- Valor Econômico
Empresas tenderão a migrar para países com menor carga
O governo está monitorando os movimentos dos outros países em resposta à reforma tributária aprovada nos Estados Unidos e, dependendo da amplitude das alterações que ocorrerem, considera que será inevitável promover, aqui também, uma redução da carga tributária das empresas, admitiu ao Valor uma fonte credenciada da área econômica. "Nós vamos ter um tempinho, não precisa sair em desespero", disse a fonte. "Temos que monitorar o que a União Europeia e os demais países vão fazer, inclusive os nossos vizinhos", observou.
Hoje, o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) está em 34%, menos juros sobre capital próprio. Nos Estados Unidos, a alíquota do IRPJ passará de 35% para 20%, de acordo com a proposta aprovada pela Câmara e pelo Senado americanos. Como os textos aprovados nas duas Casas foram diferentes, eles agora estão sendo ajustados. A reforma reduz também as alíquotas do IR das pessoas físicas de sete para apenas quatro: 12%, 25%, 35% e 39,6%.
Se o governo brasileiro tiver efetivamente que reduzir o Imposto de Renda das empresas, ele terá que elevar o tributo sobre as pessoas físicas para que não ocorra perda de receita da União, admitiu a mesma fonte, pois não há espaço para aumento dos tributos indiretos, que incidem sobre o consumo.
A avaliação da área técnica do governo é que as empresas tenderão a migrar para os países que reduzirem a carga tributária, seguindo o exemplo dos Estados Unidos. "Se o patamar de 20% se consolidar, nós vamos ter que nos ajustar e reduzir a nossa carga também, pois, se deixar do jeito que está, pode haver uma migração de empresas e aí o Brasil vai perder arrecadação de outra forma, com a redução do número de contribuintes", explicou a fonte.
Se um país vizinho do Brasil que tiver uma boa infraestrutura logística adotar a alíquota de 20%, o sinal, que hoje é amarelo, se tornará vermelho. Isto porque a possibilidade de migração das empresas estrangeiras aqui instaladas se tornará concreta. O risco imediato é que as empresas americanas no Brasil transfiram os seus resultados para os Estados Unidos, pagando o imposto de renda lá.
O relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), qualificou a mudança nos tributos feita pelo Congresso americano como "um desastre para nós e para todo o mundo". Hauly disse ao Valor que o Brasil "ainda não fez sequer o seu dever de casa na área dos tributos e agora terá que enfrentar essa nova situação".
Hauly disse que já conversou sobre o assunto com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, com o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, e com o assessor especial da Presidência da República para a reforma tributária, Gastão Alves de Toledo. Segundo o deputado, todos estão preocupados e pediram estudos para suas áreas técnicas.
O economista José Roberto Afonso explicou que a reforma tributária dos Estados Unidos vai além da mera redução das alíquotas do Imposto de Renda das empresas e das pessoas físicas. "Eles aprovaram também uma medida para preservar a base de tributação deles, o que terá implicações importantes", observou.
A reforma americana criou uma "excise tax" (uma espécie de imposto seletivo), que incidirá sobre os pagamentos realizados por corporações americanas a empresas estrangeiras pertencentes ao mesmo grupo. Com isso, eles esperam evitar a erosão da base de tributação americana.
No novo quadro, o economista está convencido que o Brasil terá que mudar os seus paradigmas de tributação. "O novo paradigma é de baixa carga tributária (para as empresas)", disse. Ele lembrou que o Brasil é um dos países com a maior alíquota do IR sobre as companhias. "Se não mexer na alíquota, vamos perder empresas e negócios", sentenciou. Afonso informou que os governos do México e do Chile já começaram a trabalhar na direção de reduzir a carga.
Há um certo consenso na área técnica do governo que a reforma americana tornará obrigatório repensar a tributação da renda no Brasil. No sistema brasileiro, a taxação das empresas é maior do que a das pessoas físicas. Nos países mais desenvolvidos, acontece o contrário. A alíquota efetiva do IR das pessoas físicas hoje é de 21% ou 22%. Mas, quando se consideram os rendimentos isentos, o quadro muda inteiramente.
Os dados das declarações do Imposto de Renda de 2016, ano base 2015, mostram que a alíquota efetiva daqueles que estão situados na faixa dos 0,1% contribuintes mais ricos é de apenas 9,1%. Neste caso, a alíquota efetiva compara o imposto devido com a renda bruta. Para esses contribuintes, 41% da renda obtida está na categoria dos rendimentos isentos. Isto ocorre, segundo os técnicos, porque no Brasil a distribuição de lucros e dividendos é isenta do IR.
Ao reduzir a carga das empresas, o governo terá que enfrentar a dificuldade política de ter que aumentar o IR das pessoas físicas. Com a reforma tributária, o governo dos Estados Unidos estima perder uma receita de US$ 1,5 trilhão. O Brasil não poderá se dar ao luxo de perder arrecadação com a redução da carga tributária das empresas, pois está em meio a um forte ajuste de suas contas públicas, que apresentam déficit primário deste 2014. O país terá, portanto, que compensar a perda de receita com a redução da tributação sobre as empresas e o caminho mais provável é a elevação do IR das pessoas físicas.
Os técnicos lembram que o Brasil é o segundo país que mais tributa bens e serviços, ou seja, o consumo. Só perde para a Hungria. Em 2014, a receita com a tributação sobre bens e serviços correspondia a 16,28% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil e a 16,9% do PIB. No caso dos Estados Unidos, essa tributação é de apenas 4,5% do PIB. "Os americanos têm um grande espaço na tributação sobre o consumo; nós não", observou o deputado Hauly.
Os desafios do Brasil na área da tributação tornaram-se ainda maiores com a reforma tributária dos Estados Unidos.
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