- O Estado de S. Paulo
A política brasileira virou nos últimos meses um jogo de presos e contrapresos. A reciprocidade característica da atividade teve que – na falta de melhor palavra – se entregar à nova realidade. Chavões foram adaptados: “Prende-se lá, solta-se cá”; ou “Prende um meu que prendo um teu”. Julga-se o poder de um partido pela quantidade de integrantes detidos. Quanto mais encarcerados ou em vias de sê-lo, mais poderosa é a agremiação e, proporcionalmente, mais cargos tende a ocupar no governo.
– Qual o tamanho da sua bancada?
– Em Brasília ou em Curitiba?
– Engraçadinho! Em Brasília.
– No Congresso ou na Papuda?
Há peculiaridades, porém, que devem ser observadas. Podem parecer tecnicalidades aos – em mais de um sentido – inocentes, mas fazem toda a diferença, dependendo de qual lado das grades se está. O tipo de detenção, por exemplo (se provisória, preventiva ou definitiva), aufere status diferenciado ao detido e determina o risco que ele implica para os colegas.
– Fulano foi preso!
– Preventiva ou provisória?
– Provisória.
– Relaxa e passa o uísque.
Dificilmente um preso provisório, que sabe que vai ser solto em poucos dias, delata. Os mais perigosos aos olhos dos correligionários são os “preventivos”, que tendem a ficar na cadeia sem precisar se preocupar com calendário. Esses são os alvos preferenciais de juízes e procuradores para arrancar delações em troca de prêmios.
A indefinição de seu futuro, a falta de perspectiva e de um horizonte temporal que permita fazer planos parecem ter um efeito ainda mais convincente sobre o preso preventivamente do que as condenações definitivas. Uma vez publicada a sentença, o condenado sabe, ao menos, para onde vai e por quanto tempo. Encerram-se os tormentosos depoimentos, acareações e, principalmente, a execração púbica. O condenado vai preso, mas se livra do fluxo de vazamentos diários. Deixa de ser notícia.
É muito diferente do preso preventivamente, que pode virar manchete, pelo que disse ou deixou de dizer, todo dia. Esse circo tem repercussões que vão além da cadeia – nos casos em que os familiares não lhe fazem companhia dentro da cela, é claro.
Tal perspectiva faz com que os delatores sejam cada vez mais comuns. Dos mais de 150 detidos pelas operações Lava Jato, Zelotes e Acrônimo, menos de um terço permanece na cadeia. A maioria está solta (40%), em liberdade restrita ou em prisão domiciliar (28%). A onda é tão forte que fez surgir figuras peculiares, como o delator precoce. Ele grava os companheiros e os dedura antes mesmo de ter decretada sua prisão.
Os delatores costumam ser premiados com o usufruto de parte significativa do patrimônio que constituíram enquanto estavam fazendo aquilo que acabaram por delatar. Nos melhores casos, esse patrimônio tem vista para o mar e piscina. Para eles, portar adorno eletrônico no tornozelo é como usar uma joia.
Por isso, chama a atenção a sentença do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, ao soltar o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo. Nem tanto pela soltura em si, que, como se viu pelas estatísticas, também é praticada com frequência em Curitiba. O significativo foi sua condenação à banalização da prisão preventiva – prevista para quando há risco de fuga, crime continuado ou interferência na investigação.
Pode ser coincidência que o ex-ministro tenha sido solto pelo STF com uma sentença tão inequivocamente questionadora dos procedimentos usados pela Lava Jato e companhia. Mas a prisão de Bernardo foi a primeira que provocou reações contrárias de ambos os lados do Senado. Talvez os caciques de todas as tribos tenham se cansado dos presos e contrapresos. Talvez comecem a achar que, nesse jogo, ao vencedor só cabe a tornozeleira.
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