• Pesquisa mostra que, se modelo tivesse sido usado em 2014, menos de 10% dos deputados ficariam fora
• "O distritão é uma solução para um problema que não existe" - Jairo Nicolau Cientista político da UFRJ
Alexandre Rodrigues – O Globo
A adoção do chamado distritão para a eleição de deputados federais, principal proposta do vicepresidente da República, Michel Temer, para tirar do papel a reforma política, não representaria uma renovação da Câmara nem alteraria substancialmente a atual configuração das bancadas na Casa. Um estudo do cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ que é especialista em sistemas eleitorais, mostra que, se o distritão tivesse sido adotado nas últimas eleições, a maioria dos atuais 513 deputados teria sido eleita. Apenas 44 teriam ficado fora, dando lugar a candidatos de outras legendas que, embora mais votados do que eles, não viraram deputados em 2014 porque seus partidos não atingiram a votação necessária no sistema proporcional para conquistar mais cadeiras.
O distritão também não reduziria a atual pulverização de partidos no Legislativo. Apenas duas das atuais 28 legendas perderiam representação na Câmara: PSDC e PTC. Para os grandes partidos, o benefício seria limitado. O PSD ganharia 6 cadeiras, e o PMDB, 5. DEM, PDT e PT ganhariam dois deputados cada. PSDB, PSB e PP manteriam a mesma bancada. O PSOL ganharia um deputado. Já PHS e PV perderiam três cada. PR e PRB ficariam sem dois.
O distritão formulado por Temer e encampado pelo PMDB é uma das propostas em discussão na comissão especial da Câmara para a reforma política, que tem até 15 de maio para votar um relatório. O presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB), outro entusiasta da ideia, pretende votar as propostas da comissão no plenário até meados de junho.
A escolha de Temer pela presidente Dilma para assumir a articulação política do governo aumentou a força do distritão. O vice levou a proposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o PT resiste. Temer também buscou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas a reunião foi cancelada na semana passada a pedido do PSDB. O presidente do partido, senador Aécio Neves (PSDBMG), foi à comissão especial na quinta-feira apresentar a proposta tucana para a reforma política. No topo da lista, o voto distrital misto para o Legislativo, em que os estados são divididos em pequenos territórios que elegem um representante cada. Mas, internamente, não há consenso no PSDB.
O distritão já tem a simpatia de alguns tucanos e do líder do DEM, Mendonça Filho (PE), que vinha apoiando o PSDB. Os 54 deputados tucanos são o alvo preferencial do PMDB para alcançar os 308 votos necessários para aprovar o distritão no plenário da Câmara. Atualmente, os apoiadores contam com cerca de 270 votos.
Apesar do nome, o distritão de Temer tem pouco em comum com o voto distrital do PSDB, que tem como dificuldade a delimitação dos distritos. O PMDB tenta convencer que o distritão é mais simples. Ele consiste na substituição do atual sistema proporcional, em que os eleitos dependem do total de votos de seus partidos, por uma eleição majoritária dentro de grandes distritos, que seriam os estados e o DF. O Rio, por exemplo, seria um distritão e elegeria os 46 candidatos mais bem colocados para a Câmara, mantendo a bancada estadual. No caso dos vereadores, o distritão seria o município.
A principal crítica ao sistema proporcional, que vem sendo destacada pelo PMDB, é a de que puxadores de legenda levam junto para a Câmara candidatos com menos votos do que alguns derrotados. É o caso de Ezequiel Teixeira (SD-RJ), eleito com 35,7 mil votos, enquanto Wadih Damous, do PT, ficou fora com 37,8 mil. Ele é um dos 44 que, se o distritão estivesse valendo, teria virado deputado. No entanto, o trabalho de Jairo Nicolau mostra que o chamado "efeito Tiririca" — alusão aos eleitos sem voto, na esteira da grande votação do deputado do PR de São Paulo em 2010 e 2014 — é uma exceção que dá a falsa impressão de ser recorrente. — Nas últimas cinco eleições, não houve nem 25 casos como o do Tiririca. É claro que o voto do eleitor poderia ser outro com regra diferente, mas a aplicação do distritão ao resultado da última eleição mostra que menos de 10% dos atuais deputados ficariam de fora — diz o pesquisador da UFRJ, que defende reformas pontuais preservando o sistema proporcional, como o fim das coligações para o Legislativo. — A crítica ao modelo atual desconsidera que, hoje, ele já leva à Câmara os mais votados. O distritão é uma solução para um problema que não existe.
Nicolau alerta que o distritão pode agravar problemas atuais, como o enfraquecimento dos partidos e o estímulo a candidaturas de celebridades e líderes religiosos. Outra tendência seria o aumento do custo das campanhas e o favorecimento de candidatos das capitais, já que o desafio dos políticos passaria a ser estar entre os mais bem colocados entre todos os candidatos do estado, não apenas entre seus correligionários.
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