- O Globo
Ministros derrotados argumentaram que a regra pode levar a prisões injustas, mas em votação apertada (6a5) prevaleceu a tese de que o abuso de apelações estimula o aumento da criminalidade
Por 6 votos a5, o STF decidiu que réus deverão ser presos depois de condenados por um tribunal de 2ª instância, sem direito de recorrer em liberdade até que sejam esgotados os recursos. Os ministros contrários argumentaram que a regra pode levar a prisões injustas, mas prevaleceu a tese de que o excesso de apelações gera impunidade. “Um sistema desacreditado colabora para o aumento da criminalidade”, disse Luís Roberto Barroso. Juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro comemorou. O julgamento de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve a decisão de permitir a prisão de condenados em segunda instância, foi uma disputa entre os que defendiam a tese da presunção de inocência dos réus até o trânsito em julgado, e, o que prevaleceu, a ideia de que o direito penal tem que ter efetividade para proteger a sociedade e seus direitos fundamentais, como a vida, a integridade física e o patrimônio das pessoas, além da moralidade administrativa, como definiu o ministro Luís Roberto Barroso em seu voto.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, desempatou a votação baseando sua decisão na mesma tese de que a sociedade precisa ter a certeza de que a Justiça atuará com rapidez e eficiência para defendê-la. O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, manteve seu voto contrário, baseado na defesa do sistema democrático. Segundo sua interpretação da Constituição, o trânsito em julgado é uma exigência clara para a prisão de um réu, e a democracia não resistiria caso os direitos civis dos cidadãos não fossem preservados em sua totalidade.
Celso de Mello refutou a tese que prevaleceu, segundo a qual o trânsito em julgado acontece na segunda instância, pois os recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF são extraordinários e não têm efeitos suspensivos. O ministro Dias Toffoli, que no primeiro julgamento votara a favor da prisão a partir de decisão da segunda instância, fez uma inflexão em sua decisão, acatando em parte o voto do relator, ministro Marco Aurélio de Mello.
Uma alternativa dada pelo relator, e que Toffoli acatou, era de que o trânsito em julgado fosse definido no primeiro recurso ao STJ. Tanto o ministro Barroso quanto Gilmar Mendes argumentaram que a presunção de inocência é um princípio que deve ser ponderado, de acordo com os julgamentos feitos. À medida que as condenações na primeira e na segunda instância acontecem, a presunção de inocência perde seu peso, enquanto, para Barroso, outros valores abrigados na Constituição, protegidos pela efetividade do direito penal, devem prevalecer.
O ministro Luiz Facchin, que foi o primeiro a abrir a divergência com o relator, lembrou que a possibilidade de prisão em segunda instância prevalecia até 2009, inclusive depois da promulgação da Constituição de 1988, utilizada como argumento pelos que defendiam a prisão apenas depois do trânsito em julgado.
O ministro Ricardo Lewandowski utilizou estatísticas do Ministério Público para alegar que há grande incidência de decisões que são revertidas nos tribunais superiores e assim mostrar o que seria, na sua opinião, o perigo de condenar à prisão logo após a decisão em segunda instância.
Foi contestado por vários ministros, inclusive por que havia misturado recursos com habeas-corpus, o que foi considerado um erro estatístico. Como salientou o ministro Teori Zavascki, entre outros ministros, a grande incidência de habeas-corpus só demonstra que esse é um instrumento de defesa dos acusados que tem sido muito útil como proteção dos réus.
O ministro Barroso procurou demonstrar como o sistema funcionava mal, citando exemplos emblemáticos em que o retardamento na punição levava a Justiça ao descrédito. O ministro afirmou que não é o direito penal o protagonista das transformações que o Brasil precisa: “um país se faz com educação de qualidade, distribuição adequada de riquezas e debate público democrático e de qualidade”.
Porém, disse ele, a ausência de um direito penal minimamente sério fomentou a delinquência no Brasil, sobretudo os casos de corrupção e crimes do colarinho branco. Embora a decisão de ontem seja fundamental para o combate à corrupção, inclusive está entre as 10 medidas propostas pelo Ministério Público, no que se falou mais durante o julgamento foi dos presos comuns, pois esta foi a base da argumentação dos que defendiam a tese do trânsito em julgado na última instância, a maioria defensora de acusados na Operação Lava-Jato.
Essa argumentação foi desmontada por vários ministros, que demonstraram que o sistema do jeito que está favorece apenas os criminosos de colarinho branco que têm dinheiro para pagar bons advogados e explorar as suas brechas, que permitia até mais de 20 recursos, o que fazia com que os processos pudessem levar 10, 20 anos, e em muitos casos prescrevessem antes da decisão final.
O ministro Gilmar Mendes lembrou que quando esteve à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) levou à frente um mutirão presidiário para tentar minimizar os graves problemas das prisões desumanas e dos presos sem culpa formada. A certa altura, dirigiu-se ao advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e perguntou: porque nunca houve um movimento como esse para evitar que presos comuns fiquem nas prisões anos e anos sem julgamento?
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