido fortes o bastante para mostrar a Lula o desastre da operação. Ouviram, com espanto, elogios de Lula a Kassab. "Que frieza, hein? Que disciplina! O Kassab resistiu de maneira brilhante", disse Lula.
Três anos depois do episódio das vaias, Gilberto Kassab é hoje o ministro das Cidades do segundo mandato de Dilma Rousseff. Virou uma das esperanças do governo do PT para superar suas crônicas dificuldades políticas. Kassab articula a ressurreição do Partido Liberal, o PL, que existiu na política brasileira até 2006. A ideia de Kassab, ao recriá-lo, é abrir uma janela para que parlamentares dispostos a aderir ao governo possam mudar de partido, sem perder seus mandatos. Estão na mira políticos do baixo clero, dependentes de cargos e de verbas públicas para se manter fortes em seus redutos.
É uma oportunidade para Kassab e para Dilma. Se der certo, o novo PL pode ajudar o governo a diminuir a dependência em relação ao PMDB, hoje o principal problema de Dilma no Congresso. E, se der muito certo mesmo, o que falta combinar com as águias do PMDB, Kassab projeta, mais à frente, fundir o PL com o PSD — e se tornar o candidato a vice na chapa presidencial do PT em 2018, principalmente se o candidato for seu novo amigo Lula.
A aproximação política entre Kassab e Lula começou por intermédio de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos governos de Lula. Filiado ao PSD, Meirelles sugeriu a Kassab que visitasse Lula enquanto o ex-presidente se tratava do câncer. No dia 4 de janeiro de 2012, Kassab apareceu no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Falaram animadamente sobre futebol. Quando a conversa derivou para as enchentes de verão em São Paulo naquele ano, Lula aproveitou a deixa para perguntar: "Você podia me ajudar a eleger o Haddad prefeito, né?". Em abril, mesmo com o fracasso da aliança em torno da candidatura de Haddad, Kassab voltou ao Sírio-Libanês para ver Lula. Os dois sorriram e posaram para fotos abraçados para mostrar que o desenlace não deixara mágoas. Um petista que acompanhou de perto as negociações naquele período define assim a afinidade entre Kassab e Lula: "São dois animais políticos, que fazem política 24 horas por dia e são muito sedutores no trato com aliados e até com adversários".
Depois de conquistar Lula, Kassab foi à luta para seduzir Dilma, conforme o combinado com Lula. Ainda em 2012, anunciou que o PSD não faria oposição a Dilma no Congresso. Tão logo saiu da prefeitura, em março de 2013, Kassab declarou apoio à reeleição de Dilma. Em junho, quando a onda de manifestações de rua derrubou a popularidade de Dilma, Kassab reiterou o compromisso. Desde então, não retrocedeu um milímetro, e Dilma passou a ver em Kassab um político leal, que entrega o que promete.
No final de novembro, Dilma chamou Kassab para conversar no Palácio do Planalto. Ela já havia sido informada de que Kassab queria ser ministro das Cidades, pasta que tem obras e verbas para atender às demandas de prefeitos, vereadores e associações de moradores. Pode ajudar no projeto de fortalecimento do PSD e de recriação do PL. No encontro, Dilma disse que adoraria contar com Kassab no governo, mas lamentava informar que o Ministério das Cidades
já estava prometido ao PMDB. Kassab fez questão de se mostrar lisonjeado com o convite. Respondeu que o PSD tinha muitos quadros bons para oferecer a Dilma, mas que ele, pessoalmente, só aceitaria se fosse para a pasta das Cidades. A presidente, conhecida pela intransigência, acabou cedendo. Lula a convencera da importância de ter Kassab na Esplanada, como forma de enfraquecer o PMDB. Os peemedebistas perceberam naquele instante que tinham arrumado um adversário no governo.
Logo no primeiro mês do novo mandato, Kassab pôde demonstrar a lealdade que jurara a Dilma. Na vitória de Eduardo Cunha, do PMDB, na disputa pelo comando da Câmara, Kassab e o PSD saíram derrotados porque apoiaram o petista Arlindo Chinaglia, o candidato de Dilma. Mesmo sabendo que o Planalto seria derrotado, Kassab decidiu permanecer firme ao lado de Chinaglia, como um "superdilmista, o aluno número um da escolinha", nas palavras de um petista.
Na falta de bons articuladores no PT, o aluno número um é visto como um dos poucos ministros com habilidade para lidar com o baixo clero do Congresso, hoje liderado por Cunha. O projeto de Kassab é que o PL seja criado em dois ou três meses, de modo que ele possa disputar as eleições municipais em 2016. Na criação do novo partido, Kassab se aproveita da experiência que adquiriu durante a formação do PSD. Ele está recolhendo assinaturas em todo o Brasil e tem como meta atrair 56 deputados. Ele terá, no entanto, de vencer um embate direto com Cunha. Diante da ameaça de Kassab vir a liderar uma grande banda do Congresso, Cunha aprovou o regime de urgência para a votação de um projeto de lei que impõe barreiras ao plano do ministro das Cidades. Pelo projeto, somente será permitida a fusão de partidos políticos que tenham obtido o registro no Tribunal Superior Eleitoral há pelo menos cinco anos. Se o contra-ataque de Cunha funcionar, Kassab até poderá criar seu novo partido, mas não aglutiná-lo ao PSD.
Embora controle, nos bastidores, todo o processo de formação do PL, Kassab não quer aparecer envolvido publicamente no processo. Teme que o desgaste com a criação do PSD no momento em que estava à frente da prefeitura de São Paulo se repita agora - ele saiu mal avaliado do cargo. Se o projeto do novo PL der certo, Kassab crescerá novamente na política sem precisar dos votos dos brasileiros. Sua última - e maior - vitória nas urnas ocorreu no já longínquo ano de 2008, quando se elegeu prefeito num pleito apertado contra Marta Suplicy. Na ocasião, impôs uma derrota dura ao PT, que disputava a reeleição. Hoje, muitos consideram Kassab mais petista que Marta.
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