• Otávio Márques Azevedo e Flávio Machado, ex-Andrade Gutierrez, afirmaram que ex-tesoureiro do PT João Vaccari cobrou 1% de propina em obra de siderúrgica conquistada após ex-presidente indicar empresa para Hugo Chávez; pedido foi feito após liberação de recursos do BNDES
Ricardo Brandt, Julia Affonso, Fausto Macedo e Fábio Serapião – O Estado de S. Paulo
/BRASÍLIA - O ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques Azevedo detalhou em sua delação premiada, nos processos da Operação Lava Jato, que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto pediu propina de 1% em contrato da empreiteira na Venezuela, com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O negócio envolvia a participação na obra de uma siderúrgica, no valor de US$ 1,8 bilhão. Segundo o delator, a empresa venceu concorrência internacional, após a indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, para o então presidente venezuelano, Hugo Chávez (que morreu em 2013).
“Tem conhecimento que Lula foi acionado para ajudar a Andrade Gutierrez na Venezuela, no governo Hugo Chávez, quando Lula ainda era presidente, para uma concorrência internacional”, afirmou Azevedo, em depoimento prestado no dia 25 de fevereiro para a Procuradoria da República. O documento foi obtido pelo Estadão. Nele, o ex-presidente e executivos da empreiteira, que fecharam acordo de delação premiada, confessam corrupção na Petrobrás, nas obras das usinas Belo Monte (hidrelétrica) e Angra 3 (termonuclear), em estádios da Copa e outros projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entre outros negócios.
“Lula não pediu nada em contrapartida para isso, mas disse que só indicaria a Andrade Gutierrez se não houvesse outra empresa brasileira”, explicou o ex-presidente. Ele foi preso pela Lava Jato em junho de 2015, junto com o presidente afastado da Odebrecht Marcelo Bahia Odebrecht – alvos da fase Erga Omnes (vale para todos). “Como não havia outra empresa nacional, o presidente Lula indicou e a Andrade Gutierrez foi contratada.”
Alvo de processos penais em Curitiba, com o juiz federal Sérgio Moro, em Brasília, onde estão os casos com alvos com foro privilegiado, e no Rio de Janeiro, ele foi liberado para cumprir prisão domiciliar, em fevereiro, dentro do acordo de delação. 3. As revelações dos delatores da Andrade Gutierrez, iniciadas em fevereiro, foram anexadas em pedido feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para investigar Lula e feitas por eles em audiência na Justiça Federal do Rio, onde são investigados pelas propinas nas obras da Usina de Angra
O ex-presidente da Andrade Gutierrez disse que havia uma disputa com a Itália na concorrência internacional, de 2008. Na delação, obtida pelo Estadão, ele explica que “na Venezuela a contratação de empresas não é realizada por processo licitatório, mas por escolha”.
No começo de 2014, Azevedo contou que foi comunicado por um executivo do grupo que ele havia sido “procurado por Vacarri”. O ex-tesoureiro do partido está preso desde 2015, em Curitiba, sede das investigações da Lava Jato, acusado de ser o operador de propinas do PT no esquema de corrupção na Petrobrás.
“Flavio Machado informou ao declarante, no começo de 2014, que foi procurado por João Vaccari e disse que este estaria pedindo propina de 1% da parte brasileira no projeto da Venezuela”, revelou o delator.
Azevedo confessou em sua delação premiada que a empreiteira foi cobrada pelo PT a pagar 1% de propina em todos os contratos dela com o governo federal.
BNDES. O delator afirma que o pagamento foi feito e que a participação da Andrade Gutierrez tinha recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “O governo venezuelano paga com bolívares, uma parte era financiada pela Hermes, uma financiadora alemã, e uma parte financiada pelo BNDES, pela parte brasileira.”
“Dessa parte brasileira foi paga propina pela Andrade Gutierrez de 1%, conforme solicitado por Vaccari”, afirma Azevedo.
Os valores foram repassados por meio de doações oficiais, mas não soube precisar quando começaram a ser feitos os repasses. A Lava Jato, foi deflagrada em março de 2014, ano da disputa de reeleição da presidente afastada Dilma Rousseff (PT).
O ex-executivo da Andrade Gutierrez Flávio Gomes Machado Filho, que diz ter cuidado de negócios internacionais da empresa, confirmou a busca do apoio de Lula no projeto e a propina cobrada por Vaccari, em sua delação premiada. “A Andrade Gutierrez tinha déficit de apoio político” na disputa com a empresa italiana Danielle.
Ele afirmou que foi o responsável pela busca do apoio de Lula na disputa pelo contrato na Venezuela. “Os maiores contratos da Andrade Gutierrez no mundo estão na Venezuela.”
Machado Filho disse que “soube que houve uma reunião com o presidente Chávez e Lula, em Recife. Teve notícia pelo chefe de cerimonial do presidente Lula sobre essa reunião.” Em 2008, o então presidente da Venezuela visitou as obras da Refinaria Abreu e Lima, no Porto de Suape, na região metropolitana de Recife (PE).
As cobranças de propina, segundo o executivo subordinado na Azevedo, vieram quando começaram as “liberações” do BNDES. “Muito tempo depois, quando começaram as liberações financeiras do BNDES (35% da obra), Vaccari procurou o depoente dizendo que teria que liberar os 1%.”
Palestras. A Andrade Gutierrez foi uma das empreiteiras do cartel acusadas de corrupção na Petrobrás a pagarem por palestras do ex-presidente Lulu, por meio de sua empresa LILS Palestras e Eventos. A força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, apura se os pagamentos milionários ao petista ocultaram propinas.
Na última semana, todos os procedimentos envolvendo Lula voltaram a tramitar em Curitiba.
Na delação de Azevedo, ele afirmou que a empresa contratou cinco palestas de Lula, após ele deixar a Presidência, e que elas efetivamente foram realizadas. “O total pago foi em torno de R$ 3 milhões.” Quebra de sigilo da Andrade Gutierrez mostrou repasses de R# 3,6 milhões, entre 2011 e 2014.
O ex-presidente da empreiteira se comprometeu na delação a apresentar um “resumo dos valores pagos pela Andrade Gutierrez a Lula no exterior e no Brasil” e as notas fiscais.
“A primeira palestra foi em São Paulo, no município de Embu das Artes, evento interno da empresa, para seus executivos”, afirmou o empresário. “Pagaram outras palestras na Índia, Portugal, Catar e Nigéria.”
Segundo o delator, “todas as palestras tinham o mesmo tema, focado nos programas de governo que implementou e em sua vida”.
Azevedo disse ainda que “na viagem de Doha, a Andrade Gutierrez custeou o deslocamento de Lula, pagamento o avião privado, e hospedagem no hotel da palestra”.
Lula, por meio de assessoria de imprensa do Instituto Lula refuta as “ilações contra o ex-presidente que sempre agiu dentro da lei, antes durante e depois dos seus dois mandatos”.
“Luiz Inácio Lula da Silva não favoreceu nenhuma empresa nem intermediou negócio nenhum. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atuou durante o seu mandato para promover o Brasil e suas empresas no exterior porque isso é um dever de um presidente da República e ajuda a gerar empregos no nosso país. E agiu sempre dentro da lei e a favor do Brasil. Lula levou 84 missões empresariais brasileiras a países de todos os continentes, mais de dez missões por ano, promovendo contatos de alto nível de empresas brasileiras com autoridades estrangeiras e parceiros comerciais nos mais diversos setores.”
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