• STF decide que réus não poderão mais ficar soltos até fim dos recursos
Ministros derrotados argumentaram que a regra pode levar a prisões injustas, mas em votação apertada (6a5) prevaleceu a tese de que o abuso de apelações estimula o aumento da criminalidade
Por 6 votos a5, o STF decidiu que réus deverão ser presos depois de condenados por um tribunal de 2ª instância, sem direito de recorrer em liberdade até que sejam esgotados os recursos. Os ministros contrários argumentaram que a regra pode levar a prisões injustas, mas prevaleceu a tese de que o excesso de apelações gera impunidade. “Um sistema desacreditado colabora para o aumento da criminalidade”, disse Luís Roberto Barroso. Juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro comemorou.
Atalho para a cadeia
• Por 6 votos a 5, Supremo decide que condenados em segunda instância devem ser presos
Carolina Brígido - O Globo
-BRASÍLIA- Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que os réus devem ser presos depois de condenados por um tribunal de segunda instância. Em fevereiro, o tribunal já tinha tomado essa decisão, mas com validade apenas para um único preso. Agora, a regra terá de ser aplicada por juízes de todo o país, porque a nova decisão tem validade nacional.
Os juízes continuam, no entanto, com liberdade para analisar caso a caso, e adotar medidas excepcionais em situações específicas — como, por exemplo, mandar prender um condenado perigoso antes da decisão de segunda instância. Ou, ainda, permitir que algum condenado recorra em liberdade em casos, por exemplo, em que não apresente ameaça à sociedade ou por questões de saúde. Esses casos serão tratados como exceção.
Quem defendia o direito de recorrer até a última instância antes do início do cumprimento da pena — defendendo o princípio da presunção da inocência até o trânsito em julgado da ação —, argumentou que ocorrem muitas condenações injustas em instâncias inferiores que eram corrigidas apenas por cortes superiores, no julgamento de recursos.
A maioria dos integrantes STF lembrou, entretanto, que, diante de eventuais injustiças, as portas da Corte estariam sempre abertas aos pedidos de habeas corpus, que têm prioridade nos julgamentos. Em casos de flagrante ilegalidade, o STF tem a obrigação de determinar a imediata libertação do detento.
— Sempre poderá haver erro. Mas o sistema permite correção. Permite até o impedimento do início do cumprimento da pena com liminar em habeas corpus — disse o ministro Gilmar Mendes.
A mudança no entendimento do STF poderá levar 3.460 réus para a cadeia, segundo levantamento da FGV Direito divulgado pelo GLOBO em setembro. O número equivale a 0,55% da população carcerária do país.
VOTO DE DESEMPATE
O voto da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, desempatou o julgamento. No dia 1º de setembro, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, votou a favor de que os condenados em segunda instância não sejam presos se estiverem recorrendo judicialmente. Ontem, concordaram com o relator os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewadowski e Celso de Mello.
— A repulsa da presunção de inocência mergulha suas raízes em uma vida incompatível com o regime democrático, impondo à esfera judicial do cidadão restrições não autorizadas pela Constituição — criticou Celso de Mello.
Além de Cármen, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux e Gilmar Mendes defenderam a tese oposta, a favor da execução antecipada da pena. Barroso citou exemplos de criminosos que, mesmo após condenados, ficaram muitos anos em liberdade, entre eles, o jornalista Pimenta Neves, que matou a namorada, a jornalista Sandra Gomide. Para Barroso, esse sistema frustra a sociedade, que não vê a punição ser concretizada.
— Um sistema de justiça desacreditado pela sociedade colabora para o aumento da criminalidade — disse Barroso.
Toffoli foi o único que mudou de posição em relação à sessão de fevereiro. No primeiro julgamento, o ministro tinha votado pela prisão logo depois da condenação em segunda instância. Ontem, explicou que, naquela ocasião, estava falando do caso de um preso específico. Agora, a regra aprovada será aplicada a todos os condenados. Toffoli se disse preocupado com as condenações injustas de instâncias inferiores que são revertidas em tribunais superiores. Para ele, as prisões só podem ocorrer após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgar um recurso do condenado.
Luiz Fux também lembrou o caso de Pimenta Neves. Para ele, não é preciso verificar apenas o direito do condenado, mas o direito da sociedade de ver o crime ser punido em tempo razoável.
— Estamos discutindo isso porque as condenações são postergadas por recursos aventureiros. Estamos discutindo isso porque, por força do recurso impeditivo do trânsito julgado, um réu matou uma jornalista e passou onze anos solto. Estamos discutindo isso porque estamos mais preocupados com o direito fundamental do acusado e nos esquecendo do direito fundamental da sociedade, que tem evidentemente a prerrogativa de ver aplicada a sua ordem penal — disse Fux.
“TEMOS UM MODELO CAÓTICO”
Para Barroso, o atual modelo é caótico, porque permite que um condenado apresente dezenas de recursos a tribunais superiores, adiando por anos o início do cumprimento da pena. O ministro também disse que o sistema acaba beneficiando apenas quem tem dinheiro para pagar um advogado para apresentar um número indefinido de recursos:
— Temos um modelo caótico que constrange qualquer pessoa que tenha que explicar que um determinado caso teve 25 recursos negados no STJ. Não é nem ruim. É mais puxado para o ridículo do que para o ruim. A regra (atual) é um estímulo para que não se deixe o processo transitar em julgado.
O voto de Marco Aurélio foi baseado no princípio da presunção de inocência, segundo o qual uma pessoa não pode ser considerada culpada enquanto puder provar o contrário. Para ele, a pena imposta a alguém só pode ser executada quando se esgotarem todos os recursos. Depois da segunda instância, os réus ainda podem apelar ao STJ e, por fim, ao STF.
Na última sessão, Marco Aurélio citou dados revelando que é muito comum, em julgamento de recursos, o STJ conceder direitos a condenados por tribunais de segunda instância.
A regra da execução antecipada da pena era aplicada no STF até 2009. Naquele ano, no julgamento de um processo, o tribunal mudou a jurisprudência e determinou a necessidade de trânsito em julgado como condição para o início da execução penal. O julgamento de fevereiro foi interpretado por parte do STF como uma reviravolta da jurisprudência, voltando ao entendimento até 2009. Embora a decisão de fevereiro tenha sido dada num caso específico, sem extensão a todos os processos, juízes de todo o Brasil começaram a aplicar o entendimento em suas sentenças.
Depois da decisão de fevereiro, decisões díspares da segunda instância e também liminares concedidas por ministros do STF em sentidos opostos comprovaram essa necessidade. A decisão de ontem foi tomada no julgamento de ações apresentadas pela OAB e pelo partido PEN.
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