- O Estado de S. Paulo
Esquerda e direita, oposição e situação, mortadela e salaminho – rachar conceitualmente o mundo em partes desiguais tem múltiplas utilidades. É um jeito de espremer o que é complexo na mente mais acanhada. E instrumento para criar identidade por oposição. Nós e eles, nós contra eles. Como separar uns de outros, aí é que são elas, ou eles, ou el@s, sabe-se lá. Não são mais.
Apresentar-se-á aqui, indivisível leitor, um chaveamento social tão revolucionário que é capaz de deixar o Centrão perplexo, o PT indignado e, de espanto, derrubar o PSDB do muro.
Antes da prova fria que curvará todas as separações anteriores a tamanha descoberta sociológica, uma admissão: o conceito não é novo nem original. De compartilhamento em compartilhamento, vaga replicando-se pelo YouTube há uns bons cinco anos.
Quem o descobriu foi ninguém menos do que Ariano Suassuna. O escritor de “Auto da Compadecida” colheu-o da boca perolada de sua anfitriã carioca, durante jantar em homenagem à sua recém concedida imortalidade pela Academia Brasileira de Letras, em agosto de 1990.
Levaria décadas, porém, para o insight do autor paraibano se tornar viral. Vírus, à época, era outro organismo.
Apenas em 2012 Suassuna veio a público para contar o episódio revelador. Narrou-o para plateia de um tribunal superior, e, gravado, foi parar na internet. No vídeo, o homenageado imortal conta que tudo era banal naquele refinado jantar de letras, dos croquetes aos salamaleques. Até que a dona da casa lhe propôs a questão que viria a revelar a mais sintética das divisões de mundo: “Naturalmente, o senhor já foi à Disney, não é?”
Para imensa decepção da anfitriã, Suassuna nunca tinha ido. Nem ele nem 96% dos brasileiros – segundo carona pega em pesquisa nacional feita pelo Ideia Big Data, sob encomenda para lastrear esta coluna. A diferença entre o autor nos anos 90 e o brasileiro hoje é que este sabe o que é “Disney”. Ou diz saber.
No jantar de 27 anos atrás, levou tempo para Suassuna deduzir que a interlocutora referia-se à Disneylândia, como supôs – ou, como era mais provável, à Walt Disney World, o parque temático mais visitado do mundo. Hoje, apenas 4% dos compatriotas de Suassuna não sabem responder se gostariam “de ir à Disney”. O que significa que a imensa maioria dos brasileiros se divide em dois grupos: quem foi ou quer ir, e quem não foi nem quer.
O mais surpreendente é o tamanho do racha que tal questão político-filosófica impõe ao eleitorado nacional. Divide mais do que Lula x Bolsonaro, é mais universal do que um Fla x Flu. Pois 51% dos brasileiros aptos a votar pertencem ao que se poderia chamar de turma do Mickey. A patota que não quer ver o Castelo da Cinderela soma 45%. E 4% não sabem do que estamos falando.
Diferentemente da disputa eleitoral para presidente, não há divisão regional significativa entre os próDisney e os antiDisney. Nem a variação de renda revela tendência clara a favor ou contra um dos grupos. Apenas dois segmentos se admitem francamente fãs do Pato Donald: mulheres mais do que homens, jovens mais do que idosos. Na ponta contrária, os que cursaram uma faculdade são bem menos curiosos sobre Pateta e cia.
De que serve, então, mensurar a turma brasileira do Mickey? Prever sua intenção de voto para presidente.
Eleitores que gostariam de ir à Disney têm 35% mais chance de votar em Bolsonaro num eventual 2º turno contra Lula. Já eleitores que não querem autógrafo do Tio Patinhas têm 36% mais probabilidade de votar no petista. Só há um cenário onde a diferença é maior: se o eleitor quer ir à Disney, aumenta em dois terços a chance de ele votar em Luciano Huck no 2º turno.
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