A proposta de legalização pretende combater a violência com atividade que gera mais violência
Ninguém tem dúvidas de que é dramática a situação da segurança em todo o Brasil. Em 2016, o país registrou 61.619 mortes violentas — o maior número da série histórica —, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Abrindo-se mais o leque, chega-se a números estarrecedores. A série de reportagens “A guerra do Brasil”, publicada no GLOBO, mostrou que, em 15 anos (janeiro de 2001 a dezembro de 2015), 786 mil pessoas foram mortas, marca que supera as baixas de países em guerra. Na Síria, por exemplo, foram 331.765, de março de 2011 a julho de 2017; e, no Iraque, 268 mil, de 2003 a 2017.
Longe da frieza dos dados, o conturbado dia a dia do país ajuda a formar um quadro de extrema gravidade. Números de roubos disparam, guerras de facções tomam todos os cantos do país e presídios se transformam em caldeirões — no início do mês, penitenciárias de Goiás registraram três motins, que deixaram nove detentos mortos e 14 feridos.
Junte-se a esse cenário a frágil situação fiscal dos estados. No Rio, a crise financeira levou o governo a cortar horas extras de policiais — o que significa menos agentes nas ruas. Chegou-se ao ponto de a polícia não ter dinheiro para comprar combustível ou fazer a manutenção das viaturas.
Pronto, está formado o cenário perfeito para que surjam propostas ilusórias e promessas demagógicas de dinheiro fácil para os governos gastarem em segurança. É o caso do projeto que prevê a legalização dos jogos de azar no país e a destinação de parte dos impostos para um fundo de segurança. O lobby é antigo, mas, diante da crise, ganhou fôlego. Em novembro do ano passado, governadores de vários estados, entre eles o do Rio, Luiz Fernando Pezão, pediram aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), a aprovação do polêmico projeto.
Mas os interessados apresentam apenas um lado da questão. Talvez porque o outro esteja escondido nos subterrâneos. Mas é preciso mostrá-lo. Para começar, a proposta encerra um contrassenso, já que pretende combater a violência com uma atividade que sabidamente gera mais violência. O Rio é um bom exemplo. Estão aí as máfias de caça-níqueis — algumas associadas a quadrilhas internacionais —, que deixam seus rastros em atentados e assassinatos motivados pela disputa de pontos. Ou alguém acha que esses criminosos cederiam gentilmente seus feudos para a legalidade?
Outra questão que deve ser encarada é a estreita relação dessas atividades com a lavagem de dinheiro, especialmente num momento em que o crime se internacionaliza. É tênue o argumento de que o projeto preveria sistemas de controle. A Lava-Jato está cheia de exemplos de como os órgãos de fiscalização passaram ao largo de transações tenebrosas. Ademais, a legalização não resolveria o problema fiscal dos estados. E, em muito pouco tempo, governos teriam de bater às portas do Tesouro em busca de mais recursos para combater os efeitos adversos da proposta. Certamente, não vale a pena arriscar.
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