- Valor Econômico
Se as economias de mercado criam suas próprias crises, elas também desenvolvem forças para sua superação
O título desta minha primeira coluna do ano de 2018 nasceu da experiência como analista das coisas da economia por mais de 40 anos. Neste longo período de tempo, vivenciei várias vezes os mercados financeiros decretarem a crise terminal de uma - ou de várias - economias de mercado em função de graves desajustes macroeconômicos que ocorreram. Lembram os leitores do Valor quando em 2012 o colapso final da Grécia era para muitos uma questão de dias e os juros dos títulos em dólares emitidos pelo governo grego chegaram a mais de 20% ao ano? E que, com o derretimento da economia grega, iriam juntos a Itália e a Espanha, arrastando de forma definitiva o modelo da Europa Unida em torno do euro?
A mesma leitura catastrofista tinha acontecido poucos anos antes sobre os Estados Unidos, com a crise do chamado Sub Prime que levou à quebra de bancos e grandes empresas como a Ford e a GM. Alguns chegaram até a sugerir que os títulos de 10 anos de prazo do tesouro americano perderiam sua nota máxima de qualidade de crédito, afundados por um déficit fiscal que chegou a 10% do PIB. Lembram-se? E o Japão que, engolfado em longa depressão econômica, na previsão de muitos teria um fim terrível para uma sociedade que não conseguia aumentar seus gastos em consumo com medo do futuro?
Mas o alvo preferido para os arautos de uma crise terminal nas economias de mercado nos últimos anos tem sido a China. Pelo menos uma vez ao ano os mercados elegem um tema para especular com o colapso de economia chinesa. O mais recente, em 2017, foi a desvalorização do yuan em relação ao dólar americano em função de uma fuga de capitais que reduziu em mais de US$ 1 trilhão o volume de reservas do Banco da China. Medidas tomadas pelo governo de Beijing estabilizaram a taxa de câmbio do yuan e provocaram uma valorização de mais de 6% nos últimos meses.
Nenhuma destas previsões ocorreu e chegamos agora em 2018, 10 anos depois da crise do sub prime, com a maior economia do mundo novamente perto do pleno emprego e com juros pelo menos 100 pontos abaixo do padrão de períodos semelhantes no passado. As Bolsas de Valores em Wall Street atingem números recordes refletindo o entusiasmo dos investidores com os resultados operacionais das empresas em vários setores.
Do mesmo modo, a Europa venceu os obstáculos que encontrou pelo caminho e inicia o Ano Novo também sob o signo do otimismo, com a economia crescendo a taxas próximas de seu potencial, inclusive nos países mais frágeis como Itália e Espanha. Também os preços das ações europeias estão nas nuvens, embalados pelo otimismo com os resultados das empresas. O euro recuperou sua força em relação ao dólar e nem mesmo a saída do Reino Unido da comunidade europeia interrompeu este movimento. Até os títulos públicos emitidos pelo governo grego voltaram a ser negociados a taxas consideradas normais e o Plano de ajuda financeira, articulado pelo FMI e a Comunidade Europeia no auge da crise de confiança, está sendo liquidado normalmente pelo governo em Atenas e com recursos próprios.
Apesar de pouco noticiada, no Japão a economia saiu do abismo da recessão em que se encontrava desde a década dos noventa do século passado e apresenta um crescimento adequado para uma sociedade com as características da japonesa. E a China voltou a acelerar seu crescimento depois de vários anos de desaceleração e que foi diagnosticado, pelos pessimistas de sempre, como o início de um período de crescimento bem mais reduzido.
Em outras palavras, depois de um longo período de crises o mundo sincronizou o crescimento econômico global perto de seu potencial e deixou para trás os murmúrios e previsões sobre o fim do capitalismo. Mesmo no Brasil, embora a crise e a recuperação cíclica que estamos vivendo tenham uma natureza diversa da que atingiu o mundo desenvolvido, podemos sentir a força de uma economia de mercado quando submetida a uma gestão de qualidade.
Na reflexão de hoje, procuro entender como é possível ocorrer uma mudança tão radical na percepção sobre o funcionamento das economias de mercado, apesar de todo o arcabouço teórico existente para orientar os analistas em sua missão. Pergunto: como explicar as flutuações selvagens nos preços das ações, das taxas de câmbio e de juros que ocorrem em curto espaço de tempo sob o impacto de previsões que acabam não ocorrendo? No caso das bolsas americanas, nestes últimos cinco anos, ocorreu uma valorização de mais de 80% depois que o Fed adotou a política de ultra expansão monetária para estimular a economia americana. O mesmo fenômeno ocorreu na Europa depois que o BCE, sob o comando do italiano Mario Draghi, mandou às favas a oposição dos monetaristas radicais do Banco Central alemão e adotou a mesma política do Fed.
Para encontrar uma explicação razoável para esta questão, vou recorrer ao comentário de John Maynard Keynes durante um debate sobre os defeitos do capitalismo, como era chamado o regime de economias de mercado. Para ele, o capitalismo tem uma fragilidade intrínseca que é a influência de erros de política econômica cometidos pelas autoridades na administração do ciclo econômico e que provocam importantes desequilíbrios nos mercados. Nestes momentos, a influência das fragilidades humanas dos agentes econômicos podem transformar desequilíbrios de curto prazo em crises sistêmicas mais graves e mais longas, como nos Estados Unidos em 2008. Ao citar esta fragilidade das economias de mercado Keynes sempre terminava com uma observação otimista. Mas se as economias de mercado criam suas próprias crises elas também acabam por desenvolver forças autônomas para sua superação.
Foi o que ocorreu neste período dramático que vivemos.
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Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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