- Valor Econômico
Erros de PT e PSDB aumentam incertezas do cenário atual
Das sete eleições presidenciais desde a redemocratização, em três o presidente foi reeleito, e em outras três o governo foi ator central no processo, seja produzindo o sucessor (1994 e 2010), seja funcionando como referência do jogo eleitoral (2002). A desarticulação e a baixíssima popularidade do governo Temer sugerem a fragilidade desse ator balizador nas eleições de 2018. Somem-se a isso as dúvidas quanto ao destino da candidatura Lula e o recente ativismo político-eleitoral de parcelas do judiciário, e temos um alto grau de incerteza em relação à eleição presidencial, com paralelos apenas na disputa de 1989 (embora hoje o Brasil seja muito diferente). A manutenção da dinâmica PT-PSDB, um rearranjo moderado de forças (com a consolidação de uma terceira via mais tradicional), ou mesmo a ascensão de saídas radicais: são todos resultados possíveis.
Em um ambiente de elevada crispação ideológica, os atores centrais para os avanços socioeconômicos das últimas décadas - PT e PSDB - pouco têm contribuído para o encaminhamento de soluções responsáveis. O PSDB e a centro-direita (apoiados, grosso modo, pela maior parte do empresariado e da classe média mais escolarizada, tipicamente "white collar"), cometem um equívoco histórico ao alimentar radicalismos de direita que podem engolir o partido e todo o sistema, e ao flertar com aventureiros de primeira viagem que serão tragados por este mesmo sistema. Também erram ao demonizar e criminalizar o PT: trata-se do melhor que o Brasil produziu em termos de uma esquerda responsável, tipicamente social-democrata, com bases populares e um programa de conciliação de classes.
Do outro lado, a centro-esquerda (PT, partidos e movimentos em sua órbita, e grande parte da intelectualidade e dos meios universitários) comete um erro histórico ao demonizar o PSDB: é o mais próximo que chegamos de um partido de matriz liberal - sobretudo na economia, e em certo grau nos costumes - com alguma preocupação social, e com vínculos na sociedade. Também se equivoca ao 'folclorizar' forças radicais em ascensão: chamar um candidato e seus seguidores de fascistas no frenesi das redes sociais é fazer seu trabalho de marketing político, ajudando na divulgação de seus desvarios. Como o trabalho da imprensa tem demonstrado, rebater seus 'argumentos' de modo mais objetivo e desmascarar falsos moralismos resultam muito mais eficaz. (A esquerda nos Estados Unidos cometeu o mesmo erro estratégico em relação a Donald Trump: deu no que deu).
Sob o ponto de vista das instituições políticas, tucanos e petistas subestimaram o peso histórico e a extensão do patrimonialismo e da corrupção: seus governos abraçaram o que havia de mais fisiológico nas coalizões, e relegaram para ad aeternum uma reforma política decente. Em relação aos programas, a opção de uns é a deriva à direita, flertando perigosamente com a intolerância de cunho religioso. Já a esquerda, ao focar quase que exclusivamente na fragmentação identitária e na lógica da diferença (que jogam inúmeros microgrupos uns contra os outros, na luta por nacos de políticas públicas), vê o discurso da igualdade ser absorvido pelo campo oposto - mesmo radical, ao se evocar a ideia de 'povo' (novamente, vale lembrar o caso dos EUA).
Chega-se, então, ao fator Lula - um complicador do cenário atual. Como símbolo máximo não apenas do PT, mas do projeto conciliador do progressismo brasileiro, caberia ao PSDB uma posição mais responsável acerca do julgamento em curso, sem embarcar na sanha de caçada pessoal ao ex-presidente empreendida por setores da classe política e do judiciário. Do outro lado, o endeusamento de Lula promove um neo-sebastianismo pouco saudável à nossa democracia, deixando clara ainda a falência na sucessão geracional dentro da esquerda do país.
Para o bem de todos, a vida real é diferente das redes sociais, com sua polarização artificialmente cultivada por algoritmos e guerrilhas virtuais remuneradas. Segundo pesquisa Datafolha de 2017, que classificou o eleitorado a partir de suas respostas a questões substantivas (pobreza, crescimento, pena de morte, drogas etc), 80% dos brasileiros se localizam entre a centro-esquerda e a centro-direita, com o restante se colocando claramente como de esquerda ou de direita (10% em cada campo). Em que pesem as dificuldades metodológicas e as controvérsias de qualquer segmentação do tipo, esses (e outros) dados indicam que a radicalização percebida hoje em dia talvez esteja superestimada. Existe espaço, no eleitorado, para soluções que não recaiam em um radicalismo inconsequente.
Apontar erros alheios é sempre mais fácil do que sugerir caminhos, é verdade. Mas sem crítica, dificilmente se avança. Mais do que a sorte de Lula ou a repetição de uma 'disputa controlada' entre PT e PSDB, o que está em jogo no momento atual, e estará no próximo governo, é a sobrevivência de pactos (federativo, geracional, de classes etc) construídos ao longo da redemocratização, e materializados na Constituição de 1988. Bem ou mal, tais pactos legaram ao Brasil o maior período de estabilidade democrática e de avanços socioeconômicos de sua conturbada história. O próximo governo terá que lidar com esse e muitos outros desafios, como as amarras estruturais que têm travado o sistema político e a economia. O início da caminhada, porém, será a conquista de uma ampla e inquestionável legitimidade: do ponto de vista constitucional, mas principalmente em seus critérios democráticos, com a sanção de um projeto pela população nas urnas. Sem isso, qualquer governo já nascerá condenado.
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Pedro Floriano Ribeiro ocupa atualmente a Fulbright Chair in Democracy and Human Development no Kellogg Institute, Universidade de Notre Dame (EUA). É professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos
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