A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu à Polícia Federal que investigue diversos casos de vazamentos de delações premiadas. Espera-se que as diligências sejam bem-sucedidas e que se conheçam os responsáveis por esses crimes, que causaram danos especialmente graves ao País nos últimos tempos, sem que ninguém tenha sido punido.
Na época em que a Procuradoria-Geral da República era chefiada por Rodrigo Janot, houve numerosos episódios de vazamento dos depoimentos de delatores, muito antes que a colaboração desses criminosos confessos pudesse resultar em denúncia formalmente aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, circulou pela imprensa uma imensa quantidade de informações sensíveis que eram apenas preliminares, carentes de investigações mais aprofundadas e de provas que as sustentassem.
Uma vez publicadas, contudo, essas informações ganharam ares de verdade, sustentando denúncias as mais diversas contra vários políticos e autoridades – sem que estes sequer tivessem acesso ao conteúdo completo dos depoimentos que supostamente os incriminavam.
Trata-se de evidente violação dos direitos básicos de qualquer cidadão, a começar pelo direito de defesa, miseravelmente comprometido pela impossibilidade de conhecer o processo, uma vez que este nem sequer existia. Mas o “tribunal popular” que se estabelece a partir do vazamento das delações é suficiente para condenar quem tiver a má sorte de ter o nome balbuciado por algum delator – que, não se pode esquecer, é apenas um criminoso que decidiu colaborar com a Justiça para mitigar sua pena, entregando os chefes da quadrilha e detalhando o funcionamento dos esquemas.
Tudo o que um delator diz deve ser provado para ter serventia em qualquer processo. A rigor, a colaboração é apenas o início de um trabalho investigativo, por mais grave que seja o que lá se declara. Há algum tempo, contudo, as delações se transformaram em arma política, usada por sabe-se lá quem – é o que as investigações pedidas por Raquel Dodge devem revelar –, com o objetivo de causar tumulto, fulminar reputações e interferir diretamente na agenda governamental.
Não foi outro o resultado, por exemplo, do vazamento da colaboração do empresário Joesley Batista com a Procuradoria-Geral, cujo conteúdo sugeria ampla corrupção no governo de Michel Temer – e tentava envolver o presidente em pessoa, que teve conversa gravada clandestinamente por Joesley. Sem exagero, pode-se atribuir a esse vazamento uma parte significativa das dificuldades que o governo enfrenta desde então para aprovar a reforma da Previdência, cuja importância para o País nunca é demais enfatizar. Ou seja, uma ação leviana, a serviço de indivíduos com objetivos particulares inconfessáveis, colocou em risco aquela que constitui a principal medida para evitar o colapso das contas públicas num futuro próximo.
Por esses motivos vem em boa hora a decisão da procuradora-geral Raquel Dodge de colocar um pouco de ordem na casa, tratando os vazamentos de delações como devem ser tratados – isto é, como crimes muito graves. Conforme noticiou O Globo, a disposição de Raquel Dodge vai ainda mais longe: ela pretende devolver aos advogados as delações que eventualmente vazarem. A mensagem, clara, é que todos os envolvidos nas colaborações premiadas devem cuidar para que não haja vazamentos.
Além disso, os candidatos a delator estão encontrando maior dificuldade para fechar acordos com a Procuradoria-Geral, situação muito distinta da vivida durante a gestão de Rodrigo Janot. Basta lembrar que a Procuradoria, sob Janot, aceitou a colaboração de quase oito dezenas de executivos da Odebrecht, naquela que ficou conhecida como “delação do fim do mundo” e que acabou se mostrando inútil para as investigações – mas extremamente útil para os delatores.
O mais importante de tudo isso é que Raquel Dodge e sua equipe vêm conduzindo seu trabalho de maneira bastante reservada. Só esse apreço pela discrição já é um grande avanço, depois de anos de espalhafato irresponsável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário