• 'Jornal de cinema' é uma coletânea de sobre a arte
Carlos Helí de Almeida – O Globo / Segundo Caderno
RIO - Quando chegou ao Distrito Federal, no final de 1969, para assumir a coordenação do departamento de Cinema da Universidade de Brasília, Vladimir Carvalho não gostou do que viu. Achou a cidade estranha, meio vazia de gente, uma paisagem inacabada e isolada do mundo. Não fosse o generoso salário, teria voltado para o Rio de Janeiro e insistido na função de repórter do “Diário de Notícias”. Mais de 40 anos se passaram, e o documentarista paraibano, que completou 80 anos em janeiro, continua lá, estabelecido como o grande cronista dos momentos mais marcantes da história política e social da capital federal, como o trágico bastidor da construção da cidade (“Conterrâneos velhos de guerra”) e a invasão da UnB pelos militares (“Barra 68”) durante a ditadura.
— Fui cativado pela cidade, e acabei sendo adotado por ela — confessa Carvalho, homenageado pelo festival É Tudo Verdade com uma retrospectiva de seus filmes, na qual lança, hoje, às 16h, na Livraria Blooks do Espaço Itaú, o livro “Jornal de cinema”, coletânea de seus escritos sobre a arte, ao lado de “A verdade de cada um”, antologia de textos de grandes documentaristas, organizado por Amir Labaki, diretor da mostra. — A gente acaba criando uma relação com o lugar onde vive, e este, por sua vez, alimenta seu trabalho. A curiosidade me levou a descobri o que está no entorno de Brasília, conhecido como Centro-Oeste.
Foi numa feira da cidade que ouviu gente contando os casos de humilhação, repressão e morte relacionados aos operários que ajudaram a construir a capital, recuperados em “Conterrâneos velhos de guerra” (1991). De tanto frequentar o Senado, na Esplanada dos Ministérios, acabou virando amigo do senador Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas, cuja carreira política é condensada em “O evangelho segundo Teotônio” (1984). No início dos anos 1980, Carvalho percebeu que havia um ruído novo na cidade e, inspirado nos relatos de seus alunos na UnB, registrou a efervescência da cena roqueira da capital, que resultou em “Rock Brasília — Era de Ouro” (2011), protagonizado pelos integrantes das bandas Capital Inicial, Legião Urbana, Plebe Rude e Paralamas do Sucesso.
Amir Labaki diz que Carvalho “é um dos maiores cineastas brasileiros”, e só não incluiu o paraibano na antologia “A verdade de cada um” para que o autor de “O país de São Saruê” (1971) brilhasse em seu volume solo, que conta com textos escritos a partir dos anos 1960. O livro organizado por Labaki reúne o pensamento de craques no gênero, como os poloneses Dziga Vertov e Krzysztof Kieslowski, os franceses Jean Rouch e Chris Marker, o americano Frederick Wiseman, o argentino Fernando Birri, o chinês Jia Zhangke e os brasileiros Eduardo Coutinho e João Moreira Salles.
— A ideia básica foi selecionar documentaristas marcantes na história do cinema que também contribuíram para a história da reflexão sobre o filme não ficcional. Documentaristas que são também pensadores do cinema — explica Labaki. — A seleção é exclusivamente de textos escritos pelos cineastas, sejam ensaios, artigos ou bases para palestras, excluindo-se entrevistas. Não é um livro para iniciados. Pelo contrário: é uma antologia de iniciação. É uma introdução à história do documentário pelas palavras dos que a protagonizaram e protagonizam. Apresento e contextualizo cada cineasta, além da introdução geral e das notas.
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