O Federal Reserve americano manteve a política gradualista de normalização monetária, mesmo com a iminência de um estímulo fiscal baseado em corte de impostos para empresas e pessoas físicas, prestes a ser finalizado pelo Congresso. Seria reconfortante se a direção do banco continuasse nas mãos de Janet Yellen, que se despediu ontem das entrevistas explicativas das decisões do Fed. Mas ela deixará em fevereiro o cargo, que agora é do advogado Jerome Powell.
Yellen já é o passado para o mercado financeiro, mas os investidores estiveram atentos às avaliações da mulher que dirige o BC mais poderoso do mundo sobre os possíveis efeitos dos estímulos fiscais de Trump e a resposta correspondente da política monetária. Yellen disse o principal: o Fomc não mudou seu curso. A mediana das taxas de juros projetadas pelo membros do comitê se manteve. O corte de impostos vai aumentar o consumo das famílias, que vem crescendo em ritmo moderado, e também do investimento, que acelerou seu ritmo nos últimos trimestres. Mas o efeito final é incerto, em primeiro lugar, e aparentemente não muito relevante. A consequência imediata do pacote fiscal de Trump aparece nas projeções para o PIB do ano que vem, que subiram 0,4 ponto, para 2,5%, ante os 2,1% da última avaliação (setembro) e no aperto adicional no mercado de trabalho, com a redução da projeção da taxa de desemprego de 4,1% para 3,9% em 2018.
Ainda assim, o ritmo de evolução da taxa de juros não se modificou e permanece contido por uma inflação que resiste teimosamente a subir. A mediana das projeções aponta para três aumentos dos juros em 2018, o mesmo ritmo de 2017. O juro de longo prazo foi estimado em 2,8%. Há duas conclusões, segundo Yellen. O juro estrutural da economia americana caiu de nível - há pouco mais de um ano foi estimado perto de 3,5% - e os fed funds estão abaixo disso, o que significa que não precisarão subir muito - e o farão gradualmente, se a inflação se mantiver letárgica.
O cenário gradualista pintado por Yellen é o majoritário do Fed - a economia está crescendo um pouco acima de seu potencial (rebaixado para 1,8%) e o desemprego está abaixo do que deveria estar, nas vizinhanças do pleno emprego. Em algum momento, a inflação terá de aumentar e, por isso, o banco voltou a elevar os juros, ainda que as variáveis essenciais não tenham se alterado. Ainda assim, dois membros do Fomc, o veterano Charles Evans, do Fed de Chicago, e Neel Kashkari, votaram pela manutenção da taxa, por considerarem os riscos de uma inflação perigosamente baixa.
Uma das maiores especialistas em mercado de trabalho, Yellen mais uma vez mostrou modéstia diante do mistério de uma inflação medrosa e insubmissa, mas previu que os salários em algum momento voltarão a pressioná-la. Medidas indiretas indicam aperto e, com a demografia apontando para baixo - o número de ingressantes diminui- a simples manutenção da taxa de participação (relação entre pessoas que trabalham e as que estão aptas a trabalhar) mostra vigor na economia.
Jerome Powell, indicado por Trump para comandar o Fed, votou com a maioria pelo aumento do juro e concordou com esse diagnóstico, como vem fazendo há algum tempo. A partir de fevereiro, terá de harmonizar uma equipe ainda desconhecida. Trump deverá nomear 6 dos 7 membros da direção do Fed, uma vacância inédita na história do banco (Gavyn Davies, FT). Até agora pelo menos ele não agiu em relação ao Fed com a mesma irresponsabilidade que agiu em tudo que esteve ao seu alcance.
Ainda assim, o jogo é outro - e cheio de incertezas. Os mestres do afrouxamento quantitativo, que ocuparam a linha de frente no combate à Grande Recessão, não estão mais no banco. A troca de Yellen, sem motivos, é uma troca de guarda - só o veterano Evans permanece nos órgãos diretivos. Economistas experientes deixam a cena, distante da normalidade e repleta de desafios. O papel de maestro cabe a Powell e sua orquestra não tocou junta ainda. Marvin Goodfriend, outro indicado por Trump, tem sólidas credenciais, mas é pouco amigo do gradualismo e, se dependesse dele, os juros já estariam alguns degraus acima dos de hoje. As próximas nomeações podem levar à afinação ou ao caos. Ousadia com previsibilidade, quase uma impossibilidade lógica, foi a receita de Bernanke, seguida por Yellen. O Fed, sob Trump, pode naufragar ao atolar em um desses polos.
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