• O Comperj, em Itaboraí, Já é um dos mais caros empreendimentos da indústria mundial de petróleo
José Casado, Bruno Rosa e Ramona Ordoñez – O Globo
Há cinco anos, eram 29 mil pessoas construindo um polo petroquímico, numa área 44 vezes maior que o Aterro do Flamengo. O projeto sucumbiu na voragem da má gerência combinada à corrupção. Restam menos de cinco mil operários no Comperj, em Itaboraí. Fazem manutenção da obra paralisada de uma refinaria, plantada em terreno com infraestrutura suficiente para uma grande central petroquímica. Já é um dos mais caros empreendimentos da indústria mundial de petróleo e deverá ser recordista em prejuízos por longo tempo.
— É extremamente cara, não existe refinaria que pague essa infraestrutura — confirmou a ex-presidente da Petrobras Maria das Graças Foster, em depoimento na Câmara três semanas atrás. Ela acrescentou: — Temos que nos acostumar com essa perda por alguns anos, e depois, quem sabe, voltar àquilo que a gente imaginava que seria dez anos atrás. Mas nós poderíamos ter feito e aprovado um projeto básico melhor. É um aprendizado.
Com 82% da obra concluída e sem prazo para começar a refinar o petróleo do pré-sal, a unidade de Itaboraí já consumiu mais dinheiro do que a refinaria Abreu e Lima (PE), em operação desde novembro.
Um mosaico de erros
A Petrobras comprometeu US$ 21,6 bilhões no Comperj e outros US$ 20,1 bilhões em Pernambuco, onde a capacidade de produção é 30% maior.
Gastou US$ 41,7 bilhões nessas obras durante o governo Lula, que partilhou a gestão da empresa entre aliados políticos.
Mês passado, a companhia expôs ao Tribunal de Contas da União (TCU) a dimensão do seu drama em Itaboraí. Retomar a refinaria, com a perspectiva de inaugurá-la em três anos, resultaria num prejuízo de US$ 14,3 bilhões. Desistir e abandonar esse projeto significaria um custo maior, cujo cálculo começa na impossibilidade de recuperar US$ 17 bilhões do investimento já realizado.
O que aconteceu? Atrás de respostas, equipes da Petrobras e do TCU atravessaram 2014 revisando métodos gerenciais e contas do Comperj.
Seus relatórios chegam a ser repetitivos ao compor um mosaico das decisões da diretoria comandada por José Sérgio Gabrielli (2005 a 2012) que levaram ao desastre em Itaboraí.
A comissão da Petrobras concluiu que “problemas de planejamento e de coordenação” podem ter facilitado a corrupção.
Entre abril e dezembro, ela vasculhou 30 dos maiores contratos. Encontrou decisões “sem prévia análise de riscos ou projeto básico”, e com “prazos irrealistas”; contratos “desnecessários”; seleção de empresas “sem qualificação ou experiência” e licitações “sem justificativa”.
Ao mesmo tempo, o TCU constatou “gestão temerária” no Comperj. Identificou projetos básicos “deficientes e sem avaliação dos riscos”, contratos com “sobrepreço/superfaturamento" e “ausência de controles efetivos" na empresa.
A comissão da Petrobras entrevistou 71 pessoas envolvidas na gestão: “Durante os trabalhos logo atraíram a atenção os relatos de pressões por prazo”. A coação partia das áreas de Abastecimento, comandada por Paulo Roberto Costa, e de Engenharia e Serviços, onde estavam Renato Duque e seu gerente Pedro Barusco — três dos réus em processos por corrupção na estatal.
A prioridade ao acessório
Costa, Duque, Barusco e mais nove executivos atropelaram cronogramas para priorizar o acessório em prejuízo do principal.
Contrataram a obra da primeira refinaria em fevereiro de 2010, mas só 30 meses depois, em agosto de 2012, foi feita a análise de riscos — preliminar em qualquer investimento.
Seguiram-se acordos “emergenciais”. Três deles somaram US$ 2,5 bilhões. Mas nenhum desses contratos foi cumprido na urgência requerida — uma obra com prazo de 1.079 dias só foi concluída 2.424 dias depois. As perdas, somadas, ultrapassam US$ 500 milhões, diz o TCU.
A má gerência fermentou a corrupção no Comperj, deixando um rastro de desemprego e destruição de riqueza em Itaboraí. A visão do estoque imobiliário encalhado, com shopping centers e mais de três mil imóveis vazios, dissemina perplexidade entre sindicalistas, corretores, desempregados e empresários como Marcos Paulo Pires e Silva, da Pousada do Trabalhador, que resumiu a questão ainda sem resposta:
— Como é que deixaram chegar a esse ponto?
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