- Folha de S. Paulo
Em 1973, quando o conheci, o Parque Meyer (pronuncia-se Maiér), antigo reduto teatral e boêmio de Lisboa, já tinha vivido melhores dias. Mas ainda possuía algumas tascas — botequins — frequentadas por jornalistas, escritores e outros vadios. Recém-chegado à cidade, fui levado a uma. Ao ver que eu era brasileiro, o proprietário se iluminou: "Sabe quem cá esteve outro dia? O Jorge!". Perguntei, meio por perguntar: "Que Jorge?". E ele: "O Jorge!!" — como se só houvesse um Jorge no mundo. "Está bem, mas qual Jorge???", insisti. Explodiu: "O Jorge Amado!!!".
Ah, sim, o Jorge Amado. Naquele momento, perguntei-me o que o nosso então mais famoso escritor, publicado em dezenas de línguas, acharia de saber que sua presença era tão importante para o dono de uma humilde tasca lisboeta. Nunca falei com Jorge, mas, pelo que sei dele, acho que valorizaria mais aquela explosão de afeto do que as medalhas que lhe eram espetadas no peito por ditadores do Leste Europeu.
Jorge Amado era internacional sem se esforçar. No começo, beneficiou-se da influência do Partido Comunista, a que pertencia, mas, se não fosse tão bom como narrador, não chegaria a lugar nenhum. Sempre penso nele ao saber que este ou aquele amigo meu escritor está eufórico porque, depois de muita luta, foi traduzido para o lituano, afegão ou javanês.
Pessoalmente, não posso me queixar. Tenho livros publicados nos EUA, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália, Polônia, Japão, Rússia e Turquia. Nenhum deles alterou minha conta bancária e, pior, em alguns, não reconheço nem meu nome na capa. O que gosto mesmo é de ser publicado em Portugal e saber que estou sendo lido e entendido em minha língua.
E torcendo para que, um dia, um brasileirinho ouça no Parque Maiér a pergunta: "Sabe quem cá esteve outro dia? O Ruy...".
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