Por Bruno Peres, Andrea Jubé e Raymundo Costa – Valor Econômico
BRASÍLIA - O presidente interino Michel Temer começa a preparar um roteiro de chefe de Estado para sua agenda internacional, a ser iniciada após a confirmação pelo Senado do impeachment da presidente afastada Dilma Roussef. A ênfase das primeiras ações no exterior será fortalecer o comércio exterior.
O roteiro mais elaborado é para uma viagem à China, provavelmente no começo de setembro, com a finalidade de acenar positivamente para agentes do mercado financeiro e atrair mais investimentos para o país. Uma visita à Argentina, com contornos mais políticos, também está nos planos do Planalto.
Enquanto isso, junto com o PT e os grupos que apoiam sua volta ao governo, a presidente afastada Dilma Rousseff está escrevendo uma espécie de nova "carta aos brasileiros". Uma versão preliminar à qual o Valor teve acesso diz que Dilma tentou reconciliar o país ao assumir o programa de governo da oposição e nomear Joaquim Levy para a Fazenda, mas foi sabotada pela direita e as pautas-bombas do Congresso. Diante disso, se voltar à Presidência, vai retomar o programa que apresentou na campanha eleitoral, cujo abandono lhe valeu a acusação de ter praticado "estelionato eleitoral"
Presidente interino prepara viagens a China e Argentina após votação do impeachment
O presidente interino Michel Temer começa a preparar um roteiro para sua agenda internacional, a ser iniciada a partir da confirmação pelo Senado do afastamento da presidente Dilma Roussef. A ênfase das primeiras ações no exterior será para fortalecer do comércio exterior.
O roteiro mais elaborado é para uma viagem à China, provavelmente no começo de setembro, com a finalidade de acenar positivamente para agentes do mercado financeiro e buscar atrair mais investimentos para o país, de acordo com interlocutores do governo federal ouvidos pelo Valor.
Uma visita à Argentina, com contornos mais políticos para o roteiro de viagem ainda em elaboração, também é considerada pelo Palácio do Planalto no horizonte imediatamente após o afastamento definitivo de Dilma Rousseff do cargo.
A atenção do presidente interino à diplomacia será intensificada já em agosto com a realização da Olimpíada no Rio de Janeiro, com início em 5 de agosto. O desfecho do julgamento do pedido de impeachment não ocorrerá durante os Jogos.
Temer acompanhará a cerimônia de abertura da Olimpíada, mas deve dar prioridade à realização em Brasília de eventuais encontros bilaterais com chefes de Estado e de governo - mais de 30 já confirmaram presença ao evento. O Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, entretanto, também estará preparado para encontros diplomáticos do presidente interino definidos de última hora.
A China é um destino conhecido do presidente interino. Em 2013, Temer chefiou a delegação brasileira que foi àquele país para encontros de alto nível, no âmbito da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban).
O roteiro à época fora elaborado para que empresários de diversos setores e representantes do governo brasileiro buscassem avançar nas relações bilaterais e em negociações de oportunidades comerciais e financeiras.
Em junho de 2015, também no âmbito de reunião da Cosban, Temer afirmou em discurso feito em Brasília que uma interlocução de alto nível, com a intensidade mantida entre os dois países, simboliza entendimento político, interesses econômicos compartilhados e importância estratégica nas relações sino-brasileiras.
Já o encontro do Mercosul em Montevidéu no próximo mês, poderia ser a primeira viagem de Michel Temer ao exterior durante o governo de transição, ocorrerá apenas em âmbito ministerial, e não com a presença dos presidentes dos países integrantes, conforme previsto originalmente.
Segundo apurou o Valor, o governo brasileiro avalia que o cancelamento das presenças de presidentes do Mercosul nesse encontro não chegará a interferir nas negociações comerciais conduzidas atualmente pelo bloco.
O cancelamento do encontro de cúpula, que reúne os presidentes dos países, decorre de desacordos entre os membros e instabilidades internas de países como Venezuela e o próprio Brasil. Na ocasião, a Venezuela assumiria a presidência temporária do bloco, seguindo o cronograma oficial do Mercosul.
Dilma prepara 'carta a brasileiros' em ofensiva contra impeachment
Junto com o PT e as frentes que apoiam sua volta ao Palácio do Planalto, a presidente afastada Dilma Rousseff está escrevendo uma espécie de nova carta aos brasileiros. Uma versão preliminar à qual o Valor teve acesso diz que Dilma tentou reconciliar o país, após vencer a mais acirrada disputa presidencial (2014) desde a redemocratização, quando assumiu o programa de governo da oposição e indicou Joaquim Levy para a Fazenda. Mas foi no entanto sabotada pela direita e as pautas-bombas do Congresso. Diante disso, se voltar ao cargo, vai retomar o programa que apresentou na campanha eleitoral, cujo abandono valeu a Dilma a acusação de ter praticado um "estelionato eleitoral".
