Acusado de ser o dono oculto de um apartamento triplex no Guarujá que teria recebido de uma empreiteira em troca de favores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai a julgamento, em segunda instância, nesta terça-feira 24. É grande a expectativa em torno da decisão, pois ela terá impacto direto na eleição presidencial de 2018 e grande repercussão na cultura política de um país que parece, enfim, disposto a dar um basta à tolerância com que tem encarado a corrupção da vida pública.
O impacto sobre a eleição não será pequeno. Se Lula for condenado, enquadrado na lei da ficha limpa e não puder disputar, provavelmente haverá mais candidatos ao pleito. Com o ex-presidente no páreo, possivelmente apenas uma vaga estará em disputa para o segundo turno, pois Lula lidera todas as pesquisas de intenção de votos, sempre com algo em torno dos 30% das declarações, o bastante para remetê-lo à segunda rodada. Sem ele, as duas vagas estão em aberto.
Nem o PT supõe que Lula possa sair absolvido do julgamento em Porto Alegre, a sede do TRF-4. Mesmo que isso aconteça, a novela ainda vai longe, porque Lula responde a outros cinco processos na Justiça Federal, alguns dos quais devem ser resolvidos de agora até a campanha. Mesmo condenado, no entanto, a lei faculta a Lula tantos recursos que não será surpresa se ele disputar os dois turnos da eleição de outubro e, se for eleito, assumir sub-judice, como atualmente ocorre com mais de uma centena de prefeitos eleitos na disputa municipal de 2016.
O mais provável, a esta altura, é que tenhamos um Lula capenga até o julgamento do registro da sua candidatura, o que sem dúvida não será bom para o ambiente político e econômico. Mas não há nada a fazer. É a lei. Deve ser cumprida, o que serve também para a hipótese de a Justiça Eleitoral permitir que o ex-presidente dispute amparado por uma liminar. Mas a recíproca é mais que verdadeira: não há o que discutir da sentença a ser pronunciada em Porto Alegre, depois de amanhã, ou mais adiante, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Seja a condenação em segunda instância, seja a impugnação de sua candidatura, se elas vierem a ocorrer, são decisões judiciais a serem cumpridas, sem discussão. Lula não é intocável e está sujeito às regras como qualquer brasileiro. O ex-presidente tem direito a espernear, gritar aos quatro ventos que é vítima de uma perseguição judicial, pois, afinal, o Brasil é uma democracia conquistada a duras penas, e ele tem direito à livre expressão. Mas, condenado, deve cumprir a sentença como qualquer outro investigado no âmbito das investigações desencadeadas a partir da Operação Lava-Jato.
Os desafios que Lula e o PT têm lançado à Justiça são preocupantes e beiram o limite do intolerável quando uma senadora da República declara, em alto e bom som, que para prender Lula, " vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente". A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), autora de tamanho disparate, foi ministra da Casa Civil da Presidência da República, no governo Dilma Rousseff, e agora é presidente nacional do PT. Mais que ninguém Gleisi deveria respeito à Justiça, que é a base na qual se assentam os pilares da democracia.
A devassa da Lava-Jato e de outras operações congêneres já levou para a cadeia nomes considerados intocáveis da sociedade brasileira, como os executivos das maiores empreiteiras do país. Desde o mensalão, os políticos também aprenderam que podem ser responsabilizados por seus maus hábitos, como aconteceu, para citar alguns exemplos, com Roberto Jefferson, José Dirceu e Pedro Corrêa, que presidiram, respectivamente, o PTB, o PT e o PP. Se não aboliu o "rouba, mas faz" dos seus costumes políticos, a sociedade brasileira está ao menos bem encaminhada.
Neste cenário, merece o repúdio de todos os verdadeiros democratas a cruzada do PT contra a Justiça. Não engana a ninguém o fato de que o PT e Lula tentam se vitimizar para reduzir os danos eleitorais do partido e daquele que é sem dúvida o maior líder popular desde a redemocratização. Cabe a Lula e ao PT aceitar a decisão da Justiça, assim como cabe a seus adversários, na hipótese de o ex-presidente ser absolvido ou considerado apto para disputar a eleição.
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