Disputa sem Lula abriria vácuo eleitoral à esquerda
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu sua fala na manhã de ontem em reunião com a bancada do PT com uma bronca: "Quem me conhece sabe que ando cada vez mais p... com celular. Uma parte de nós está cada vez mais dependente. É uma falta de respeito com quem está falando. Que importância a gente se dá para não guardar o celular?"
Foi pela maquininha que, na noite anterior, a maior parte dos petistas ali presentes tomou conhecimento de que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região marcara para o dia 24 o julgamento de seu recurso contra a condenação, pelo juiz Sergio Moro, a nove anos e meio de prisão no caso que envolve o triplex do Guarujá.
A fixação de seus correligionários no celular é a demonstração mais patente de que o tempo da política e do Judiciário passou a ser um só. A toga o comanda, mas não com a mesma autonomia. Um ex-ministro do Supremo compara os relógios que marcam os processos do senador Aécio Neves e de Lula. E mostra que, da primeira para a segunda instância, perdem a corda.
O processo contra o senador tucano tramita há seis meses no Supremo Tribunal Federal, mas apenas esta semana foi pedida a quebra do seu sigilo bancário e telefônico. Tempo suficiente para que provas, se houver, sumam. O voto do relator no processo contra Lula no tribunal de Porto Alegre foi entregue ao revisor na semana passada. No Supremo, a revisão dura de seis meses a um ano. Nas mãos do desembargador Leandro Paulsen, a revisão do voto de João Gebran Neto saiu em uma semana.
Muito se alardeou que os governos do PT transformariam o país numa Venezuela. Se hoje a quebra de paradigmas no Brasil os aproxima de alguma forma, é por obra e graça dos atuais inquilinos do poder e de setores do Judiciário.
No evento com seus plugados correligionários, o ex-presidente não escondeu a surpresa com a celeridade. E deixou claro que prepara o terreno para a possibilidade de sair de campo: "Se for culpado, não tenho condição moral de ser candidato." A data que acabará por marcar o início do calendário eleitoral de 2018 desmontou não apenas a estratégia de Lula.
O ex-presidente confiava que a existência de pelo menos um voto divergente lhe possibilitaria apresentar recursos e empurrar a definição para agosto, quando já poderia registrar sua candidatura. A campanha avançada inibiria o prosseguimento do processo. No pior dos seus mundos, um julgamento às vésperas da eleição lhe possibilitaria transferir um quinhão encorpado de votos ao seu escolhido.
Com julgamento do recurso no dia 24 de janeiro, a previsão passou a ser de que até maio a situação penal de Lula estará definida e, com ela, o quadro da disputa de outubro. Com a data, os desembargadores também neutralizaram a decisão que o Supremo vier a tomar em relação ao cumprimento de pena depois de decisão em segunda instância. Ao se valer do seu poder de pauta para adiar o julgamento do tema, que divide a Corte, a presidente Cármen Lúcia acabou por enfraquecê-la.
O Supremo fará sua última sessão na próxima semana e apenas retorna das férias forenses depois que tiver passado o julgamento de Porto Alegre sem tempo hábil, portanto, para uma decisão sobre a constitucionalidade do cumprimento de pena depois da segunda instância. Ainda que a celeridade ímpar com a qual o processo foi conduzido facilite a que Lula obtenha uma liminar na Corte para evitar prisão, serão evidentes suas dificuldades de tocar uma campanha eleitoral pendurado em liminares.
A preocupação com a legitimidade de uma disputa eleitoral da qual Lula tenha sido excluído, que já mobiliza o ex-presidente José Sarney, acabou também por ser verbalizada no fim de semana pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante a convenção tucana ("prefiro que o PSDB o derrote nas urnas").
A exclusão de Lula pode, de fato, transformar o país num grande Amazonas, que, em eleição suplementar de três meses atrás, teve o absenteísmo como o grande vencedor. Mas a estratégia de vitimização parece estar limitada à mobilização de militantes e simpatizantes. Dificilmente o PT será capaz de encher ruas em nome do direito de defesa de Lula. O movimento social hoje com maior poder de mobilização, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, tem seu próprio candidato, Guilherme Boulos.
Uma chapa eleitoral sem Lula multiplicaria candidaturas e deixaria ainda mais indefinido o quadro eleitoral. A exclusão de seu nome da célula eleitoral por um gol de mão jogaria água no moinho de Joaquim Barbosa. O ex-ministro, no entanto, ainda resiste a acreditar que o PSB esteja disposto a chancelar seu nome em uníssono e teme que o partido apenas esteja atrás de uma perspectiva de poder que evite a evasão de quadros. Ao manter uma fresta de possibilidade até fevereiro, quando ficou de responder definitivamente ao partido, o ex-ministro sinaliza que ainda pode vir a ser sensibilizado pelo vácuo de poder a ser aberto pela eventual saída de Lula.
O PT, em quaisquer circunstâncias, não deixará de lançar candidato. Precisa de uma cabeça de chapa para fazer bancada federal. Seu escolhido, no entanto, conviveria com uma multiplicidade de nomes a disputar a herança lulista. Se a polarização entre Lula e o deputado Jair Bolsonaro valoriza o passe de um centrista, a ausência do petista desloca a sucessão à esquerda. Na disputa por este quinhão estariam, além de Joaquim Barbosa, Ciro Gomes, Marina Silva e Guilherme Boulos.
Na outra ponta, a saída de Lula também atiça o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A condição de ex-colaborador do governo lulista daria, ao ministro, a possibilidade de vir a disputar uma fatia desta herança. Menos evidentes parecem ser os benefícios do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com a saída de Lula do ringue.
Além de ter uma margem de manobra mais estreita para herdar os votos do lulismo, o governador tucano perde com a multipolaridade, a começar pelo distanciamento de potenciais aliados, como o PSB, que se animariam a lançar candidato.
A bilheteria custa a disfarçar o desconforto com as chances eleitorais do governador. Um banqueiro, um ex-banqueiro e dois grandes industriais vão se reunir este domingo na casa de um deles para ouvir um especialista em campanha eleitoral. Não se limitam a discutir a quem financiarão. Querem participar da construção de uma candidatura porque temem o que pode vir a surgir no vácuo - aquele que pode transformar a disputa eleitoral de 2018 numa terra de ninguém.
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