De uma só tacada Dilma justifica o estelionato e se abraça ao PT. O clima no Palácio da Alvorada é de "otimismo realista", segundo um dos interlocutores da presidente afastada. Otimismo porque o desgaste do governo Temer deu um discurso ao PT, que antes se encontrava inteiramente acuado, e até para Dilma. Realista porque o "outro lado" construiu uma sólida aliança congressual em torno do impeachment e uma agenda de reformas econômicas que nem Dilma nem o PT se dispõem a abraçar. A carta de Dilma, na verdade, é a carta aos brasileiros que o ex-presidente Lula da Silva lançou nas eleições de 2002, uma abertura para os mercados, que então o viam com desconfiança.
Além de ser substituído nas cordas da Operação Lava-Jato pelo PMDB, o PT comemora também o fato de as reformas anunciadas por Temer, como a previdenciária e a trabalhista, darem um discurso aos sindicatos, principalmente daqueles trabalhadores que se sentem com direitos ameaçados pelas propostas. Juntando reivindicações trabalhistas com a pauta política (impeachment) o movimento pro Dilma espera engrossar as manifestações favoráveis à presidente afastada programadas para ocorrer até a votação do Senado. Salvar o mandato de Dilma seria uma bonificação; o que o PT busca mesmo é criar um discurso para as eleições de 2016 e 2018.
À noite, entrevista ao "Jornal do SBT", Dilma confirmou que estuda fazer uma carta de compromisso à Nação. O primeiro desses compromissos, segundo Dilma, seria com a democracia - a presidente insiste na tese de que é vítima de um golpe. A tese está também na versão preliminar a que o Valor teve acesso mais cedo. O segundo compromisso seria "devolver os direitos que estão sendo retirados do povo brasileiro". Citou o reajuste de 12% do Bolsa Família, concedido pelo governo interino, como resultado já dessa cobrança. E ainda acusou o governo Temer de "absoluta irresponsabilidade fiscal" pelo aumento dos servidores.
É verdade, no entanto, que aumentou a expectativa e a movimentação dos apoiadores da presidente afastada, estimulados pelas quedas de ministros de Temer, o enrosco do PMDB na Operação Lava-Jato e notícias disseminadas pelo PT de melhora na popularidade de Dilma. Ontem entrou no ar a campanha que visa arrecadar dinheiro para custear as viagens de Dilma pelo Brasil e que espera arrecadar pelo menos R$ 500 mil até a votação do impeachment. A campanha está hospedada no Catarse, o maior site de crowdfunding (financiamento coletivo) do Brasil e pode ser acessada pelo nome "Jornada pela Democracia - Todos por Dilma".
A ideia de condicionar a volta de Dilma à promessa de realização de plebiscito para a convocação de diretas já para a Presidência da República está virtualmente descartada. Ela é tecnicamente quase inviável. De início, o PT teria de conseguir o apoio de um terço da Câmara e do Senado para apresentar uma proposta de decreto legislativo convocando o plebiscito. Se passar dessa fase preliminar, depois terá de aprovar o decreto por maioria absoluta - na votação do impeachment, Dilma, o PT e aliados sequer conseguiram chegar a um terço dos votos das Casas - 171 na Câmara (foram 137 contra o impeachment) e 27 no Senado (Dilma só teve 22).
Dirigentes do PT e das frentes que apoiam a presidente afastada divulgam que pesquisas indicam uma recuperação da aprovação de Dilma, sem apresentá-las, o que anima a militância e as redes sociais. Em conversas, o presidente do PT, Rui Falcão, fala - mas não mostra - sobre pesquisas que apontariam maioria no Nordeste pela volta de Dilma e que no Rio de Janeiro o placar estaria 45% a 42% em favor da presidente afastada. O PT pretende, por isso, intensificar a campanha "não vote em golpista" dirigida principalmente contra os senadores que decidirão a sorte de Dilma em agosto.
Dilma, o PT e as frentes também já elaboraram um calendário de manifestações. A mais importante delas está prevista para 5 de agosto, dia da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. A proposta é constranger o governo do presidente interino, Michel Temer, em nível internacional - os principais órgãos de imprensa do mundo estarão então no pais. O discurso é que Temer está sendo eleito por um colégio eleitoral - como eram os presidentes na ditadura - portanto será um presidente da República "biônico" e "ilegítimo".
Nos cálculos de interlocutores da presidente afastada, Temer não terminará o mandato, pois será atingido pela Lava-Jato ou impugnado no tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde as contas da chapa Dilma-Temer devem ficar prontas para ser julgadas no fim do ano. Se Temer for impugnado, segundo a narrativa petista, estaria posto o cenário para o desfecho do golpe pelo Congresso: a eleição indireta de Henrique Meirelles, atual ministro da Fazenda, pelo Congresso.
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