segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Acordos de leniência feitos com CGU podem livrar empresas de punição, dizem auditores e procuradores

• Auditores de controle externo e procuradores de contas divulgaram nota para rebater advogado-geral da União

Vinicius Sassine – O Globo

BRASÍLIA - Acordos de leniência na esfera administrativa, a serem celebrados pela Controladoria Geral da União (CGU), podem livrar as empresas envolvidas na operação Lava-Jato de punições na esfera penal, como acusações na Justiça por crime de cartel, cobranças judiciais da multa de até 20% do faturamento bruto do empreendimento e proibições – também na esfera judicial – de novos financiamentos com dinheiro público. O alerta é de auditores de controle externo e de procuradores de contas, em nota divulgada neste domingo para rebater a defesa dos acordos feita pelo advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams.

O ministro divulgou no site da Advocacia Geral da União (AGU), no sábado, um vídeo em que sustenta que a leniência na esfera administrativa, a cargo da CGU, não provoca qualquer reflexo na esfera penal. "O acordo de leniência é uma solução para uma penalização administrativa, não tem nenhuma função na área penal, não isenta o criminoso, não impede a produção de provas. É um instrumento que na verdade potencializa a investigação", ressaltou Adams.

Para auditores e procuradores de contas, o argumento do advogado-geral da União está equivocado. "O acordo tem, sim, considerável repercussão penal, com a extinção da punibilidade do crime de cartel por ato administrativo, o que impede o Ministério Público de oferecer denúncia na esfera penal", citam as entidades na nota à imprensa. "No âmbito da Lei Anticorrupção, uma vez celebrado o acordo antes da ação do Ministério Público, fica o juiz impedido de aplicar multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto das empresas, assim como de proibi-las de receber benefícios fiscais e creditícios com dinheiro público", completa.

Assinam a nota os presidentes da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e da Associação Contas Abertas. Foi a partir de uma provocação dessas entidades que o procurador do Ministério Público junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira pediu a suspensão cautelar da celebração de acordos de leniência pela CGU.

A representação do procurador foi enviada ao presidente do TCU, ministro Aroldo Cedraz, na sexta. Ele concordou que os acordos na esfera administrativa podem atrapalhar as investigações do MPF e defendeu que a CGU só assine acordos depois de o MPF já ter assinado.

No dia seguinte à representação, o advogado-geral da União fez a defesa enfática do instrumento de leniência, que passou a ser previsto na Lei Anticorrupção, em vigor desde janeiro de 2014. Pela lei, a empresa passa a colaborar com as investigações, em troca de um alívio em sanções como multas e impedimento de novos contratos públicos e de novos financiamentos por bancos oficiais.

Os auditores e procuradores dizem ainda que o acordo de leniência não deve ser usado como instrumento para "salvar" empresas acusadas de atos ilícitos. "O órgão de controle interno do Poder Executivo da União não pode funcionar como 'enfermaria' de empresas acusadas de fraudar o Estado, pois, se assim o for, abre-se caminho para a formação de verdadeiro 'cartel de leniência'", afirmam as entidades na nota.

Duas empresas investigadas na Operação Lava-Jato já pediram formalmente a celebração de acordos de leniência na CGU. Uma delas é a Setal Óleo e Gás, que já assinou acordo junto ao MPF. A outra é uma das oito empreiteiras que passaram a responder a processos administrativos no órgão, vinculado à Presidência da República. A presidente Dilma Rousseff defendeu por duas vezes que se punam os executivos, e não as empresas.

Nas ações de improbidade administrativa protocoladas na Justiça na sexta, o MPF pediu o ressarcimento de danos e o impedimento de as empreiteiras firmarem novos contratos públicos. A proibição, porém, depende de uma decisão definitiva da Justiça, o que pode levar anos para ocorrer.

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