domingo, 19 de abril de 2015

Brasil silencia diante da repressão na Venezuela – Editorial / O Globo

• Obstáculos criados pelo governo de Nicolás Maduro para a aquisição de papel ameaçam várias publicações independentes. SIP cobra ação de países e instituições

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) voltou a soar o alarme esta semana: vários jornais tradicionais da Venezuela correm o risco de fechar, devido aos obstáculos que o governo de Nicolás Maduro cria para a aquisição de papel, matéria-prima desses veículos. A entidade, que reúne empresas de comunicação e monitora as violações de liberdade de imprensa no continente, já havia aproveitado a VII Cúpula das Américas, realizada no Panamá, para cobrar uma posição de organismos multilaterais, como Unasul, OEA e Mercosul, e nações da região, acusados de um constrangedor "silêncio cúmplice" ante o cerco à imprensa independente no país bolivariano.

Líder regional, o Brasil se apequena na defesa das liberdades, mantendo-se em silêncio, como um sócio fiel ao regime inaugurado por Hugo Chávez, enquanto a Venezuela, em grave crise, formata uma ditadura cruel. A omissão brasileira se estende às ações truculentas do Palácio de Miraflores, como a violenta repressão nos protestos do ano passado, que resultou em dezenas de mortes, e a prisão de líderes da oposição legitimamente eleitos. Observando-se o papel ativo do Itamaraty no episódio de suspensão do Paraguai do Mercosul, devido ao impeachment de Fernando Lugo em 2012, não é exagero aplicar à política externa brasileira o adágio: "Um peso, duas medidas."

No alerta, divulgado na última quinta-feira, a SIP menciona "El Correo del Caroní", "El Impulso", "El Carabobeño", "El Regional de Zulia" e "El Nacional" — este último associado ao Grupo de Diarios América (GDA) —, entre os jornais ameaçados. De acordo com a entidade, representantes desses títulos informaram que, sem acesso a papel, terão que encerrar a circulação de suas publicações já nas próximas semanas.

O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, o uruguaio Claudio Paolillo, foi preciso ao afirmar que, com o fechamento dos veículos, "se esvaem as poucas esperanças de que os jornais permanecem como bastiões da democracia" no país. Já a Mesa da Unidade Democrática (MUD, uma coalização de partidos sociais-democratas e marxistas que fazem oposição ao regime bolivariano) reforçou o alerta da SIP, ao entregar na sexta-feira à OEA um documento denunciando a deterioração da liberdade de imprensa, decorrente de "uma política de Estado de perseguição à dissidência"
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O cerco à imprensa independente venezuelana remonta ao governo de Chávez, que acusava os jornais críticos de seu regime de traidores e golpistas — ecoando a desgastada retórica anti-imperialista tão conspícua na fala de alguns líderes da região, como Rafael Correa, do Equador; o nicaraguense Daniel Ortega; além do próprio Maduro. Não é à toa que, no ano passado, Pablo López Hurtado, diretor do semanário "La Razón", afirmou ao GLOBO que "fazer jornalismo independente na Venezuela é um milagre".

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